Bravo!
Bravíssimo!
Por Alessandra
Leles Rocha
Eu tenho defendido, há tempos,
que está na força das conjunturas o movimento que desenha a história. Por isso,
não há coincidência e nem acaso. Tudo acontece fora das lentes, das percepções
mais sutis. A prova disso pode ser atribuída ao filme “Ainda
estou aqui” (2024), de Walter Salles. Um sucesso arrebatador, que
transcendeu as fronteiras nacionais, para marcar as páginas da sétima arte,
mundo afora.
Bem, para entender o que está
acontecendo é fundamental prestar contas à linearidade da vida. Não existiria o
filme sem o livro, sobre o qual ele foi baseado. Carlos Drummond de Andrade
dizia: “Escritor: não somente uma certa maneira especial de ver as coisas,
senão também uma impossibilidade de as ver de qualquer outra maneira”. De
fato. Marcelo Rubens Paiva ao permitir contar a história da sua família, através
da figura emblemática da sua mãe, Eunice, jamais poderia supor a reverberação que
se daria dessa iniciativa.
Coisas que só um (a) filho (a)
poderia produzir! Dada a tal “impossibilidade de ver as coisas de qualquer
outra maneira”. O resultado foi sucesso. A obra literária chegou para tocar
corações e mentes, pelas palavras tecidas na fonte das memórias, das vivências,
das aventuras e das desventuras. Leitores diversos e plurais puderam mergulhar
naquelas páginas, não somente se emocionando; mas, construindo uma reflexão
empática que não se limita ao tempo ou ao espaço. O que não se sabia era que as
conjunturas já estavam trabalhando a todo vapor.
Alguém que não poderia deixar de
prestigiar o livro, Walter Salles tinha uma relação de amizade antiga com a
família Paiva. De algum modo, muito especial, cada palavra era capaz de lhe ressoar
uma lembrança. Então, na introspecção do seu processo de leitura, eis
que pensamentos começaram a dar forma ao que poderia se tornar um outro caminho
para aquela obra literária. Assim, passo a passo, as sementes começaram a
germinar e a constituir uma estrutura para o universo cinematográfico. E a
escolha do elenco, podemos dizer que foi a cereja do bolo. Perfeita! Como em um
encontro único, incrível, no qual as personagens e seus intérpretes compuseram
uma força única para a interpretação.
Aí, então, Fernanda Torres abriu
as asas do seu talento, protagonizando a personagem principal, Eunice Paiva. Do
mesmo modo que Marcelo não poderia imaginar os caminhos que seguiriam sua obra
literária, Fernanda também não. O que faz ambos desfrutarem desse sucesso retumbante
reside, justamente, na tal “impossibilidade de ver e fazer as coisas de
qualquer outra maneira”. Daí o resultado surpreendente! Livro e filme
trazem em si, a digital do afeto que move a entrega plena, do ser humano, a um
trabalho. Antes de estabelecer qualquer diálogo com o mundo exterior, é preciso
dialogar consigo mesmo.
Mas, isso não é tudo. As
conjunturas parecem querer mais. O filme “Ainda
estou aqui” provocou uma verdadeira desconstrução na percepção da
identidade nacional brasileira. Ele já superou a marca de 5 milhões de
espectadores na história do cinema nacional e vem promovendo um despertar
coletivo, em torno da nossa historicidade. A visão histórica brasileira está renascendo
da necessidade da análise crítica e reflexiva dos acontecimentos de ontem e de
hoje.
E o cinema, nesse sentido, tem
exercido um papel, na sociedade mundial, extremamente importante. A realidade
factual como elemento propulsor para contar histórias tem sido muito bem
recompensada. Contrariando as forças obscuras da pós-verdade, a sétima arte vem
destacando filmes que discutem a verdade em si, que abordam a realidade por
essa perspectiva factual. Seja nas linhas ou nas entrelinhas dos roteiros, a
ideia do cinema tem sido capturar a atenção reflexiva do público espectador.
Haja vista o sucesso de Oppenheimer,
em 2024, cujo roteiro aborda a jornada do físico teórico Oppenheimer,
considerado como o “pai da bomba atômica”, em razão do seu papel no
Projeto Manhattan, um empreendimento, durante a Segunda Guerra Mundial, para
desenvolvimento de armas nucleares. Mas, é só fazer uma breve recapitulação
sobre os filmes premiados, nos últimos anos, por diversas academias de cinema,
para constatar esse movimento. Afinal, como bem escreveu Eduardo Galeano, “A
primeira condição para modificar a realidade consiste em conhecê-la” [1];
e, as artes são, sem dúvida alguma, o espelho que fazem os Narcisos aprenderem
a lidar com aquilo que não é belo; mas, é fundamental visualizar.