domingo, 12 de junho de 2022

Sob o ponto de vista da ignorância...


Sob o ponto de vista da ignorância...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Ao contrário do que podem pensar, penso eu que o comportamento da direita brasileira e seus matizes é demasiadamente reveladora em relação ao quão explícita se faz a dimensão de sua ignorância intelectual. Daqui e dali os exemplos se proliferam, demonstrando o quanto fazem questão de enaltecer todo o seu desprezo pelo conhecimento adquirido nos ambientes de ensino ou no próprio curso cotidiano da vida.

A princípio pensei que era somente uma impressão da minha parte, mas com o tempo e, sobretudo, nos últimos 4 anos, entendi que não. Que era assim mesmo, dada a fragilidade e a inconsistência argumentativa que envolve esses grupos da sociedade.  A facilidade com que transformam a chamada “filosofia de botequim”, disseminada aos milhares pela velocidade meteórica das redes sociais, em senso comum e plataforma de doutrinação a ser seguida é realmente inacreditável.

Talvez, venha daí a sua arrogância em se considerarem mais espertos, mais descolados, quando sem grande esforço analítico, crítico e/ou reflexivo, eles se curvam à obediência de uma construção ideológica chegada pela cabeça de terceiros (vozes do além), os quais, muitas vezes, nem conhecem ou sabem quem são. Aliás, o não pensar com a própria cabeça é só a ponta do iceberg, porque, na verdade, eles estão incrustados a uma zona de conforto sociotemporal que exala o mais puro conservadorismo saudosista.

Diante disso, eis que me veio a lembrança, ainda dos tempos de ensino fundamental e médio, quando boa parte dos meus colegas praguejava sem cerimônias em relação ao estudo das disciplinas de Humanas, especialmente, a Geografia e a História. Eu ficava por entender, na medida em que, ao contrário dos tempos de escola dos meus avós e dos meus pais, em que se pregava “decorar os pontos” para poder responder as questões de prova, a contemporaneidade trouxe uma nova concepção de ensino-aprendizagem, em que a expressão decorrente do entendimento do aluno a respeito do assunto é que deveria prevalecer.  

Mas, aí entra o x da questão. Ler. Entender. Dissecar o assunto. Construir um conhecimento. Isso dá trabalho. Isso exige tempo. Ainda que a “decoreba” tenha efeito instantâneo e suma sem deixar vestígios depois da prova, tudo estava ali, “mastigadinho” pelo autor do livro, palavra por palavra, não demandava esforço ... o esforço de pensar, de raciocinar.

Portanto, estudava-se para passar de ano, para ter boas notas, para receber prêmios, para se destacar na turma; como descreve a música de Gabriel, O Pensador, “Estudo errado”, de 1995 1“. Infelizmente, a Educação brasileira não desenvolveu o compromisso com a consciência de um aprendizado para apreender e sedimentar satisfatoriamente os assuntos a fim de que esse processo pudesse se traduzir em aprendizado, ou seja, o aluno construindo os seus próprios conhecimentos, os seus próprios pontos de vista.

O que no caso específico das disciplinas de Humanas, que dependem essencialmente do estabelecimento de uma correlação entre o “ser estudante” com o “ser cidadão”, é impossível cogitar a possibilidade de uma dissociação da prática de ensino com as bases construtivas de aprendizado, fazendo perpetuar certa infelicidade por parte significativa de muitos alunos.

O mais interessante é que essa consciência ajuda a encontrar certas bases para a perpetuação dessa ideologia da direita. Tanto que é pública e notória a diversidade etária que constitui esses grupos no país, apesar de o recorte de tempo ao qual eles se permitem apegar, um viés de aproximadamente 6 décadas, ou seja, algo em torno de 1960. Chega a causar perplexidade seus discursos e narrativas por conta do transbordamento de um saudosismo eufórico que destoa completamente da realidade contemporânea.

Ora, como bem explica a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD contínua), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e estatística (IBGE), em 2019, “os grupos de 30 a 39 anos, correspondiam a 15,8% da população residente. Já os grupos de 40 a 49 anos, 13,8%, 50 a 59 anos, 12,4% e 60 a 64 anos, 4,9%. A parcela de pessoas com 65 anos ou mais de idade representava 10,8% da população” 2.

Portanto, apenas 28,1%, compreendida na faixa de 50 até 65 anos ou mais, é que realmente tem um balizamento real para estabelecer alguma discussão comparativa de épocas e trazer alguma contribuição do seu juízo de valor a respeito. O restante, não tem consigo a memória ou o registro experimental de boa parte dos acontecimentos, o que torna as suas considerações um tanto quanto questionáveis e inconsistentes. Acontece que na hora de despejar a verborragia, o inconsciente coletivo brasileiro funciona como um amálgama que os une em nome de um tal “senso comum”.

É nesse ponto que se evidenciam os prejuízos decorrentes de um processo de construção cognitiva e intelectual permeada de equívocos e vieses altamente alienantes e conservadores. Em suma, nada mais nada menos do que o retrato de uma Educação que não foi pensada para formar cidadãos. Todos os valores, crenças e princípios estiveram destinados a garantir apenas o controle e a ordem social, transformando a população naquilo que se expressa em canções como “Admirável gado novo (vida de gado)” 3, de 1979, e/ou em “Admirável chip novo” 4, de 2003.

De modo que se chegou a tal ponto que a experienciação cotidiana da realidade ficou insuficiente para a expressão do contraditório, como se o indivíduo estivesse dominado por uma incapacidade de análise, de crítica, de reflexão, que o faz distorcer os fatos em prejuízo a si mesmo. Talvez, isso explique porque Immanuel Kant dizia que “O sábio pode mudar de opinião. O ignorante, nunca”. Afinal de contas, “Nada no mundo é mais perigoso que a ignorância sincera e a estupidez consciente” (Martin Luther King).