Pare. Pense.
Reflita. O seu futuro depende disso.
Por Alessandra
Leles Rocha
No final de novembro deste ano, a
matéria intitulada “Presidente do BID: ‘Sem planeta, não adianta retorno
financeiro. É preciso investir onde o mercado não vai” 1,
me trouxe tantas reflexões que precisei de alguns dias para decantá-las e poder
escrever a respeito.
Na verdade, o artigo não trata só
de economia, ou só de sustentabilidade ambiental, ou só de desenvolvimento. Por
trás desses pilares, encontra-se uma verdade indigesta, para muitos, que diz
respeito à iminente transformação que se impõe ao modelo capitalista vigente.
Lamento; mas, tal modelo não se
permitiu acompanhar a dinâmica da realidade global. O mundo do século XXI não é,
nem de longe, o mesmo da segunda metade do século XVIII, quando a Revolução
Industrial iniciou suas atividades e apresentou ao mundo esse modelo econômico,
para a alegria das elites emergentes, proprietárias dos meios de produção.
Acontece que, passados quase três
séculos, o capitalismo evidencia o seu fracasso diante do desalinhamento às
conjunturas que vigoram no mundo. Haja vista que a luta pela liberdade e pelos
direitos individuais, por exemplo, é algo que pertence a alguns e não, ao
coletivo social.
Tanto que se tem presenciado a
expansão, cada vez mais exacerbada, do autoritarismo, da beligerância, dos preconceitos,
contra as chamadas minorias sociais. Algo que, também, reflete sobre a
igualdade perante a lei. Que igualdade é essa, quando uma gigantesca parcela da
população mal consegue ter acesso às leis?
O que torna melhor nem comentar
sobre a proteção da propriedade privada e a existência do livre comércio,
considerando que essas são questões voltadas a atender aos interesses do grande
capital. Afinal, é ele que garante a sobrevivência nos campos do capitalismo
selvagem!
Daí a razão desse modelo lutar
tanto contra o intervencionismo estatal. Ele não quer ingerências, controles, de
nenhuma natureza, sobre as decisões econômicas que o beneficia em detrimento da
imensa maioria da população. Não é á toa que a ultradireita tenha se apropriado
desses discursos para recobrar o seu espaço no cenário político mundial.
Porém, tanta luta, tanto esforço,
... e os resultados teimando em apontar para o seguinte quadro: um passo para
frente e dez para trás. Pois é, o capitalismo perdeu a força! Não é mais o
mesmo, de três séculos atrás! Perdeu a capacidade de se moldar e se ajustar a
uma avalanche de transformações socioeconômicas e ambientais, que se impuseram
à revelia de negociar ou de dialogar com quem quer que seja.
Diante de tantos avanços científicos
e tecnológicos, a sociedade programada para consumir não encontra mais fôlego
para cumprir seu papel. Milhões de novidades, de hoje, serão adquiridas com
atraso de meses, ou anos, porque o acirramento das desigualdades
socioeconômicas tem conduzido a um movimento de empobrecimento global que obstaculiza
o consumo; sobretudo, de produtos supérfluos.
Além disso, há de se considerar a
presença de guerras, conflitos, eventos extremos do clima, que tem produzido deslocamentos
humanos forçados, os quais afetam grave e diretamente a realidade socioeconômica
de milhares de pessoas. O que as torna impossibilitadas de movimentar as engrenagens
do capitalismo, como já fizeram em condições bem mais favoráveis.
Sem contar que, dentro desse mesmo
contexto, a presença de guerras, conflitos e eventos extremos do clima tem
impactado a própria dinâmica de bens, produtos e serviços, dada a
desestabilização dos espaços geográficos.
De modo que o mundo já enfrenta a
escassez de diversos alimentos e de produtos, fazendo ampliar a incapacidade de
consumo a partir da elevação dos preços, que é incompatível a oferta dos
salários. Ora, e como todos já sabem, a pujança do capitalismo depende da
relação produção/consumo!
E analisando sob a perspectiva específica
dos eventos extremos do clima, o papel do capitalismo tem sido desastroso. Ao tentar
se sobrepor à realidade socioambiental, o modelo capitalista não se constrange
em afrontar deliberadamente as práxis sustentáveis, promovendo o acirramento da
destruição dos espaços geográficos, em todo o planeta.
Um bom exemplo disso é a manchete:
“‘Bomba’ de emissões, pior leilão de petróleo da história do Brasil tem
áreas de conflito socioambiental. Nem bem a Conferência do Clima terá acabado e
a ANP soltará blocos para exploração perto de áreas de conservação, corais,
Terras Indígenas e quilombolas” 2.
É o capitalismo em seu estado bruto! Que não enxerga, ou não se permite
enxergar, que para toda ação há uma reação diretamente proporcional.
Por sorte, essa é a carta na
manga da humanidade! Ainda que ela própria, talvez, nem tenha consciência disso!
Pois é, as consequências que tecem as conjunturas e traçam os limites, independentemente
do que escolhem, aceitam, desejam ou querem, uns e outros por aí. E essas consequências
vêm trazendo efeitos colaterais, cada vez mais, difíceis de lidar. O que
explica a exacerbação da judicialização do cotidiano.
Grande parte dos processos que se
avolumam sobre as mesas do Judiciário são reflexos do fracasso capitalista. Pedidos
de indenização. Ressarcimentos por razões de natureza diversa. Incongruências
entre as práxis, os interesses e as legislações. Atendimentos de urgência na
área de saúde. Amparo em decorrência de doenças raras. ... Questões que estão imersas
em camadas de efeitos nefastos do capitalismo vigente.
Portanto, não basta apenas que as transformações contemporâneas lancem luz sobre essas discussões. Precisamos nomear corretamente os acontecimentos, os fenômenos, os processos, para tornar mais clara a compreensão da grande massa a respeito do que afeta direta e cotidianamente a sua vida. Afinal, antes que o capitalismo em si entre totalmente em colapso, a tendência natural é que, se nada for feito a respeito, ele tenha conseguido deflagrar o colapso do planeta e da própria raça humana.