terça-feira, 15 de abril de 2025

É preciso pensar além da intimidação


É preciso pensar além da intimidação

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Quem nunca ouviu falar sobre o bullying? Pois é, essa prática de intimidação, de importunação moral e, algumas vezes, física, que atinge pessoas em diferentes faixas etárias, grupos sociais, espaços geográficos, tem contribuído para o adoecimento mental.

Então, debruçada em uma longa reflexão a respeito, percebi um viés importante e, talvez, pouco debatido. As manifestações do bullying ocorrem em razão das diferenças. Tudo pode ser pretexto para o bullying. Raça. Gênero. Peso. Altura. Idade. Status social. ... O que significa que o bullying orbita o universo das diferenças humanas.

Estamos diante, então, de um problema de aceitação das singularidades e especificidades, porque o mundo tem sido levado a pensar dentro de uma perspectiva de padrões homogeneizantes. O que, não raramente, é estimulado pela sociedade de consumo.

Para ser aceito, pertencer, são criados códigos subliminares, os quais, na verdade, visam reduzir ao máximo as diferenças. Acontece que esse movimento ataca diretamente a identidade dos indivíduos, impedindo-os de serem quem são e como são. Caso contrário, eles são lançados às arenas, reais e virtuais, contemporâneas, sendo submetidos às diversas práxis de intimidação.

Quando penso a respeito, me lembro imediatamente da canção “Admirável Chip Novo” (2003), da cantora Pitty; sobretudo, o trecho “Nada é orgânico, é tudo programado/ E eu achando que tinha me libertado”. Sim, porque o bullying contraria a ideia superestimada e defendida, pela sociedade contemporânea, sobre liberdade. Não, não somos tão livres assim! O tempo todo existe alguém bradando um perfil social a ser (per)seguido.

Portanto, o bullying é um regime de coagir ou de obrigar pela intimidação, pela força ou pela violência. De modo que os indivíduos submetidos a tais práxis colapsam, quando se sentem incapazes de se enquadrar dentro de um determinado perfil preestabelecido. Algo que cria um registro mental de incapacidade, de frustração, de incompetência, que não traz em si nenhuma verdade. Porque ninguém é obrigado a ser desse jeito ou de outro!

Daqui e dali, ouço muita gente falando sobre pluralidade, diversidade, inclusão, ... Acontece que da teoria para a prática existe um abismo gigantesco. Infelizmente, fazendo um retrospecto da historicidade humana, a verdade é que esses conceitos jamais tiveram uma ampla aceitação. A tentativa de castrar, de modular os corpos, as identidades, as ideias, os desejos, as linguagens, sempre existiu como uma manifestação da homogeneização conservadora.

Quem não se lembra do filme “O Sorriso de Monalisa” (2003)?  Ao ministrar aulas de História da Arte, na conceituada Wellesley College, Massachusetts, EUA, a professora Katharine Watson (Julia Roberts) ensina meninas da década de 1950 a questionarem os seus papéis sociais tradicionais e, por isso, sofre intimidação da direção, do conselho de pais e mestres, e das próprias alunas. 

Veja, a homogeneização, no fundo, produz uma objetificação, a qual desumaniza o ser humano. Como se quisesse produzir uma humanidade seriada, onde tudo fosse igual. Assim, não haveria discussão. Não haveria conflito. Não haveria rebeldia. Seria uma sociedade totalmente blasé e pseudoconformada aos ditames daqueles que controlam o poder.  

Segundo o filósofo e escritor francês, Jean-Paul Sartre, “A violência, seja qual for a maneira como ela se manifesta, é sempre uma derrota”. Daí a necessidade de dissecar as camadas existentes no bullying, independentemente, se ele acontecer dentro do contexto do mundo real ou virtual. Isso implica, necessariamente, na disposição em admitir a existência de uma transversalidade nessa discussão, ou seja, é fundamental identificar os gatilhos que desencadeiam a sua formação social, ou seja, a ética, o consumismo, as mídias sociais, o cancelamento, o efeito manada, ...

Assim, a transversalidade permite contextualizar e organizar de forma associativa os assuntos; bem como, resgatar a memória dos acontecimentos, interessando-se por suas origens, causas, consequências e significações, ampliando a consciência do indivíduo e possibilitando que ele se torne protagonista da sua história, da sua identidade.  

A luta contra o bullying depende necessariamente desse processo que ultrapassa os limites do sofrimento de quem é vítima da intimidação. É preciso combater a disseminação dos gatilhos sociais. Lembre-se, o bullying não é um problema estritamente individual, ele é um problema coletivo. Tanto que, no Brasil, ele é crime, tipificado através das leis n.º 13.185/2015 1 e n.º 14.811/2024 2.



1 Que instituiu o Programa de Combate à Intimidação Sistemática, ou seja, obriga escolas, clubes e agremiações recreativas a garantir medidas de conscientização, prevenção, diagnóstico e combate ao bullying, implementando uma série de ações que visam erradicá-lo.

2 Que criminaliza o bullying e o cyberbullying; bem como, define uma Política Nacional de Prevenção e Combate ao Abuso e Exploração Sexual da Criança e do Adolescente.