quarta-feira, 16 de abril de 2025

A história e os infiltrados


A história e os infiltrados

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Mais um 22 de abril e o tempo parece não ter passado. O Brasil contemporâneo insiste, o quanto pode, em se manter uma cópia disforme da Terra Brasilis colonial, de 1500. Quando uma monarquia decadente e sua corte elitista instituíram padrões e comportamentos que se impregnariam de forma tóxica e nociva ao futuro das terras apropriadas à revelia de seus donos originários. Nos últimos dias, duas situações estampadas nas mídias alternativas e tradicionais, tornaram-se provas cabais para tal percepção.

Uma, diz respeito à fala de um ex-ministro do Banco Central brasileiro, durante a Brazil Conference, realizada nas universidades Harvard e MIT (Massachusetts Institute of Technology), nos EUA. Segundo ele, a ideia de congelar o salário-mínimo por seis anos para melhorar as contas da Previdência Social brasileira, só faz reafirmar a visão das classes burguesas em relação à implementação de políticas econômicas totalmente voltadas à sacralização do pagamento de juros, como já se viu acontecer durante décadas e décadas, no país.

A outra, trata do Projeto de lei (PL) da Anistia, proposto pela ala direitista do Congresso Nacional; sobretudo, da Câmara dos Deputados. Contando com 262 assinaturas, ele deu entrada em regime de urgência e formou-se um desconforto a respeito, em razão da presença de parlamentares de partidos que compuseram a Frente Ampla que apoiou a eleição do atual governo.

Ocorre que tais partidos foram beneficiados com a gestão de ministérios e, além disso, o tal PL da Anistia visa perdoar, através de um ato público, crimes cometidos contra o Estado, ou seja, no que se refere a todo o Plano Golpista, cujo ápice aconteceu no 08 de janeiro de 2023.

Bem, os dois exemplos não me causam surpresa. Findada a Monarquia e iniciada a República, no Brasil, a organização político-social permaneceu a mesma. Uma pirâmide social estratificada em um pequeno ápice, composto pelas elites burguesas e oligárquicas detentoras dos poderes, e uma base, composta pela plebe ou classe popular da sociedade. E assim deveria ser sempre. Nada de reduzir as desigualdades. De propiciar a mobilidade social. De ampliar direitos e garantias à dignidade humana. ...

Sobre metrópoles e colônias sempre pairou o medo em relação à ocorrência de uma outra revolução, nos mesmos moldes da experimentada pela França de Luis XVI e Maria Antonieta, no século XVIII, a qual permitisse a ascensão das camadas populares. E esse pensamento permaneceu ativo no inconsciente coletivo pós-colonial.

De modo que revirando os baús da historicidade brasileira, tem-se a dimensão do afinco, quase selvagem, das minorias elitistas para assegurar que suas regalias, privilégios, poderes, herdados dos tempos coloniais, não fossem jamais abalados por nenhum motivo ou razão. Especialmente, por algo que pudesse alçar as camadas populares aos espaços de poder.    

Então, promovendo um salto temporal nessa reflexão, chegamos ao século XXI, quando um partido de esquerda reascendeu ao poder, no Brasil, depois da agitada década de 1960.  O que parecia quase impossível, aconteceu. Complementando todo o mal-estar gerado pelo fim dos 21 anos de ditadura militar, apoiada por defensores e simpatizantes da Direita, em seus diversos matizes, essa situação permaneceu reverberando entre muitas dessas pessoas, como algo inadmissível.

O que permite compreender, de certa forma, os motivos que fizeram esse ruminar frustrado e indigesto, permanecer nutrindo o ideário golpista de retomada do poder brasileiro. Valendo-se dos velhos estratagemas de 1964, conseguiram eleger em 2018, um candidato alinhado aos seus compromissos ideológicos e político-partidários.

No entanto, antes que quaisquer sinais de rearranjo das alas progressistas nacionais se efetivassem, eles começaram a traçar planos, inclusive de um novo Golpe de Estado. Entre 2019 e 2022, a Direita, em seus diversos matizes, presentes nos mais diferentes campos da sociedade, confabulou o conjunto de práxis que seriam colocadas em ação para alcançar seus objetivos de se manterem no poder.

Por sorte, a Democracia falou mais alto! Nas urnas eles perderam! Partiram, então, para a desordem, a arruaça, a anticidadania explícita, a selvageria fanática em estado bruto. Apesar de todos os pesares, também, não obtiveram êxito. Mas, é preciso atenção a um ponto, pouco considerado nesse assunto.

Para que o candidato progressista tivesse condições de ampliar a sua força na corrida eleitoral de 2022, dado o aflorar dos ânimos no país, foi criada uma Frente Ampla de partidos, para apoiá-lo e minimizar as tensões na futura gestão. Entretanto, nela estavam presentes representantes historicamente conhecidos pelo seu envolvimento fisiológico na política nacional. Além disso, todos tinham a sua digital direitista.

Como diz o provérbio popular, “De boas intenções está cheio o inferno”! Não tivesse sido a Democracia brasileira duramente exposta aos mais diversos mecanismos de fragilização, nos anos que antecederam a referida eleição, ou seja, entre 2014 e 2022, a ideia de uma Frente Ampla seria espetacular e muito bem-vinda.

Mas, não era esse o cenário. Portanto, ela se tornou um espaço de composição para os infiltrados da Direita, em seus diversos matizes. Eles estão em maioria na Câmara dos Deputados. Eles estão em número significativo no Senado. Eles estão nos Ministérios, Autarquias e demais estruturas e instituições públicas nacionais.

E quanto mais essas pessoas se infiltram na governança do país; mais, elas desempenham um papel de contenção ao discurso progressista. Mais, elas procuram meios para sabotar e boicotar os projetos desse viés, o que em linhas gerais, diz respeito às políticas públicas nacionais, que atendem a grande massa da população.

Aliás, acabo de ler na imprensa nacional que, o Partido Progressistas (PP), presidido por um ex-ministro do governo anterior, apresentou uma emenda para reduzir a alíquota do imposto mínimo sobre a renda dos milionários de 10% para 4%.

Vejam só, ele se tornou um emissário das elites banqueiras e do mercado de capitais junto ao Congresso nacional, ao invés de exercer o seu mandato em favor dos seus eleitores menos favorecidos e privilegiados. Aliás, um exemplo clássico, do ranço colonial que trato nesse texto.

Por isso, nada manifesto pela Direita e seus matizes, sejam eles mais ou menos radicais e extremistas, me espanta. Prestes a completar 525 anos de história, o Brasil, sob esse aspecto, permanece imóvel e pateticamente ingênuo. Com suas elites burguesas e oligárquicas, detendo os direitos, os poderes, os espaços, os discursos, ...  enquanto as camadas mais frágeis e vulneráveis definham seus dias, entre amargos sorrisos e lágrimas.

É preciso entender, de uma vez por todas, que “O problema não é mudar a ‘consciência’ das pessoas, ou o que elas têm na cabeça, mas o regime político, econômico, institucional de produção da verdade”. E isso é sim, desafiador, porque “Vivemos em uma sociedade que em grande parte marcha 'ao compasso da verdade' – ou seja, que produz e faz circular discursos que funcionam como verdade, que passam por tal e que detêm, por esse motivo, poderes específicos" (Michel Foucault - A microfísica do poder, 1978). Assim, pare, pense e reflita a respeito!