sábado, 9 de dezembro de 2023

Cada um no seu quadrado


Cada um no seu quadrado

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Afinal, somos ou não uma República Presidencialista? Desculpe-me, mas a pergunta faz total sentido, quando olhamos atentos para a sanha fisiológica que comanda, uma boa parcela, do Congresso Nacional.

Desde que surgiu dentro do Legislativo federal o tal orçamento secreto, que consistia “no uso ampliado das emendas do relator-geral do orçamento, para efeito de inclusão de novas despesas públicas ou programações no projeto de lei orçamentária anual da União” 1 , tem-se visto uma clara acentuação do desvirtuamento das atribuições constitucionais, por parte do referido poder.

E ainda que essa práxis vexatória tenha sido considerada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF), de certa forma, abriu-se um precedente nefasto para constantes afrontas ao Poder Executivo, fazendo parecer, em teoria, que vivemos sob uma República Parlamentarista.

Contrariando a premissa constitucional de legislar e fiscalizar o Poder Executivo, uma parte bastante representativa da Câmara dos Deputados tem se arvorado do direito de interferir na dinâmica das atribuições do poder Executivo, através da proposição de emendas que abocanham cada vez mais os recursos públicos e obstaculizam os projetos de governança nacional.

Em suma, é como se esses deputados passassem a ter em suas mãos a chave dos cofres da República para utilizar os recursos, segundo seus próprios interesses. Veja, por exemplo, que o “Relator do Orçamento-2024 prioriza emendas e esvazia o PAC” 2 e o “Congresso briga pelo fundo eleitoral de 2024: R$2,5 bilhões ou 5 bilhões” 3.

De modo que a cada projeto encaminhado pelo Executivo ao Congresso Nacional, ele é literalmente achacado pelas exigências financeiras impostas pelo legislativo. Considerando que a configuração do atual do Congresso não beneficia o Executivo, se estabelece, então, um desafio a esse, no sentido de cumprir as suas plataformas de campanha.

O que significa que a legitimidade do governo eleito é sumariamente afrontada pelo fisiologismo político do Legislativo, que passa a interferir, sem qualquer cerimônia, nas atribuições constitucionais do Executivo. Justo eles, que bradam raivosamente, aos quaro cantos, contra eventuais ingerências do Judiciário, agora, deram para meter o bedelho no espaço do Executivo! Só Freud explica!

Mas, brincadeiras à parte, o assunto é sério. A continuar como está, nenhum postulante ao Executivo federal precisará perder tempo e consumir energia, prometendo mundos e fundos na campanha eleitoral. Porque ele (a) simplesmente sabe que a sua autonomia estará cerceada pelo fisiologismo político presente no Legislativo, ou seja, o controle dos recursos públicos não estará nas mãos de quem de direito.

O que significa que, lentamente, a ideia do regime presidencialista vai virando fumaça! Aliás, deveríamos ter tido atenção a respeito desde que “o Congresso Nacional aprovou a Medida Provisória 1.154/2023, que reestruturou os ministérios, impondo uma organização contrária ao previsto pelo Executivo, numa clara exibição de interferência de um Poder em outro” 4.

Entretanto, para uma imensa parcela da população, esse movimento de ingerência não fica claro. Já incorporada no inconsciente coletivo, a ideia da República Presidencialista se reafirma a cada eleição, de modo que não existe questionamentos maiores em torno dos meandros políticos que revestem essa estrutura.  Na verdade, muitos sequer entendem o que significa regime de governo, forma de governo, divisão de poderes, ... porque a construção da identidade cidadã é muito frágil.

Assim, erros e acertos, desafios e conquistas, de uma gestão pública, acabam inevitavelmente recaindo sobre os ombros da figura mais emblemática do cenário político, o Presidente da República. Os bastidores do processo, as lutas e disputas que se sucedem atrás das cortinas, ... tudo passa, quase que, invisível, aos olhos da grande massa populacional.

Sem tempo, sem disposição, sem conhecimento, essa gente se concentra nos resultados, naquilo que repercute de bom ou de ruim no seu cotidiano. E é por essas e por outras, que inadvertidamente se estabeleçam dicotomias perigosas e equivocadas no cenário político-partidário. Vilões se transformam em heróis, heróis em vilões. Impulsionados pela força das mídias sociais, dos recortes discursivos tendenciosos, das manipulações alienantes, enfim.

Daí a necessidade em não nos esquecermos de que “Os lugares mais sombrios do inferno estão reservados para aqueles que permanecem em silêncio em tempos de crise”; afinal, “As decisões do nosso passado são os arquitetos do nosso presente” (Dan Brown – Inferno, 2013). Porque se qualquer ser humano erra por atos, também, erra por omissões. O que significa que silêncios, indiferenças, negligências, não conduzem aos caminhos de quaisquer absolvições éticas e morais.