(In)
Seguros apesar da lei
Por
Alessandra Leles Rocha
Eis a gota d’água! Não há melhor definição
para o problema da segurança pública, no país, do que essa. A fuga de dois
presos de uma penitenciária de segurança máxima 1,
escancara o problema e fomenta, então, as discussões a respeito. Afinal, segurança é assunto que figura como
direito social, na Constituição de 1988. Portanto, todos querem se sentir
seguros, protegidos, resguardados pelo Estado brasileiro, conforme prega a lei
maior do país.
Nada mais legítimo! No entanto, o
assunto é bem mais complexo do que se imagina. Não somente pela sua natureza; mas,
especialmente, pelo trato histórico que ele recebe há séculos. Infelizmente,
pouco mais de 500 anos de história, e ainda brilha no imaginário nacional uma
correlação direta entre encarceramento e segurança pública, ou seja, punir os
delitos com a privação da liberdade.
E assim, do furto famélico ao
crime hediondo, a solução é a mesma, o encarceramento. De modo que, um
bocadinho de atenção, para perceber que a resposta do Estado se transformou em
receita de bolo, aplicada daqui e dali, amiúde, deixando de lado o que deveria
ser prioridade. Ora, é preciso entender a construção histórico-social da
criminalidade, dissecando suas inúmeras camadas.
Nesse contexto, então, o país não
fez outra coisa senão produzir uma super população carcerária, cujo perfil socioeconômico
retrata uma presença majoritária de cidadãos oriundos das camadas mais frágeis e
vulneráveis da população. Muitos, inclusive, detidos por semanas, meses ou
anos, antes mesmo, de uma audiência de custódia para avaliação do caso. De modo
que esse cenário fez emergir um poder paralelo dentro do sistema prisional. Facções
criminosas passaram a se organizar dentro e fora do cárcere, disputando entre
si a hegemonia no sistema.
Bom, tudo isso significa que o
Estado brasileiro se manteve enxugando gelo, olhando fixamente para o cárcere;
mas, totalmente esquecido de olhar para o país e discutir efetivamente sobre
segurança pública. Pois é, o Estado brasileiro gestou, pariu e continua
alimentando o seu monstro de estimação.
Ora, não dá para pensar em
segurança pública sem analisar o que leva o país a criar veios de
criminalidade. Desigualdade socioeconômica é um desses aspectos? Sim. Mas, não é
o único. Temos que falar de tráfico de drogas, de armas, de pessoas, de fauna e
flora, de pedras e minerais, de formação de milícias, enfim. Sem ir ao cerne de
tudo o que é apelo ao crime, não se faz política de segurança pública. Nem aqui,
nem em lugar nenhum!
Estamos falando de uma espiral de
situações por onde correm verdadeiras fortunas. Portanto, a desigualdade socioeconômica
entra nesse jogo porque ela é cooptada pelos atrativos econômicos. Não se pode
negar que o crime acaba por exercer um papel de recuperação da autoestima, um pseudopassaporte
de pertencimento social, de visibilidade, de importância. Em todos os aspectos
que o Estado brasileiro peca, no sentido da negligência, da invisibilização, do
desamparo cidadão, a criminalidade surge, então, como resposta.
De modo que, ano após ano, o que
se vê são facções criminosas cada vez mais organizadas e fortalecidas. Tanto
que o número do encarceramento não para de crescer. A criminalidade acompanha a evolução da
sociedade, do tempo, ficando sempre muitos passos adiante da capacidade
resolutiva do Estado. Haja vista, por exemplo, a presença constante de notícias
sobre novos golpes na praça. Sem contar, o poder capital das facções criminosas,
que lhes permite ousar, ainda mais, no sentido de persuadir de maneira incisiva
e contundente elementos institucionais do Estado.
Vamos e convenhamos, o
encarceramento dos tempos coloniais está cada vez mais inócuo no século XXI! Prisões
que amontoam dezenas por cela, que permitem todo nível de degradação humana e
indignidade, que favorecem a proliferação de doenças, que funcionam como verdadeiras
universidades do crime, dão que tipo de resposta à sociedade? Segurança?! Claro
que não! Além disso, é preciso pensar sobre o contingente humano dedicado a cuidar
do encarceramento, no país. Por quantas andam as condições de trabalho, de
remuneração, de qualificação de carcereiros, agentes penitenciários e afins? São
perguntas importantes e que merecem resposta.
Afinal, elas não param por aí. Em
se tratando de segurança pública, o modo como vêm sendo estruturadas as
secretarias estaduais e seus efetivos, por exemplo, deixa muito a desejar. É visível
a precariedade que envolvem as condições de trabalho, de remuneração, de
qualificação, tornando os trabalhadores do setor alvos fáceis tanto à cooptação
criminosa quanto à reprodução de padrões históricos, como se viam nos tempos
dos capitães do mato. O que reverbera uma beligerância de mão dupla e
extremamente letal, a qual, no frigir dos ovos, coloca a própria população em
situação de mais insegurança.
Lamento; mas, o modelo que vigora
está fracassado. Quando o cidadão espera segurança e encontra balas perdidas, crianças
e jovens sem poder ir à escola, trabalhadores impedidos de ir ao trabalho,
comerciantes amedrontados de abrir seus estabelecimentos, ... algo está errado.
Portanto, o encarceramento em massa não surtiu resultado. As drogas continuam,
por aí. As armas apreendidas amiúde. As incursões militares contra traficantes
e milicianos sem efeitos práticos. A violência explodindo em cada esquina.
Como dizem, há algo de errado que
não está certo! Vejam, as leis existem. As punições existem. O encarceramento
existe. Mas, isso não significa nada para as facções criminosas. É como se elas,
simplesmente, negassem o poder do Estado, na medida em que estabeleceram o seu
próprio poder paralelo. Elas têm plena consciência do seu poder organizacional,
estrutural e capital para fazer frente aos parâmetros que se têm como segurança
pública no país. Enquanto, tudo permanecer como está, com os esforços das unidades
federativas aquém do que deveria ser, a (in)segurança continuará prevalecendo.