A
história e os infiltrados
Por
Alessandra Leles Rocha
Mais um 22 de abril e o tempo
parece não ter passado. O Brasil contemporâneo insiste, o quanto pode, em se
manter uma cópia disforme da Terra Brasilis colonial, de 1500. Quando uma
monarquia decadente e sua corte elitista instituíram padrões e comportamentos que
se impregnariam de forma tóxica e nociva ao futuro das terras apropriadas à
revelia de seus donos originários. Nos últimos dias, duas situações estampadas
nas mídias alternativas e tradicionais, tornaram-se provas cabais para tal
percepção.
Uma, diz respeito à fala de um
ex-ministro do Banco Central brasileiro, durante a Brazil Conference,
realizada nas universidades Harvard e MIT (Massachusetts Institute of
Technology), nos EUA. Segundo ele, a ideia de congelar o salário-mínimo por
seis anos para melhorar as contas da Previdência Social brasileira, só faz reafirmar
a visão das classes burguesas em relação à implementação de políticas econômicas
totalmente voltadas à sacralização do pagamento de juros, como já se viu
acontecer durante décadas e décadas, no país.
A outra, trata do Projeto de lei
(PL) da Anistia, proposto pela ala direitista do Congresso Nacional; sobretudo,
da Câmara dos Deputados. Contando com 262 assinaturas, ele deu entrada em
regime de urgência e formou-se um desconforto a respeito, em razão da presença
de parlamentares de partidos que compuseram a Frente Ampla que apoiou a eleição
do atual governo.
Ocorre que tais partidos foram
beneficiados com a gestão de ministérios e, além disso, o tal PL da Anistia visa
perdoar, através de um ato público, crimes cometidos contra o Estado, ou seja,
no que se refere a todo o Plano Golpista, cujo ápice aconteceu no 08 de janeiro
de 2023.
Bem, os dois exemplos não me causam
surpresa. Findada a Monarquia e iniciada a República, no Brasil, a organização
político-social permaneceu a mesma. Uma pirâmide social estratificada em um
pequeno ápice, composto pelas elites burguesas e oligárquicas detentoras dos
poderes, e uma base, composta pela plebe ou classe popular da sociedade. E assim
deveria ser sempre. Nada de reduzir as desigualdades. De propiciar a mobilidade
social. De ampliar direitos e garantias à dignidade humana. ...
Sobre metrópoles e colônias sempre
pairou o medo em relação à ocorrência de uma outra revolução, nos mesmos moldes
da experimentada pela França de Luis XVI e Maria Antonieta, no século XVIII, a
qual permitisse a ascensão das camadas populares. E esse pensamento permaneceu
ativo no inconsciente coletivo pós-colonial.
De modo que revirando os baús da
historicidade brasileira, tem-se a dimensão do afinco, quase selvagem, das
minorias elitistas para assegurar que suas regalias, privilégios, poderes, herdados
dos tempos coloniais, não fossem jamais abalados por nenhum motivo ou razão. Especialmente,
por algo que pudesse alçar as camadas populares aos espaços de poder.
Então, promovendo um salto
temporal nessa reflexão, chegamos ao século XXI, quando um partido de esquerda reascendeu
ao poder, no Brasil, depois da agitada década de 1960. O que parecia quase impossível, aconteceu. Complementando
todo o mal-estar gerado pelo fim dos 21 anos de ditadura militar, apoiada por
defensores e simpatizantes da Direita, em seus diversos matizes, essa situação permaneceu reverberando entre muitas dessas pessoas,
como algo inadmissível.
O que permite compreender, de
certa forma, os motivos que fizeram esse ruminar frustrado e indigesto, permanecer
nutrindo o ideário golpista de retomada do poder brasileiro. Valendo-se dos
velhos estratagemas de 1964, conseguiram eleger em 2018, um candidato alinhado
aos seus compromissos ideológicos e político-partidários.
No entanto, antes que quaisquer
sinais de rearranjo das alas progressistas nacionais se efetivassem, eles
começaram a traçar planos, inclusive de um novo Golpe de Estado. Entre 2019 e
2022, a Direita, em seus diversos matizes, presentes nos mais diferentes campos
da sociedade, confabulou o conjunto de práxis que seriam colocadas em ação para
alcançar seus objetivos de se manterem no poder.
Por sorte, a Democracia falou
mais alto! Nas urnas eles perderam! Partiram, então, para a desordem, a
arruaça, a anticidadania explícita, a selvageria fanática em estado bruto. Apesar
de todos os pesares, também, não obtiveram êxito. Mas, é preciso atenção a um
ponto, pouco considerado nesse assunto.
Para que o candidato progressista
tivesse condições de ampliar a sua força na corrida eleitoral de 2022, dado o
aflorar dos ânimos no país, foi criada uma Frente Ampla de partidos, para
apoiá-lo e minimizar as tensões na futura gestão. Entretanto, nela estavam
presentes representantes historicamente conhecidos pelo seu envolvimento
fisiológico na política nacional. Além disso, todos tinham a sua digital
direitista.
Como diz o provérbio popular, “De
boas intenções está cheio o inferno”! Não tivesse sido a Democracia
brasileira duramente exposta aos mais diversos mecanismos de fragilização, nos
anos que antecederam a referida eleição, ou seja, entre 2014 e 2022, a ideia de
uma Frente Ampla seria espetacular e muito bem-vinda.
Mas, não era esse o cenário. Portanto,
ela se tornou um espaço de composição para os infiltrados da Direita, em seus
diversos matizes. Eles estão em maioria na Câmara dos Deputados. Eles estão em número
significativo no Senado. Eles estão nos Ministérios, Autarquias e demais estruturas
e instituições públicas nacionais.
E quanto mais essas pessoas se
infiltram na governança do país; mais, elas desempenham um papel de contenção ao
discurso progressista. Mais, elas procuram meios para sabotar e boicotar os
projetos desse viés, o que em linhas gerais, diz respeito às políticas públicas
nacionais, que atendem a grande massa da população.
Aliás, acabo de ler na imprensa
nacional que, o Partido Progressistas (PP), presidido por um ex-ministro do
governo anterior, apresentou uma emenda para reduzir a alíquota do imposto
mínimo sobre a renda dos milionários de 10% para 4%.
Vejam só, ele se tornou um
emissário das elites banqueiras e do mercado de capitais junto ao Congresso
nacional, ao invés de exercer o seu mandato em favor dos seus eleitores menos
favorecidos e privilegiados. Aliás, um exemplo clássico, do ranço colonial que
trato nesse texto.
Por isso, nada manifesto pela Direita
e seus matizes, sejam eles mais ou menos radicais e extremistas, me espanta.
Prestes a completar 525 anos de história, o Brasil, sob esse aspecto, permanece
imóvel e pateticamente ingênuo. Com suas elites burguesas e oligárquicas, detendo
os direitos, os poderes, os espaços, os discursos, ... enquanto as camadas mais frágeis e vulneráveis
definham seus dias, entre amargos sorrisos e lágrimas.
É preciso entender, de uma vez
por todas, que “O problema não é mudar a ‘consciência’ das pessoas, ou o que
elas têm na cabeça, mas o regime político, econômico, institucional de produção
da verdade”. E isso é sim, desafiador, porque “Vivemos em uma sociedade
que em grande parte marcha 'ao compasso da verdade' – ou seja, que produz e faz
circular discursos que funcionam como verdade, que passam por tal e que detêm,
por esse motivo, poderes específicos" (Michel Foucault - A microfísica do
poder, 1978). Assim, pare, pense e reflita a respeito!