Cada um
no seu quadrado
Por
Alessandra Leles Rocha
Afinal, somos ou não uma
República Presidencialista? Desculpe-me, mas a pergunta faz total sentido,
quando olhamos atentos para a sanha fisiológica que comanda, uma boa parcela,
do Congresso Nacional.
Desde que surgiu dentro do
Legislativo federal o tal orçamento secreto, que consistia “no uso ampliado
das emendas do relator-geral do orçamento, para efeito de inclusão de novas
despesas públicas ou programações no projeto de lei orçamentária anual da União”
1 , tem-se visto uma clara acentuação
do desvirtuamento das atribuições constitucionais, por parte do referido poder.
E ainda que essa práxis vexatória
tenha sido considerada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF), de
certa forma, abriu-se um precedente nefasto para constantes afrontas ao Poder
Executivo, fazendo parecer, em teoria, que vivemos sob uma República
Parlamentarista.
Contrariando a premissa constitucional
de legislar e fiscalizar o Poder Executivo, uma parte bastante representativa
da Câmara dos Deputados tem se arvorado do direito de interferir na dinâmica das
atribuições do poder Executivo, através da proposição de emendas que abocanham
cada vez mais os recursos públicos e obstaculizam os projetos de governança
nacional.
Em suma, é como se esses
deputados passassem a ter em suas mãos a chave dos cofres da República para
utilizar os recursos, segundo seus próprios interesses. Veja, por exemplo, que
o “Relator do Orçamento-2024 prioriza emendas e esvazia o PAC” 2 e o “Congresso briga pelo fundo
eleitoral de 2024: R$2,5 bilhões ou 5 bilhões” 3.
De modo que a cada projeto
encaminhado pelo Executivo ao Congresso Nacional, ele é literalmente achacado
pelas exigências financeiras impostas pelo legislativo. Considerando que a
configuração do atual do Congresso não beneficia o Executivo, se estabelece,
então, um desafio a esse, no sentido de cumprir as suas plataformas de
campanha.
O que significa que a
legitimidade do governo eleito é sumariamente afrontada pelo fisiologismo
político do Legislativo, que passa a interferir, sem qualquer cerimônia, nas
atribuições constitucionais do Executivo. Justo eles, que bradam raivosamente,
aos quaro cantos, contra eventuais ingerências do Judiciário, agora, deram para
meter o bedelho no espaço do Executivo! Só Freud explica!
Mas, brincadeiras à parte, o
assunto é sério. A continuar como está, nenhum postulante ao Executivo federal
precisará perder tempo e consumir energia, prometendo mundos e fundos na campanha
eleitoral. Porque ele (a) simplesmente sabe que a sua autonomia estará cerceada
pelo fisiologismo político presente no Legislativo, ou seja, o controle dos
recursos públicos não estará nas mãos de quem de direito.
O que significa que, lentamente,
a ideia do regime presidencialista vai virando fumaça! Aliás, deveríamos ter tido
atenção a respeito desde que “o Congresso Nacional aprovou a Medida
Provisória 1.154/2023, que reestruturou os ministérios, impondo uma organização
contrária ao previsto pelo Executivo, numa clara exibição de interferência de
um Poder em outro” 4.
Entretanto, para uma imensa
parcela da população, esse movimento de ingerência não fica claro. Já incorporada
no inconsciente coletivo, a ideia da República Presidencialista se reafirma a
cada eleição, de modo que não existe questionamentos maiores em torno dos
meandros políticos que revestem essa estrutura. Na verdade, muitos sequer entendem o que
significa regime de governo, forma de governo, divisão de poderes, ... porque a
construção da identidade cidadã é muito frágil.
Assim, erros e acertos, desafios
e conquistas, de uma gestão pública, acabam inevitavelmente recaindo sobre os
ombros da figura mais emblemática do cenário político, o Presidente da
República. Os bastidores do processo, as lutas e disputas que se sucedem atrás
das cortinas, ... tudo passa, quase que, invisível, aos olhos da grande massa populacional.
Sem tempo, sem disposição, sem
conhecimento, essa gente se concentra nos resultados, naquilo que repercute de
bom ou de ruim no seu cotidiano. E é por essas e por outras, que inadvertidamente
se estabeleçam dicotomias perigosas e equivocadas no cenário
político-partidário. Vilões se transformam em heróis, heróis em vilões. Impulsionados
pela força das mídias sociais, dos recortes discursivos tendenciosos, das
manipulações alienantes, enfim.
Daí a necessidade em não nos
esquecermos de que “Os lugares mais sombrios do inferno estão reservados
para aqueles que permanecem em silêncio em tempos de crise”; afinal, “As
decisões do nosso passado são os arquitetos do nosso presente” (Dan Brown –
Inferno, 2013). Porque se qualquer ser humano erra por atos, também, erra por
omissões. O que significa que silêncios, indiferenças, negligências, não
conduzem aos caminhos de quaisquer absolvições éticas e morais.