O
que vê o Narciso selvagem quando olha no espelho?
Por
Alessandra Leles Rocha
Talvez, tomados pelo mesmo
sentimento que o meu, em relação a um Brasil que não se constrange a viver da
repetição de erros, de equívocos e de tragédias, foi que a Legião Urbana, em
1987, deu vazão a uma pergunta que sempre esteve no inconsciente coletivo do
cidadão brasileiro ou do mundo, “Que país
é esse? ” 1.
A música que se transformou em hit e alçou voos para a atemporalidade,
soa como um presságio funesto dos tempos que temos vivenciado, especialmente, o
verso que fala sobre os nossos indígenas. Sem meias palavras, as ideias foram
apresentadas de maneira clara e objetiva, para que bons entendedores
entendessem.
O que foi muito importante, para um
país que tenta fazer sua história cair no esquecimento pela legitimação do silêncio
e da estratégia de não nomear as coisas apropriadamente. Dessa maneira é que
nesses pouco mais de 500 anos, a história do Brasil vem sendo transformada em
milhões de estórias, segundo o gosto e o interesse do momento.
Acontece que as versões podem
inebriar os sentidos momentaneamente, disfarçar os absurdos com certa
habilidade; mas, a essência dos fatos jamais desaparece. E quando menos se
espera, ela dá o ar da graça e impõe a sua presença.
Que digam os nossos povos
originários a esse respeito! O seu infortúnio não é contemporâneo. Desde 1500,
com a chegada das naus portuguesas ao nosso litoral, sempre foi assim. Perseguição.
Aculturação. Exploração. Destruição. Dizimação. Muitos acabaram vergados pelas
circunstâncias, até sucumbirem por completo. Mas, outros tantos superaram a si próprios,
na capacidade de resistir e sobreviver.
Bom para eles; mas, melhor ainda
para nós. Sem esses bravos, a história só seria escrita e contada a partir de
uma única perspectiva, a do colonizador. A presença deles foi e é a garantia do
contraditório. A possibilidade de analisar os fatos pela visão do colonizado,
do marginalizado, do invisibilizado historicamente.
O que está em jogo na sobrevivência
dos povos originários, nesse recorte contemporâneo, não é simplesmente a sua
contribuição na diversidade e pluralidade sociocultural. O que está em jogo é o
direito cidadão de inúmeras etnias. É a vida humana em todas as suas nuances. É
ser respeitado como qualquer outro cidadão brasileiro.
Ao longo de séculos eles vêm
lutando aguerridamente para desconstruir as narrativas que os apontam como
selvagens, incivilizados, impróprios para conviver com os demais. O bom é que essa
luta não foi tão inglória assim. Com o apoio do trabalho incessante e obstinado
de indigenistas e de antropólogos, se estabeleceu uma parceria extremamente
profícua na construção de uma ponte com o que é desconhecido para ambos os
lados.
Entretanto, esse nunca foi o
interesse das esferas de poder. Razão pela qual essas iniciativas passaram a
ser cada vez mais perseguidas e atacadas. Na medida em que a influência do
capital expandiu suas fronteiras sobre a dinâmica das sociedades, as relações
sociais harmônicas e pacíficas perderam completamente o seu espaço existencial.
De modo que quaisquer tentativas,
nesse sentido, se tornaram obstáculos a serem derrubados a qualquer preço. A obstinação
pela riqueza, no intuito de garantir a estabilidade de poder e controle social,
desumanizou por completo os indivíduos. A humanidade passou a defender o
capital como solução e garantia para todas as suas demandas existenciais. Mas será
mesmo?
O rolo compressor do
desenvolvimento científico e tecnológico só faz provar a cada dia a finitude
dos recursos naturais do planeta. Enquanto pensam estar dizimando os povos
originários, para invadir e pilhar seus territórios, na outra ponta da
história, a verdade é que a civilização brasileira urbanizada também o é pelas próprias
mãos. Poluição. Eventos climáticos extemos. Pobreza. Miséria. Subnutrição. Doenças.
Violências. Barbáries. ... Então, qual será “o
futuro da nação”?
Olhando para a presença de uma alteridade
enviesada, como é no brasileiro, de fato a capacidade de se colocar no lugar do
outro, de reconhecer a importância desse outro, parece realmente impossível. As
raízes eurocêntricas da nossa colonização constituíram um abismo de
desigualdades e desimportâncias profundamente tóxicas e asfixiantes.
Infelizmente, o Brasil é um verdadeiro
antro de preconceitos, de intolerâncias, de violências, porque o sentido e o
valor da vida, por aqui, foi estratificado e estabelecido em grau de importância.
Uns mais. Outros menos. Uns podem. Outros não. Uns existem. Outros não.
Como diz um certo proverbio chinês,
“Todas as flores do futuro estão contidas
nas sementes de hoje”. Uau! Direto e certeiro. Sendo assim, permitir dizimar
os povos originários, matar aquele que luta em favor de um mundo mais justo,
bom e melhor, destruir o meio ambiente, deteriorar a sociedade brasileira, é não
só abdicar do presente, mas, por consequência, do futuro.
Ou rompemos com os velhos e desgastados
paradigmas que nos guiaram até aqui ou permanecemos imóveis, estáticos,
alienados, esperando a morte chegar. Contando moedas como quem busca nelas as
garantias inexistentes de uma vida fantástica, enquanto a matança e a
exploração erguem um país árido e improdutivo, material e subjetivamente.
Pois é, “Eles conseguem dinheiro para a guerra, mas não conseguem acabar com a
pobreza” (Tupac Shakur – rapper norte-americano), não conseguem encontrar a
felicidade, não conseguem aplacar seu fastio, não conseguem encontrar o sentido
da sua própria existência. Simplesmente,
porque eles acabam derrotados pela própria ganância, pela própria cobiça, pela
própria sede de poder. Acabam dizimados, tendo o mesmo fim das mais belas
tribos.