segunda-feira, 17 de abril de 2023

Democracia. Guerras. Globalização. Pare, pense e reflita!


Democracia. Guerras. Globalização. Pare, pense e reflita!

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Já está mais do que historicamente provado que as guerras não contribuem para o desenvolvimento e o progresso, nem tampouco, para a manutenção do processo civilizatório. Contudo, elas estão aí! Em maior ou em menor escala. Ampliando as tensões, cronificando as mazelas, erguendo muros, enviesando relações. O que leva a crer que os seres humanos não são mesmo gente de paz!

Infelizmente, observando com bastante atenção aos acontecimentos, internos e externos, tendo a me convencer cada vez mais a esse respeito. Basta ver como a defesa de certos valores e princípios, quando vista bem de perto, se mostra extremante frágil e vulnerável, como no caso, por exemplo, da Democracia.

Tem sido necessária uma expansão profundamente significativa do extremismo, do radicalismo, do autoritarismo, em diferentes direções e sentidos, fazendo emergir expressões dissimuladas da Democracia, para que a humanidade se despertasse e entendesse que o ideário democrático estava sob ameaça no mundo. O que nos leva a perceber que a sua importância não era absoluta. Afinal, aquilo que realmente importa é mantido como prioridade, sob atenção e vigilância constante.

Aí você descobre que não foi bem assim, que a história veio se escrevendo. Sob excesso de confianças tecnocientíficas, bélicas, estratégicas e capitais, a geopolítica dos países dominantes se permitiu relaxar em relação a certos assuntos, como se suas zonas de conforto estivessem verdadeiramente asseguradas, distantes de quaisquer iminências de risco. A altivez, o orgulho, a vaidade, foi o que lhes cegou a tal ponto que perderam o discernimento crítico e analítico quanto às filigranas dos acontecimentos.

Um bom exemplo desse processo foi a invasão e anexação da Crimeia e Sevastopol à Federação Russa, em 2014. Ultrapassando todos os limites da Diplomacia Internacional, esse episódio pode ser considerado um ensaio, muito bem-sucedido, pelo governo russo nas suas pretensões expansionistas e antidemocráticas. Se naquela ocasião tivesse existido o mesmo sentimento de resistência pelos ucranianos e um apoio maciço de outros países, como vêm acontecendo desde 2022, o curso da história teria sido outro.

No entanto, a tendência de aguardar o arrefecimento espontâneo dos conflitos é um prato cheio para fomentar o extremismo e o radicalismo de quem vive da beligerância. Abre-se um precedente importante para o arraigamento das partes, diante de certas posições, deixando cada vez mais clara a inexistência de espaços para a construção dialógica diplomática. Quanto mais se espera, mais se torna o horizonte de uma solução, rápida e efetiva, distante.

Daí esses cenários serem capazes de demonstrar, por exemplo, como não há um senso democrático comum para o mundo; mas, que coloca a Democracia sob diversas interferências de interesses pessoais de cada nação. Como se a Democracia pudesse ter milhares de identidades a partir da perspectiva de cada um dos atores envolvidos. Acontece que Democracia é Democracia. Ou ela existe inteira, plena, completa, ou não existe. Do mesmo modo que não dá para dizer que apoia uma guerra e não apoia outra. Que uma guerra é justa e outra não.

Talvez, isso explique porque “Uma das grandes ironias de como as democracias morrem é que a própria defesa da democracia é muitas vezes usada como pretexto para a sua subversão. Aspirantes a autocratas costumam criar crises econômicas, desastres naturais e, sobretudo, ameaças à segurança – guerras, insurreições armadas ou ataques terroristas – para justificar medidas antidemocráticas”1 (Steven Levitsky).

Naquela velha máxima do “faça o que eu falo, mas não faça o que eu faço” acaba, então, se construindo caminhos para uma manipulação de sentido, a qual tende a formular imagens que favorecem ou não às adesões de apoio. Especialmente, em razão do fato de que o mundo ainda resiste aos velhos padrões de dominação geopolítica, que interferem na autonomia das relações. Tratam-se de questões que ultrapassam históricas cordialidades diplomáticas, para se definirem, muitas vezes, como expressões de dependência econômica e comercial.

Assim, tanto a Democracia quanto à guerra acaba se equilibrando em um eterno “pisar em ovos”, o qual faz perder totalmente a capacidade resolutiva em torno da convivência e da coexistência pacífica global. Ora, em razão de as relações sociais, políticas e econômicas serem arbitrariamente elevadas à uma relativização absurda, por certos vetores do processo, a perda se intensifica.  

No entanto, não se engane que a situação para por aí. Sem que você perceba, há algo importantíssimo presente nos movimentos dessa erosão bélica e democrática que é a flagrante ameaça à globalização.  Afinal, quando se flexibiliza demais o que é ou não prioridade, quando se abstém da vigilância e da atenção sobre as dinâmicas vigentes no mundo, o ideário de integração global se esfacela.

O que significa que o aumento do consumo, o maior volume de informações, o desenvolvimento tecnocientífico, a redução dos direitos trabalhistas, o aumento da concorrência entre países e empresas e a massificação cultural, por exemplo, tendem a se perder.  Pois ao contrário de constituir e aperfeiçoar uma rede de conexões, passa a se consolidar um processo de hegemonização, com vistas a concentrar o desenvolvimento e o progresso nas mãos de um único centro de poder.



1 LEVITSKY, S.; ZIBLATT, D. Como as democracias morrem. Rio de Janeiro: Zahar, 2018. 272p. 

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