Não, a
quarta-feira de cinzas não precisa ser cinza!
Por Alessandra
Leles Rocha
Embora a vida não tenha parado os
seus rodopios nos últimos quatro dias, hoje, em plena quarta-feira de cinzas,
ela não deixa outra escolha senão recobrar a consciência sobre as
responsabilidades e deveres cidadãos.
Pois é, não vai dar para se
esconder debaixo das alegorias e adereços. Não vai dar para justificar a inação,
mostrando o calendário. Hora de arregaçar as mangas, de tocar o bonde, de
seguir o baile. Hora de enfrentar a
realidade como ela é.
Afinal, para que venha um outro
carnaval, os desafios serão muitos. Os eventos extremos do clima. A Dengue e
outras ameaças epidêmicas. As guerras que teimam em continuar. As incertezas na
economia global. ... Questões que, embora não sejam exclusivamente da nossa
inteira responsabilidade, nos envolvem sim, diretamente.
Daí a necessidade de prestar
atenção, de abrir os olhos e os ouvidos sobre o que acontece ao nosso redor. Porque
a vida conecta tudo com tudo. Nada passa despercebido à nossa própria existência.
Somos regidos, o tempo todo, por forças conjunturais bastante provocadoras e
sobre as quais não temos, na maioria das vezes, controle algum.
Estamos sempre sentindo a batida
das asas da borboleta que não vemos. O que significa que, na verdade, não há
espaço para desatenções, displicências, negligências, descuidos ou indiferenças.
365 ou 366 dias, não importa, isso é tempo suficiente para virar e revirar a
nossa vida do avesso, para traçar outras perspectivas para a nossa existência.
É por essas e por outras, que
quatro dias de folia não significam que o cotidiano esteve suspenso no ar,
totalmente imóvel. Os segundos continuaram passando freneticamente no relógio,
desencadeando acontecimentos diversos, aqui, ali e acolá. Confetes,
serpentinas, lantejoulas e purpurinas não são pó de pirlimpimpim, como se quer tanto
acreditar.
Aliás, apesar dos pesares, mesmo
com todos os altos e baixos, a vida não precisa necessariamente de recortes
temporais para ser divertida, alegre e feliz. Viver tem a sua graça! Tem o seu senso de humor!
Não é toda hora, nem todo dia;
mas, observando com disposição, a gente descobre muita coisa interessante. Soluções
inusitadas. Caminhos novos. Personagens divertidos. Fragmentos de profunda paz.
Pitadas de ousadia. Palavras surpreendentes. ...
E tudo sem tirar o pé do chão. Sem
desviar o olhar do agora. Sem anestesiar os sentidos. Apenas sendo. Não, tomado
por um sentido de completude, de autossuficiência; mas, sendo na busca de
entender quem se é, o que pretende, o que gosta, o que é importante, o que é
necessário. Olhando verdadeiramente para si mesmo, no mais profundo da alma e
da (in)consciência.
Como se nos despíssemos de todas
as camadas. Sim, porque com o passar do tempo elas pesam e se tornam
desnecessárias, inúteis, um verdadeiro peso morto, o qual é preciso desapegar
para seguir em frente. Mas, para isso, é fundamental estar conectado à
realidade e não, às idealizações.
Talvez, por isso, tantos não
gostem da quarta-feira de cinzas. Afinal, ela nos confronta com essa proposta, o
que para muitos soa desconfortável, indigesta, difícil. Lidar com as verdades
ao invés das pós-verdades, nos coloca no papel que temos que ocupar, ainda que
seja na contemporaneidade. Ser quem somos. Pensar com a própria cabeça. Tomar decisões
raciocinadas. Agir conscientemente. Protagonizando as próprias responsabilidades.
Acontece que isso é inevitável! Chega
na quarta-feira de cinzas ou pode chegar em qualquer outro dia. Ninguém muda o
fato de que a vida é tarefa pessoal e intransferível. O que você tiver que
experenciar não poderá ser colocado na conta do outro. É assim que funciona,
que sempre funcionou.
Portanto, celebre esse dia, celebre
essa quarta-feira de cinzas. Ressignifique seus pontos de vista, suas crenças,
seus valores, seus princípios. Inclusive, independentemente da sua fé, a
Campanha da Fraternidade 1 deste
ano pode ser um estímulo para esse movimento, no sentido de repensar as
relações humanas, a superação da cultura da indiferença, da insensibilidade, do
desrespeito e da violência para com o outro. A fim de construir um sentido
verdadeiro de responsabilidade social.
Relembrando a personagem Benjamin
Button, do filme O Curioso Caso de Benjamin Button (2008), “Para as
coisas importantes, nunca é tarde demais, ou no meu caso, muito cedo, para
sermos quem queremos. Não há um limite de tempo, comece quando quiser. Você
pode mudar ou não. Não há regras. Podemos fazer o melhor ou o pior. Espero que
você faça o melhor. Espero que veja as coisas que a assustam. Espero que sinta
coisas que nunca sentiu antes. Espero que conheça pessoas com diferentes
opiniões. Espero que viva uma vida da qual se orgulhe. Se você achar que não
tem, espero que tenha a força para começar novamente”.
1 Campanha da Fraternidade 2024 - https://www.cnbb.org.br/campanha-da-fraternidade-2024-introducao-geral-parte-1/