Uma
questão de perspectiva
Por Alessandra
Leles Rocha
Muitos podem até, chamar de fim
do mundo; mas, eu chamo de transformação. Tenho que concordar que o processo em
si, da mais profunda metamorfose, não tem nada de muito bonito. No entanto,
também, não posso desconsiderar que é preciso virar e revirar do direito e do
avesso para, finalmente, se chegar a um equilíbrio que se conheça como novo.
Isso explica, pelo menos em
parte, os embates, um tanto quanto belicosos, que têm ocorrido no mundo, a
partir dos mais diferentes contextos. A vida parece em ebulição. O ser humano parece
em ebulição. Tudo está à flor da pele, porque, na verdade, tem que estar. Afinal de contas, não há mudança sem a
agitação da energia. E o que é o mundo senão energia?
De fato, nada disso é tarefa
fácil de compreender, de digerir! A inquietude perturba, incomoda, aflige. De repente,
somos retirados das zonas de conforto e, quase sempre, esse processo não chega
sem dor, sem cansaço, sem qualquer sinal de desequilíbrio. E esse é o ponto da
reflexão. Dado esse cenário é que uma gigantesca torrente humana opta por
resistir, por lutar com unhas e dentes contra as transformações. Entretanto,
isso é inútil!
Conjunturas acima de nós, acima
da nossa compreensão, se impõem à revelia de nossas vontades e quereres. A maioria
de nós, quando se dá conta, percebe que está sendo arrastada por uma onda de
transformações, as quais ultrapassam o seu próprio movimento natural. Somos empurrados,
envolvidos, mergulhados, nesse mar de acontecimentos que se deslocam com a
mesma fúria de uma avalanche sobre nossas cabeças.
O curioso é observar como paira o
medo, o temor, das pessoas em relação a esse processo que, contrariando às
expectativas, é tão natural à própria vida. Ora, nascemos, crescemos,
envelhecemos e morremos. O ciclo da vida é pura transformação. Por dentro. Por fora.
Corpo. Mente. Espírito. Não há escolha. Não há opção. Não há como impedir que a
biologia da existência se cumpra. E se isso acontece na perspectiva individual,
o que se pode dizer, então, quanto à perspectiva do todo, do coletivo humano? Pois
é ...
Ainda que, dessa perspectiva
maior, muitos ciclos venham a se repetir, a ideia fundamental é que haja sempre
a presença de novos traços, novas cores, novas intenções, novas metas, novos
personagens, enfim... Bem, já sabemos que “Na natureza, nada se cria, nada
se perde, tudo se transforma” (Lei de Lavoisier). Animais. Gente. Objetos. Espaços.
Geografias. Tudo. Simplesmente, porque há uma tendência de desgaste, de insuficiência,
de desajuste, de insatisfação, ... Sem isso, o novo, que tanto nos atrai e
fascina, jamais existiria.
Sem contar que cada ciclo é a
promessa do amadurecimento. Da descoberta de novas facetas. Da lapidação de
habilidades, de talentos, de competências. Ele lança um olhar profundo sobre
coisas que, talvez, passariam despercebidas sem a presença de um estímulo
diferente. Coisas de um processo metamórfico que desnuda as entranhas de cada
um de nós, de cada realidade, do mundo, como se dissecasse cada camada material
e etérea.
Razão pela qual as metamorfoses
acontecem ladeira abaixo! Não há como impedir. Não há como controlar. Elas escorrem
entre os dedos, obstinadas em alcançar o seu propósito final. Em 1989, uma
fantástica professora de Língua Portuguesa deixou a seguinte mensagem de fim de
ano no meu caderno: “Uma nuvem não sabe porque se move em tal direção. Sente
um impulso... É para este lugar que devo ir agora. Mas o céu sabe os motivos e
desenhos por trás de todas as nuvens, e você também saberá, quando se erguer o
suficiente para ver além dos horizontes” (Richard Bach).
Passado tanto tempo, agora, consigo
perceber que ela falava de ciclos, de transformações, de metamorfoses. Afinal, é
preciso dar vazão ao crescimento, ao desenvolvimento, à evolução, para se
conseguir ver além dos horizontes e compreender os movimentos que regem e
cortam os caminhos. As metamorfoses pedem o desapego, a confiança, a entrega,
para cumprirem, de fato, a sua sina e nos revelar o novo, sob as mais
diferentes formas e conteúdos. Pois elas
jamais irão se curvar às nossas idealizações. Elas têm vontade própria,
autonomia e autoralidade, para agir sobre a vida, sobre nós, sobre o mundo.
Então, depois de tanto falar em mudança, transformação, metamorfose, não poderia deixar de compartilhar uma citação de Franz Kafka, bastante oportuna. Segundo ele, “É bom quando nossa consciência sofre grandes ferimentos, pois isso a torna mais sensível a cada estímulo” (A metamorfose, 1915). O que nos faz crer que devemos estar sempre preparados (as); pois, “Quando a gente acha que tem todas as respostas, vem a vida e muda todas as perguntas” (Luis Fernando Veríssimo).