Simplesmente amor...
Por Alessandra Leles Rocha
Lamento
pela mercantilização, que se faz na contemporaneidade, do afeto, do amor, dos
mais profundos sentimentos humanos. Mas, acho muito bacana quando o romance
exala no ar. Quando passa a fazer parte das conversas, dos interesses, dos
comportamentos, como se buscasse dentro de cada um de nós aquilo que se guarda
de mais puro, de mais belo, de mais sagrado.
Como
escreveu Zygmunt Bauman, “Em todo amor há
pelo menos dois seres, cada qual a grande incógnita na equação do outro. É isso
que faz o amor parecer um capricho do destino – aquele futuro estranho e
misterioso, impossível de ser descrito antecipadamente, que deve ser realizado
ou protelado, acelerado ou interrompido. Amar significa abrir-se ao destino, a
mais sublime de todas as condições, em que o medo se funde ao regozijo num
amálgama irreversível. Abrir-se ao destino significa, em última instância,
admitir a liberdade no ser: aquela liberdade que se incorpora no Outro, o
companheiro no amor” 1.
Talvez,
por isso, particularmente, nunca acreditei em amor idealizado. Aquele que se constrói
investindo numa busca incessante pela cara-metade, em cada esquina da vida,
tentando fazer com que ela caiba ajustadinha no seu manual de conveniências. Como
quem preenche uma ficha de seleção, com peso, altura, cor dos olhos e do
cabelo, religião, conta bancária, predileções, defeitos, qualidades,
etc.etc.etc. O que faz das relações humanas algo muito cansativo, além de fadado
ao insucesso, desmotivante e, também, acintosamente comercial.
Sem
contar que se quebra a obviedade de que nem todo vivente desse mundo vai
realmente encontrar um amor que lhe supra o corpo, a alma e os sentidos com
essa exatidão de inteireza. Como todo encontro, o amor tem um quê de sorte, de
predestinação, de brincadeira do acaso, que não cai nas armadilhas de nenhuma generalização
vulgar. Não, não é só escolha. Não é só permissão. Não é só vontade. Não é só uma
questão de procura, de investimento de esforço sobrehumano. Simplesmente
acontece ou não.
O que
não é uma razão para se entristecer. Afinal, chegamos nesse mundo sem maiores informações
quanto aos caminhos que irão se descortinar diante de nós. Vivemos. Um dia
depois do outro. Experimentamos. Tentamos. Acertamos. Erramos. Às vezes, damos
o nosso melhor. Às vezes, não. E nesse processo vamos tecendo as nossas
relações humanas, interpessoais, afetivas. Vamos conhecendo pessoas. Nos conectando
e desconectando diante das circunstâncias.
Acontece
que no curso desse processo não é possível cravar com toda certeza e convicção
que no final do arco-íris estará o amor que é amor. Porque esse amor é sim, uma
raridade. O que não quer dizer que se possa confundir raridade com perfeição. Pois,
amor é algo tão complexo, que dista muito de uma linha reta bem definida. Amor
dá voltas. Sobe. Desce. Vira. Revira. Enlouquece. Pacifica. Acalma. Desinquieta.
Orienta. Desorienta. ... Mas, o que faz dele amor, com letras garrafais e
sentido absoluto, está na materialidade de uma chama perene que aquece de bem-estar
e satisfação o coração dos amantes.
Não,
não é uma questão de apego ou de dependência. É somente sentir-se pleno de algo
que nos faz bem, que contribui de uma maneira muito positiva para a nossa construção
existencial. Que nos dá a oportunidade de enxergar através de nossos espelhos
interiores a imagem de alguém cada vez mais humanamente aprimorado. O amor nos
dá a oportunidade de viver dias de chuva e de sol, usufruindo o que há de
melhor neles. Extraindo a beleza contida em cada um, porque simplesmente se tem
alguém para compartilhar.
Pois
é, o amor foge dos protocolos sociais. Não basta estar do lado. Não basta posar
para a fotografia. Não basta viajar junto. Não basta estar. O amor pede ser.
Ser parceiro. Ser amigo. Ser companheiro. Ser paixão. Ser afeto. Ser ternura. Ser
amor. Um amor que resiste às investidas do tempo, do espaço, das conjunturas,
não por quaisquer obrigações ou imposições; mas, porque só sabe ser assim.
Daí
o fato de que amar tem tudo a ver com compartilhar. Compartilhar gostos e desagrados.
Compartilhar afinidades e aversões. Compartilhar sucessos e derrotas. Compartilhar
sonhos e pesadelos. ... Enfim, compartilhar a vida exatamente como ela é. Amando
sem pressa, sem olhar no relógio, sem medir o tempo, sem se deixar acelerar por
perspectivas e projeções. Amando como quem saboreia uma fruta colhida no pé, sentindo
cada nuance daquele prazer.
Confesso
que ao longo da minha vida (até aqui) vi alguns exemplos desse amor. Não que a
relação desses casais tivesse sido reproduzida como uma receita de bolo; mas,
apesar da singularidade e especificidade das experiências, o resultado final
era amor. Registros que transcendem quaisquer palavras ou definições; mas, que
orbitam o cotidiano em forma de olhar, de toque, de todo um conjunto de
subjetividades e imaterialidades que podem ser captadas pelos observadores mais
atentos.
Quando
penso nisso, estabeleço logo uma conexão com as seguintes palavras de Rubem
Alves, “Todo jardim começa com um sonho
de amor. Antes que qualquer árvore seja plantada ou qualquer lago seja construído,
é preciso que as árvores e os lagos tenham nascido dentro da alma. Quem não tem
jardins por dentro, não planta jardins por fora e nem passeia por eles...”.
E esse amor que eu vi nesses casais era sim, verdadeiros jardins floridos e
encantadores. Havia uma total disposição em amar. Amar sem senões. Sem obstáculos.
Quisera
a sociedade contemporânea parar para refletir a esse respeito e desconstruir o
ceticismo que teima em liquefazer as relações humanas; sobretudo, o amor. Talvez,
nos surpreenderíamos com um contingente muito maior de pessoas que realmente
compartilham essa experiência fantástica.
Por
isso, não nos esqueçamos de que “não é
ansiando por coisas prontas, completas e concluídas que o amor encontra o seu
significado, mas no estímulo a participar da gênese dessas coisas. O amor é à
fim a transcendência; não é senão outro nome para o impulso criativo e como tal
carregado de riscos, pois o fim de uma criação nunca é certo” (Zygmunt Bauman 2). Deixe, então, o amor reverberar e
aspergir suas gotas de bem-estar e felicidade por todo lugar.