domingo, 24 de abril de 2022

Nem contra, nem a favor, muito pelo contrário!


Nem contra, nem a favor, muito pelo contrário!

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Nada de errado quanto às opiniões diferentes. Sinal de que o mundo ainda mantém a sua gênese plural. É assim que deve ser, pessoas díspares, cada uma contribuindo com a sua perspectiva, o seu ponto de vista, a respeito de um determinado assunto. No entanto, os tempos contemporâneos fizeram da dicotomia do contra e a favor a síntese da discordância opinativa.

Distante dos argumentos bem construídos, bem fundamentados, bem organizados, o ser humano simplesmente transformou a dialogia em uma praça de guerra das paixões mundanas. Concordantes e discordantes se digladiam para firmar a sua certeza, como princípio absoluto da razão. Algo que, no caso do Brasil, fica demasiadamente evidente.

Não sei se trazido do espírito competitivo presente no status de país do futebol, a verdade é que esse sentimento afoito e intempestivo tomou conta do cenário mais importante da sociedade brasileira, que é a política. O que foi profundamente impactante, do ponto de vista negativo, tendo em vista a fragilidade notória da consciência cidadã nacional.

Foi como se uma linha tivesse sido marcada, com giz, no chão de algum lugar qualquer. De repente, de maneira quase automática, pessoas se dispuseram de um lado e de outro sem muita noção do aquilo significava, apenas tendo sido movidas por um palavrório inflamado que exercia um papel motivador contagiante.

Porém, essa descrição exemplificativa, não traduz exatamente esse movimento, na inteireza da sua complexidade. O Brasil é um país historicamente de matriz colonial, o que significa que suas bases sociais foram configuradas a partir da discussão sobre dominados e dominadores (ou explorados e exploradores). Em síntese, um berço de desigualdades em estado bruto.

Foram elas, então, que permitiram a construção de perspectivas sociais profundamente diferentes, apesar da convivência e da coexistência sob um mesmo espaço geográfico. Isso explica um grupo dominador, minoritário em relação ao dominado, desfrutando de todas as regalias e privilégios por conta do conjunto de poderes que sempre deteve em suas mãos. E um grupo majoritário de dominados, sobrevivendo sem vez e voz na sociedade, a mercê de uma indignidade social aceita e exercida pelos dominadores.   

É dessa gênese que emerge a sociedade brasileira contemporânea. Dessa fragmentação histórica que não conseguiu superar, pela passagem do tempo, o ranço dessas perspectivas sociais tão distintas. De modo que a construção política se deu atrelada a esse cenário, fazendo das diferenças sociais uma impossibilidade de desconstrução de velhos paradigmas e dessa compreensão uma justificativa para a manutenção de uma rivalidade entre lados opostos.

Por conta disso, tudo o que não está na pauta de discussão política nacional é o país. O inconsciente coletivo do brasileiro foi tão desastrosamente impregnado por essa tensão histórica, que o desenvolvimento dos interesses nacionais, os quais beneficiariam a todos indistintamente, não conseguem ser trabalhados. Tanto que as velhas mazelas, como é o caso dos crimes contra a administração pública 1, por exemplo, encontram espaço livre para se perpetuar.

Então, a cada ciclo eleitoral o país se expõe ao acirramento dessa dicotomia, até mesmo, de maneira inconsciente. O medo de que haja uma expansão do exercício cidadão, por parte dos partidos políticos que apoiam aqueles que vieram secularmente sendo alijados dos seus direitos e participação social, é diretamente proporcional ao medo daqueles que não querem a continuidade da ala política que defende ardorosamente a supremacia dos beneficiados por todo tipo de regalias e privilégios.

Até que, o jogo de discursos e narrativas passa a ultrapassar o equilíbrio da diplomacia política e social, para atentar a paz por meio da beligerância de atitudes extremas e irrefletidas. Pois, o desejo de ter razão, na contemporaneidade, ganhou, portanto, contornos muito mais perigosos.

A começar pela Pós-Verdade, que é disseminada aos milhões de informações meticulosamente criadas para modelar a opinião pública e satisfazer aos interesses de uns e outros. Como se a dicotomia do contra e a favor abdicasse da análise crítica e reflexiva dos fatos, para se render à vulnerabilidade que reside no apelo as emoções e às crenças pessoais.

De modo que não escapa ninguém, nem mesmo aqueles que possam ser considerados aptos para opinar com isenção. Gente com largo conhecimento e experiência profissional e de vida. Como se tivessem sido contaminados por uma superficialidade que não só limita a possibilidade de aprofundamento dos assuntos; mas, também, cria um certo tipo de entorpecimento aos sentidos.

De repente, todos precisam se tornar partidários de um lado ou de outro das questões, ainda que não saibam exatamente o que isso quer dizer ou possa vir a representar. São movidos por ego, por sentimentos, por interesses, por supostas vantagens, por algo que está alheio ao que de fato importa coletivamente.

E assim, vamos andando em círculos nessa espiral de loucura. Criando convicções, como quem faz bolhas de sabão. Repetindo histericamente comportamentos e linguagens contrárias aos padrões de civilidade conhecidos. Reproduzindo a história dentro de cenários absolutamente desajustados ao trânsito do tempo. Abdicando da consciência, da reflexão, do pensamento, em nome de uma unanimidade parcial e previamente definida. No fim das contas, nada mais nada menos do que escrevendo a mesma história por meio de sinônimos, só para fazer tudo parecer uma grande novidade.



1 Corrupção, peculato, concussão e prevaricação. 

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