Sob
o ponto de vista da ignorância...
Por
Alessandra Leles Rocha
Ao contrário do que podem pensar,
penso eu que o comportamento da direita brasileira e seus matizes é demasiadamente
reveladora em relação ao quão explícita se faz a dimensão de sua ignorância intelectual.
Daqui e dali os exemplos se proliferam, demonstrando o quanto fazem questão de
enaltecer todo o seu desprezo pelo conhecimento adquirido nos ambientes de
ensino ou no próprio curso cotidiano da vida.
A princípio pensei que era somente
uma impressão da minha parte, mas com o tempo e, sobretudo, nos últimos 4 anos,
entendi que não. Que era assim mesmo, dada a fragilidade e a inconsistência
argumentativa que envolve esses grupos da sociedade. A facilidade com que transformam a chamada “filosofia de botequim”, disseminada aos
milhares pela velocidade meteórica das redes sociais, em senso comum e
plataforma de doutrinação a ser seguida é realmente inacreditável.
Talvez, venha daí a sua arrogância
em se considerarem mais espertos, mais descolados, quando sem grande esforço analítico,
crítico e/ou reflexivo, eles se curvam à obediência de uma construção ideológica
chegada pela cabeça de terceiros (vozes do além), os quais, muitas vezes, nem
conhecem ou sabem quem são. Aliás, o não pensar com a própria cabeça é só a
ponta do iceberg, porque, na verdade,
eles estão incrustados a uma zona de conforto sociotemporal que exala o mais
puro conservadorismo saudosista.
Diante disso, eis que me veio a
lembrança, ainda dos tempos de ensino fundamental e médio, quando boa parte dos
meus colegas praguejava sem cerimônias em relação ao estudo das disciplinas de
Humanas, especialmente, a Geografia e a História. Eu ficava por entender, na
medida em que, ao contrário dos tempos de escola dos meus avós e dos meus pais,
em que se pregava “decorar os pontos”
para poder responder as questões de prova, a contemporaneidade trouxe uma nova
concepção de ensino-aprendizagem, em que a expressão decorrente do entendimento
do aluno a respeito do assunto é que deveria prevalecer.
Mas, aí entra o x da questão. Ler.
Entender. Dissecar o assunto. Construir um conhecimento. Isso dá trabalho. Isso
exige tempo. Ainda que a “decoreba”
tenha efeito instantâneo e suma sem deixar vestígios depois da prova, tudo
estava ali, “mastigadinho” pelo autor
do livro, palavra por palavra, não demandava esforço ... o esforço de pensar,
de raciocinar.
Portanto, estudava-se para passar
de ano, para ter boas notas, para receber prêmios, para se destacar na turma; como
descreve a música de Gabriel, O Pensador,
“Estudo errado”, de 1995 1“.
Infelizmente, a Educação brasileira não desenvolveu o compromisso com a consciência de
um aprendizado para apreender e sedimentar satisfatoriamente os assuntos a fim
de que esse processo pudesse se traduzir em aprendizado, ou seja, o aluno construindo
os seus próprios conhecimentos, os seus próprios pontos de vista.
O que no caso específico das
disciplinas de Humanas, que dependem essencialmente do estabelecimento de uma
correlação entre o “ser estudante”
com o “ser cidadão”, é impossível cogitar
a possibilidade de uma dissociação da prática de ensino com as bases
construtivas de aprendizado, fazendo perpetuar certa infelicidade por parte
significativa de muitos alunos.
O mais interessante é que essa consciência
ajuda a encontrar certas bases para a perpetuação dessa ideologia da direita. Tanto
que é pública e notória a diversidade etária que constitui esses grupos no
país, apesar de o recorte de tempo ao qual eles se permitem apegar, um viés de
aproximadamente 6 décadas, ou seja, algo em torno de 1960. Chega a causar
perplexidade seus discursos e narrativas por conta do transbordamento de um saudosismo
eufórico que destoa completamente da realidade contemporânea.
Ora, como bem explica a Pesquisa
Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD contínua), realizada pelo
Instituto Brasileiro de Geografia e estatística (IBGE), em 2019, “os grupos de 30 a 39 anos, correspondiam
a 15,8% da população residente. Já os grupos de 40 a 49 anos, 13,8%, 50 a 59
anos, 12,4% e 60 a 64 anos, 4,9%. A parcela de pessoas com 65 anos ou mais de
idade representava 10,8% da população” 2.
Portanto, apenas 28,1%, compreendida
na faixa de 50 até 65 anos ou mais, é que realmente tem um balizamento real para
estabelecer alguma discussão comparativa de épocas e trazer alguma contribuição
do seu juízo de valor a respeito. O restante, não tem consigo a memória ou o
registro experimental de boa parte dos acontecimentos, o que torna as suas
considerações um tanto quanto questionáveis e inconsistentes. Acontece que na
hora de despejar a verborragia, o inconsciente coletivo brasileiro funciona
como um amálgama que os une em nome de um tal “senso comum”.
É nesse ponto que se evidenciam
os prejuízos decorrentes de um processo de construção cognitiva e intelectual
permeada de equívocos e vieses altamente alienantes e conservadores. Em suma,
nada mais nada menos do que o retrato de uma Educação que não foi pensada para
formar cidadãos. Todos os valores, crenças e princípios estiveram destinados a garantir
apenas o controle e a ordem social, transformando a população naquilo que se expressa
em canções como “Admirável gado novo
(vida de gado)” 3, de 1979,
e/ou em “Admirável chip novo” 4, de 2003.
De modo que se chegou a tal ponto
que a experienciação cotidiana da realidade ficou insuficiente para a expressão
do contraditório, como se o indivíduo estivesse dominado por uma incapacidade
de análise, de crítica, de reflexão, que o faz distorcer os fatos em prejuízo a
si mesmo. Talvez, isso explique porque Immanuel Kant dizia que “O sábio pode mudar de opinião. O ignorante,
nunca”. Afinal de contas, “Nada no
mundo é mais perigoso que a ignorância sincera e a estupidez consciente”
(Martin Luther King).