A
Alquimia do Petróleo...
Por
Alessandra Leles Rocha
Dizem, por aí, que “quem não escuta cuidado, escuta coitado”! Lamento,
mas a situação da alta do preço dos combustíveis 1
passou sim, por uma displicência cidadã. Acostumados, desde os tempos coloniais
a ter “quem cuide dos interesses do povo”,
a população só se dá conta da situação quando os limites já foram, em muito, ultrapassados
e a iminência de risco é flagrante.
Sei que dessa vez os contornos da
situação ganharam um aspecto demasiadamente sombrio; por isso, é fundamental
estabelecer uma análise crítica e reflexiva, a qual propor a você nesse texto.
Tendo em vista a obviedade de que
a vida é sim imprevisível, portanto, não dá para considerá-la de maneira
desconectada ou dissociada dos elementos que compõem o seu cotidiano. Desde que
o Brasil passou a figurar em grau de certa importância internacional, em face
das suas jazidas petrolíferas, encantados pelos seus lucros e dividendos, as políticas
econômicas nacionais sempre estimularam o país a permanecer condicionado pelo fascínio
desse hidrocarboneto famoso, seguindo a sina riscada a partir da 2ª Revolução
Industrial, em meados do século XIX.
Inebriados pela lucratividade e
rentabilidade do setor petrolífero, gerações nasceram, cresceram e viveram,
desde então, em um país regido por algo muito maior do que simplesmente a sua dependência
em relação aos transportes e a mecanização industrial. O inconsciente coletivo brasileiro
estava totalmente condicionado a viver sob o protagonismo do petróleo.
O petróleo no asfalto que se
tornou a marca registrada da urbanização. Nos produtos de limpeza. Na borracha sintética.
Nas garrafas descartáveis. Nos chicletes. Nos tecidos. Nos cosméticos. ...
Nem mesmo questões fundamentais
como a descoberta de que as reservas petrolíferas eram finitas, a consolidação
de uma política econômica de internacionalização do petróleo, conduzida pelos
maiores produtores mundiais e/ou as discussões socioambientais derivadas da
intensa produção de resíduos não biodegradáveis, dos episódios de derramamento acidental
de petróleo na natureza e da promoção do consumo desordenado, fez o cidadão
brasileiro pensar a esse respeito.
Em face disso, a dinâmica socioeconômica
nacional continuou seguindo seu curso como se não estivesse pisando sobre um
terreno de extrema imprevisibilidade e incerteza. Ao ponto, inclusive, de desconsiderar
a análise dos movimentos realizados pelos demais atores geopolíticos internacionais,
apesar da nossa participação em uma economia globalizada.
Tomado por uma vaidade descabida,
fundamentada no simples fato de possuir algumas reservas petrolíferas em seu território,
mesmo com todos os avisos tecnocientíficos manifestos nos últimos sessenta anos
a respeito da necessidade de diversificação da matriz energética nacional, o
Brasil continuou preso à dependência dos combustíveis fósseis.
Então, ele se permitiu colocar em
uma posição de extrema vulnerabilidade, porque na cadeia do petróleo, ele não se
tornou autossuficiente em todos os processos, ficando dependente de outros
países e susceptível aos humores do mercado internacional e das conjunturas
temporais. Algo que vem sendo comprovado, por exemplo, desde o aparecimento da
pandemia de COVID-19, quando o comércio petrolífero foi duramente impacto pela
desaceleração produtiva global.
Acontece que ao não pensarmos
sobre a cadeia do petróleo, sendo ela, de certo modo, a coluna vertebral da
nossa economia; posto que, direta ou indiretamente ela interfere na dinâmica dos
processos de produção e comercialização dos produtos que atendem todas as
demandas da população, cria-se um componente perfeito para auxiliar na deflagração
de uma crise econômica ainda mais acentuada.
A incapacidade de analisar e entender
a Economia como um conjunto multi e interrelacionado de estruturas, desencadeou
nos últimos 4 anos um desarranjo nas políticas econômicas e sociais do país. Acontece
que esse movimento foi abruptamente impactado pelo imponderável de circunstâncias
globais, tais como a COVID-19 e, mais recentemente, a Guerra na Ucrânia.
