sábado, 18 de junho de 2022

A Alquimia do Petróleo...


A Alquimia do Petróleo...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Dizem, por aí, que “quem não escuta cuidado, escuta coitado”! Lamento, mas a situação da alta do preço dos combustíveis 1 passou sim, por uma displicência cidadã. Acostumados, desde os tempos coloniais a ter “quem cuide dos interesses do povo”, a população só se dá conta da situação quando os limites já foram, em muito, ultrapassados e a iminência de risco é flagrante.

Sei que dessa vez os contornos da situação ganharam um aspecto demasiadamente sombrio; por isso, é fundamental estabelecer uma análise crítica e reflexiva, a qual propor a você nesse texto.

Tendo em vista a obviedade de que a vida é sim imprevisível, portanto, não dá para considerá-la de maneira desconectada ou dissociada dos elementos que compõem o seu cotidiano. Desde que o Brasil passou a figurar em grau de certa importância internacional, em face das suas jazidas petrolíferas, encantados pelos seus lucros e dividendos, as políticas econômicas nacionais sempre estimularam o país a permanecer condicionado pelo fascínio desse hidrocarboneto famoso, seguindo a sina riscada a partir da 2ª Revolução Industrial, em meados do século XIX.

Inebriados pela lucratividade e rentabilidade do setor petrolífero, gerações nasceram, cresceram e viveram, desde então, em um país regido por algo muito maior do que simplesmente a sua dependência em relação aos transportes e a mecanização industrial. O inconsciente coletivo brasileiro estava totalmente condicionado a viver sob o protagonismo do petróleo.

O petróleo no asfalto que se tornou a marca registrada da urbanização. Nos produtos de limpeza. Na borracha sintética. Nas garrafas descartáveis. Nos chicletes. Nos tecidos. Nos cosméticos. ...  

Nem mesmo questões fundamentais como a descoberta de que as reservas petrolíferas eram finitas, a consolidação de uma política econômica de internacionalização do petróleo, conduzida pelos maiores produtores mundiais e/ou as discussões socioambientais derivadas da intensa produção de resíduos não biodegradáveis, dos episódios de derramamento acidental de petróleo na natureza e da promoção do consumo desordenado, fez o cidadão brasileiro pensar a esse respeito.

Em face disso, a dinâmica socioeconômica nacional continuou seguindo seu curso como se não estivesse pisando sobre um terreno de extrema imprevisibilidade e incerteza. Ao ponto, inclusive, de desconsiderar a análise dos movimentos realizados pelos demais atores geopolíticos internacionais, apesar da nossa participação em uma economia globalizada.  

Tomado por uma vaidade descabida, fundamentada no simples fato de possuir algumas reservas petrolíferas em seu território, mesmo com todos os avisos tecnocientíficos manifestos nos últimos sessenta anos a respeito da necessidade de diversificação da matriz energética nacional, o Brasil continuou preso à dependência dos combustíveis fósseis.

Então, ele se permitiu colocar em uma posição de extrema vulnerabilidade, porque na cadeia do petróleo, ele não se tornou autossuficiente em todos os processos, ficando dependente de outros países e susceptível aos humores do mercado internacional e das conjunturas temporais. Algo que vem sendo comprovado, por exemplo, desde o aparecimento da pandemia de COVID-19, quando o comércio petrolífero foi duramente impacto pela desaceleração produtiva global.  

Acontece que ao não pensarmos sobre a cadeia do petróleo, sendo ela, de certo modo, a coluna vertebral da nossa economia; posto que, direta ou indiretamente ela interfere na dinâmica dos processos de produção e comercialização dos produtos que atendem todas as demandas da população, cria-se um componente perfeito para auxiliar na deflagração de uma crise econômica ainda mais acentuada.

A incapacidade de analisar e entender a Economia como um conjunto multi e interrelacionado de estruturas, desencadeou nos últimos 4 anos um desarranjo nas políticas econômicas e sociais do país. Acontece que esse movimento foi abruptamente impactado pelo imponderável de circunstâncias globais, tais como a COVID-19 e, mais recentemente, a Guerra na Ucrânia.  

Portanto, como não estávamos preparados internamente, com os reflexos externos o panorama tornou-se avassaladoramente brutal. Um cenário de baixo crescimento econômico, de elevadíssimo desemprego e precarização laboral, de queda na renda da população, de juros altos e inflação em dois dígitos, a crise no campo dos combustíveis fósseis resume, então, o que representa esse desastre.

Afinal, como descrito acima, não se trata de discutir o petróleo pelo petróleo, apenas enquanto combustível 2. A vida do cidadão brasileiro, assim como do mundo, está atrelada ao petróleo em outras instâncias. Tinta. Estofados. Caneta esferográfica. Pneus. Inseticidas. Perfumes. Lixa e esmalte de unha. Antissépticos. Nylon. Shampoo. Óculos escuros. Giz de cera. Escova de dente...

A todos aqueles que reviravam os olhinhos de felicidade pelas facilidades, praticidades e regalias advindas desses produtos, eis o tamanho do preço dos seus delírios de consumo! Pois é, enquanto discutimos a alta do preço dos combustíveis, que não repercute só no Brasil, precisamos entender a razão pela qual isso nos impacta tão violentamente.

Ora, sentimos mais porque nossa renda é incompatível para vivermos dentro de uma realidade controlada, em grande parte, pelo próprio petróleo. E por que ela é incompatível? Porque ano após ano temos assistido de perto a precarização do trabalho, o avanço descomunal do desemprego e da informalidade e, o achatamento da renda pelos equívocos e desalinhos da nossa economia.

Portanto, esse é o ponto. Enquanto nos permitimos envolver nas discussões sobre o caro e o barato, muitas vezes sem quaisquer bases de conhecimento técnico a respeito, deixamos de perceber que o pior é a nossa pauperização 3. Quando uma sociedade precisa de descontos, de subsídios, de incentivos, cada vez mais frequentes e expressivos, para criar condições de aquisição e consumo é porque a sua gente está empobrecendo.

O que parece solução é, então, apenas um paliativo. E quanto mais se usa desse subterfúgio, mais a demanda por ele cresce, porque o problema não está sendo resolvido no seu cerne. Para que haja uma sociedade de consumo capaz de “cumprir seu papel” é fundamental que as pessoas tenham emprego e renda compatíveis para que, de fato, possam adquirir e usufruir de bens, produtos e serviços. Isso me faz lembrar a canção do Engenheiro do Hawaii, “Somos quem podemos ser” 4?

Desse modo, a questão do petróleo escancara a nossa realidade. Enquanto as esferas do poder se voltam contra a Petrobras (Petróleo Brasileiro S.A.) por mais uma alta nos combustíveis 5, o mundo ri do nosso provincianismo, da nossa ignorância administrativa que acumula erros sobre erros, enquanto assinala a sua previdência em relação ao país tupiniquim 6.

No fundo, essa raiva, esse descontentamento, essa pseudoindignação, é somente para esconder uma pouca vontade dos nossos Poderes em assumir as responsabilidades, em fazer a coisa certa, em resolver os problemas. Aliás, muitos deles arrastados secularmente.

Portanto, não se engane! Esse palavrório inflamado é só cortina de fumaça, é só um jeito de inverter o jogo e não deixar perceber que a pobreza, estampada nos nossos bolsos, tende a nos consumir com mais voracidade. Estamos diante da Alquimia do Petróleo, que vem transformando a pobreza de uns em riqueza de outros. Só não vê quem não quer!



4  Somos quem podemos ser (Engenheiros do Hawaii), 1988  - https://www.youtube.com/watch?v=z4F5tR0_ZVM