quarta-feira, 14 de fevereiro de 2024

Não, a quarta-feira de cinzas não precisa ser cinza!


Não, a quarta-feira de cinzas não precisa ser cinza!

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Embora a vida não tenha parado os seus rodopios nos últimos quatro dias, hoje, em plena quarta-feira de cinzas, ela não deixa outra escolha senão recobrar a consciência sobre as responsabilidades e deveres cidadãos.

Pois é, não vai dar para se esconder debaixo das alegorias e adereços. Não vai dar para justificar a inação, mostrando o calendário. Hora de arregaçar as mangas, de tocar o bonde, de seguir o baile.  Hora de enfrentar a realidade como ela é.

Afinal, para que venha um outro carnaval, os desafios serão muitos. Os eventos extremos do clima. A Dengue e outras ameaças epidêmicas. As guerras que teimam em continuar. As incertezas na economia global. ... Questões que, embora não sejam exclusivamente da nossa inteira responsabilidade, nos envolvem sim, diretamente.

Daí a necessidade de prestar atenção, de abrir os olhos e os ouvidos sobre o que acontece ao nosso redor. Porque a vida conecta tudo com tudo. Nada passa despercebido à nossa própria existência. Somos regidos, o tempo todo, por forças conjunturais bastante provocadoras e sobre as quais não temos, na maioria das vezes, controle algum.

Estamos sempre sentindo a batida das asas da borboleta que não vemos. O que significa que, na verdade, não há espaço para desatenções, displicências, negligências, descuidos ou indiferenças. 365 ou 366 dias, não importa, isso é tempo suficiente para virar e revirar a nossa vida do avesso, para traçar outras perspectivas para a nossa existência.

É por essas e por outras, que quatro dias de folia não significam que o cotidiano esteve suspenso no ar, totalmente imóvel. Os segundos continuaram passando freneticamente no relógio, desencadeando acontecimentos diversos, aqui, ali e acolá. Confetes, serpentinas, lantejoulas e purpurinas não são pó de pirlimpimpim, como se quer tanto acreditar.  

Aliás, apesar dos pesares, mesmo com todos os altos e baixos, a vida não precisa necessariamente de recortes temporais para ser divertida, alegre e feliz. Viver tem a sua graça!  Tem o seu senso de humor!

Não é toda hora, nem todo dia; mas, observando com disposição, a gente descobre muita coisa interessante. Soluções inusitadas. Caminhos novos. Personagens divertidos. Fragmentos de profunda paz. Pitadas de ousadia. Palavras surpreendentes. ...

E tudo sem tirar o pé do chão. Sem desviar o olhar do agora. Sem anestesiar os sentidos. Apenas sendo. Não, tomado por um sentido de completude, de autossuficiência; mas, sendo na busca de entender quem se é, o que pretende, o que gosta, o que é importante, o que é necessário. Olhando verdadeiramente para si mesmo, no mais profundo da alma e da (in)consciência.   

Como se nos despíssemos de todas as camadas. Sim, porque com o passar do tempo elas pesam e se tornam desnecessárias, inúteis, um verdadeiro peso morto, o qual é preciso desapegar para seguir em frente. Mas, para isso, é fundamental estar conectado à realidade e não, às idealizações.

Talvez, por isso, tantos não gostem da quarta-feira de cinzas. Afinal, ela nos confronta com essa proposta, o que para muitos soa desconfortável, indigesta, difícil. Lidar com as verdades ao invés das pós-verdades, nos coloca no papel que temos que ocupar, ainda que seja na contemporaneidade. Ser quem somos. Pensar com a própria cabeça. Tomar decisões raciocinadas. Agir conscientemente. Protagonizando as próprias responsabilidades.

Acontece que isso é inevitável! Chega na quarta-feira de cinzas ou pode chegar em qualquer outro dia. Ninguém muda o fato de que a vida é tarefa pessoal e intransferível. O que você tiver que experenciar não poderá ser colocado na conta do outro. É assim que funciona, que sempre funcionou.

Portanto, celebre esse dia, celebre essa quarta-feira de cinzas. Ressignifique seus pontos de vista, suas crenças, seus valores, seus princípios. Inclusive, independentemente da sua fé, a Campanha da Fraternidade 1 deste ano pode ser um estímulo para esse movimento, no sentido de repensar as relações humanas, a superação da cultura da indiferença, da insensibilidade, do desrespeito e da violência para com o outro. A fim de construir um sentido verdadeiro de responsabilidade social.

Relembrando a personagem Benjamin Button, do filme O Curioso Caso de Benjamin Button (2008), “Para as coisas importantes, nunca é tarde demais, ou no meu caso, muito cedo, para sermos quem queremos. Não há um limite de tempo, comece quando quiser. Você pode mudar ou não. Não há regras. Podemos fazer o melhor ou o pior. Espero que você faça o melhor. Espero que veja as coisas que a assustam. Espero que sinta coisas que nunca sentiu antes. Espero que conheça pessoas com diferentes opiniões. Espero que viva uma vida da qual se orgulhe. Se você achar que não tem, espero que tenha a força para começar novamente”.