terça-feira, 14 de junho de 2022

O direito e o avesso da tecitura conservadora


O direito e o avesso da tecitura conservadora

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

A notícia de que o Brasil sediou uma Conferência de Política Conservadora 1 escancara, de vez, o saudosismo colonialista brasileiro. Nada mais Colonial do que as ideias conservadoras! Afinal, nesse campo do pensamento humano concentra-se a manutenção das instituições sociais tradicionais – tradição (costumes), família e propriedade – em total discordância com o desenvolvimento inerente ao curso temporal histórico. Daí o problema! O conservadorismo prega, portanto, o impossível.

Eles querem transitar olhando sempre para trás. Em suas mentes o ontem é sempre melhor do que o hoje. E isso acontece porque esse pensamento emergiu no topo das pirâmides sociais que sempre detiveram o poder.

De modo que elas jamais cogitaram a possibilidade de abrir mão de suas regalias e privilégios; pois, isso significaria perder a materialidade da sua distinção no cenário social, onde sempre figuraram como o segmento mais importante, prioritário e decisório.

Muito bem. No entanto, observando com total atenção a história colonial brasileira, não podemos nos deixar enganar pela fragilidade das aparências. Ora, fomos Colônia de Exploração portuguesa, o que em síntese não passou de um entreposto, de bens e recursos naturais e minerais extraídos do território colonial, para benefício da Metrópole colonizadora.

No que diz respeito à população europeia que veio ocupar a Colônia, esta só dispunha da perspectiva de opulência e poder se comparada aos demais habitantes, ou seja, os indígenas e os negros escravizados, porque em relação aos metropolitanos, ela era humilhada, inferiorizada e menosprezada.

De modo que o apego ao conservadorismo aconteceu pelo viés da perspectiva interna. Eles precisavam traduzir os anseios e pensamentos da Metrópole para parecerem “iguais” a ela, ou seja, poderosos e grandes diante dos olhos de seus subordinados.

A verdade é que todo esse conservadorismo sempre visou ratificar o pensamento coletivo da sociedade, do ponto de vista a homogeneizá-lo no sentido de ser uma única via certa e apropriada aos cidadãos, pois era fruto do pensamento da elite dominante.  

Portanto, tudo que se desviasse das diretrizes conservadoras deveria ser punido e rechaçado, porque era tido como uma ameaça ao equilíbrio e à ordem social. Não é à toa, que esbarramos a todo instante em expressões do ideário eurocêntrico, no Brasil.

O que explica não só uma fúria dos conservadores em relação à diversidade, à pluralidade e às diferenças; mas, também, a uma subserviência advinda do chamado “complexo de vira-lata”, cunhado pelo escritor Nelson Rodrigues, o qual expressa “a inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo. O brasileiro é um narciso às avessas, que cospe na própria imagem. Eis a verdade: não encontramos pretextos pessoais e históricos para a autoestima”.

Isso explica não somente a sua busca constante por toda e qualquer ideia/argumento que possa justificar e/ou referendar o seu arcabouço ideológico conservador; mas, a vigilância em não perder nenhuma oportunidade de copiar o que vem de fora das suas fronteiras, como foi o caso, por exemplo, dessa Conferência citada acima.

Esse entendimento nos permite lançar um outro olhar, então, sobre a avalanche que se deu sobre o país nos últimos 4 anos, quando se pensa e se fala em desmantelamento da estrutura institucional brasileira. Educação. Cultura. Esporte. Saúde. Meio Ambiente. Economia. Cidadania.  ... Cada segmento desses foi alvejado diretamente pelo ideário conservador, na figura de membros da direita e de seus matizes.

O pior é que não se trata apenas de traduzir uma visão eurocêntrica aos assuntos; mas, de trazê-la a partir da perspectiva de um recorte temporal totalmente desconectado da realidade contemporânea. A tentativa dos conservadores em reproduzir um contexto social que não existe mais, beira as raias do constrangimento e do absurdo na medida da sua distorção e desqualificação do real.

Enquanto o Brasil insiste e persiste em se fechar na sua bolha tecida pelo conservadorismo colonial, o mundo avançou e mudou em todos os sentidos. A começar pela população. Um consenso entre os historiadores estima que em 1500, ano em que o país iniciou seu processo de colonização, havia 8 milhões de habitantes. Hoje, somos mais de 216 milhões e a contar.

O que impulsiona para que crenças, valores, princípios, tudo isso e muito mais venha sendo submetido a importantes escrutínios da história, diante da necessidade imposta pelos avanços científicos e tecnológicos, que a própria potencialidade humana construiu.

Então, de repente, o conservadorismo parece estar muito mais próximo de uma alegoria e adereço, do que um ideário consistente para caber e se ajustar à contemporaneidade. Até aqui, a insistência, a resistência e a persistência explicam didaticamente as razões pelas quais o Brasil não aluiu, um milímetro sequer, da sua identidade colonial a fim de alçar voos para o seu desenvolvimento e progresso.

Estamos sempre de pires nas mãos. Sempre no fim da fila. Sempre esperando as raspas e os restos. O mais terrível é que essa realidade parece tão encrustada no inconsciente coletivo, tão naturalizada e banalizada, que caiu em um grau de normalidade alienante.

Pois é, no fim das contas o conservadorismo só nos fez amarrar a carapuça e aceitar o título de “República de Bananas” 2; afinal de contas, somos ou não somos a imagem das monoculturas produzidas em grandes latifúndios de exportação? Somos ou não somos o país da precarização da mão de obra e dos episódios de trabalho análogo à escravidão? Somos ou não somos o país das desigualdades socioeconômicas abissais? Somos ou não somos o retrato das diversas expressões da corrupção? ... E lá se vão mais de 500 anos de história.

Sendo assim, enquanto o Brasil não fizer justiça a sua própria originalidade identitária, nunca teremos o que comemorar ou celebrar, porque estaremos sempre na condição subserviente de cópia desgastada e malfeita de uma ex-colônia que se compraz em ostentar esse título lamentável.