Portanto, como não estávamos preparados
internamente, com os reflexos externos o panorama tornou-se avassaladoramente
brutal. Um cenário de baixo crescimento econômico, de elevadíssimo desemprego e
precarização laboral, de queda na renda da população, de juros altos e inflação
em dois dígitos, a crise no campo dos combustíveis fósseis resume, então, o que
representa esse desastre.
Afinal, como descrito acima, não
se trata de discutir o petróleo pelo petróleo, apenas enquanto combustível 2. A vida do cidadão brasileiro, assim
como do mundo, está atrelada ao petróleo em outras instâncias. Tinta.
Estofados. Caneta esferográfica. Pneus. Inseticidas. Perfumes. Lixa e esmalte de
unha. Antissépticos. Nylon. Shampoo. Óculos escuros. Giz de cera. Escova de
dente...
A todos aqueles que reviravam os olhinhos
de felicidade pelas facilidades, praticidades e regalias advindas desses
produtos, eis o tamanho do preço dos seus delírios de consumo! Pois é, enquanto
discutimos a alta do preço dos combustíveis, que não repercute só no Brasil, precisamos
entender a razão pela qual isso nos impacta tão violentamente.
Ora, sentimos mais porque nossa
renda é incompatível para vivermos dentro de uma realidade controlada, em
grande parte, pelo próprio petróleo. E por que ela é incompatível? Porque ano
após ano temos assistido de perto a precarização do trabalho, o avanço
descomunal do desemprego e da informalidade e, o achatamento da renda pelos equívocos
e desalinhos da nossa economia.
Portanto, esse é o ponto. Enquanto
nos permitimos envolver nas discussões sobre o caro e o barato, muitas vezes
sem quaisquer bases de conhecimento técnico a respeito, deixamos de perceber
que o pior é a nossa pauperização 3. Quando uma
sociedade precisa de descontos, de subsídios, de incentivos, cada vez mais
frequentes e expressivos, para criar condições de aquisição e consumo é porque
a sua gente está empobrecendo.
O que parece solução é, então,
apenas um paliativo. E quanto mais se usa desse subterfúgio, mais a demanda por
ele cresce, porque o problema não está sendo resolvido no seu cerne. Para que
haja uma sociedade de consumo capaz de “cumprir
seu papel” é fundamental que as pessoas tenham emprego e renda compatíveis para
que, de fato, possam adquirir e usufruir de bens, produtos e serviços. Isso me
faz lembrar a canção do Engenheiro do Hawaii, “Somos quem podemos ser” 4?
Desse modo, a questão do petróleo
escancara a nossa realidade. Enquanto as esferas do poder se voltam contra a
Petrobras (Petróleo Brasileiro S.A.) por mais uma alta nos combustíveis 5, o mundo ri do nosso provincianismo, da
nossa ignorância administrativa que acumula erros sobre erros, enquanto
assinala a sua previdência em relação ao país tupiniquim 6.
No fundo, essa raiva, esse descontentamento,
essa pseudoindignação, é somente para esconder uma pouca vontade dos nossos Poderes
em assumir as responsabilidades, em fazer a coisa certa, em resolver os problemas.
Aliás, muitos deles arrastados secularmente.
Portanto, não se engane! Esse palavrório
inflamado é só cortina de fumaça, é só um jeito de inverter o jogo e não deixar
perceber que a pobreza, estampada nos nossos bolsos, tende a nos consumir com mais
voracidade. Estamos diante da Alquimia do Petróleo, que vem transformando a
pobreza de uns em riqueza de outros. Só não vê quem não quer!
1 https://g1.globo.com/economia/noticia/2022/06/17/petrobras-reajusta-precos-da-gasolina-e-do-diesel.ghtml
3 https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2022/06/5-mais-pobres-perdem-quase-34-da-renda-no-brasil.shtml
4
Somos quem podemos ser
(Engenheiros do Hawaii), 1988 - https://www.youtube.com/watch?v=z4F5tR0_ZVM
5 https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2022/06/5016205-apos-anuncio-de-aumento-petrobras-e-pressionada-pelo-governo-congresso-e-stf.html