terça-feira, 26 de abril de 2022

Não quero o certo e nem o errado, eu quero ser feliz!


Não quero o certo e nem o errado, eu quero ser feliz!

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

A recente eleição na França trouxe entre tantas reflexões uma que é bastante importante para o mundo. A candidata da extrema-direita que fora derrotada no segundo turno das eleições presidenciais prometeu aos seus eleitores manter sua posição de luta contra o candidato reeleito 1.

Mas, o que isso tem de especial? Simplesmente, o fato de que a política global tem se mostrado assim, secularmente divergindo opiniões e permitindo que esse movimento de rupturas e desagregações atue, de maneira catastrófica, contra os interesses dos próprios países e cidadãos.

Se no cotidiano comum da vida humana já se percebe nitidamente a dificuldade dialógica em se encontrar um denominador comum, nem queira pensar no campo político! Nesses seletos espaços da representatividade popular, o que se vê amiúde são atores digladiando seus egos na defesa de interesses enviesados e, quase sempre, particulares. Mantendo em chama a alta o velho ideário de que “os fins justificam os meios”.

O povo, os interesses deste, aparecem comumente de maneira coadjuvante nos discursos inflamados, tal qual um véu que mascara aquilo que se esconde mais profundamente, ou seja, as (más) intenções.

É preciso entender que essa discordância política selvagem não tem, na verdade, nada de normal ou de natural. Essa história de se fazer oposição a certas ideias ou projetos, tendo como base única de fundamentação apenas um “sou contra”, é muito démodé; mas, particularmente, perversa.  

Trata-se de um narcisismo exacerbado que faz de tudo, o que parte do outro, algo menor, desimportante, vulgar e contestável. Além de só evidenciar o tamanho do vazio argumentativo de uma ignorância estúpida.

Ora, pelo menos em tese, seres humanos podem bem mais do que isso! Cabeça foi feita para pensar! E um mundo plural, como é o nosso, não pode existir defendendo caminhos únicos, restritos e limitados.

Pensar grande não é pensar com vista a privilegiar uns e outros. Pensar grande é pensar coletivamente. É fazer do pensamento uma materialização da própria evolução, em todas as direções e sentidos.

Vejam, por exemplo, o cenário da imunização contra a COVID-19 no mundo. Enquanto correntes entrincheiradas em suas convicções criam obstáculos para vacinar o maior número de pessoas no planeta, o vírus está por aí, firme e forte.

Tanto que a China continua fazendo lockdown para conter o avanço das variantes, apesar de todos os inconvenientes econômicos que tal medida tem imposto para eles e o resto do mundo. Recuo dos preços do petróleo. Containers parados nos portos. Desabastecimento de produtos. Um verdadeiro caos. O mundo patinando sem sair do lugar.

Basta um minuto de atenção para perceber que esse comportamento não cabe mais nas necessidades do século XXI. Chega dessa ideia absurda que coloca a razão como um prêmio a quem consiga provar que a tem! Ninguém precisa ter razão! Ninguém precisa estar certo o tempo todo!

Porque, para início de conversa, todos somos seres inacabados. Feitos de um barro que precisa ser modelado e remodelado, muitas vezes nessa vida, sem que consiga chegar ao patamar ideal. Somos pura perspectiva, um jeito próprio de olhar e entender a dinâmica do mundo, porque somos humanamente singulares.

É claro, que diante de tantos rodopios que a Terra já deu, muita coisa já se estabeleceu como valor, como princípio, como caminho. Outras tantas fazem parte de algo mais pessoal e intransferível, que parte da consciência decisória e resolutiva de cada um. Mas, muito há por se equacionar coletivamente, porque diz respeito aos interesses humanitários.

E como não somos cópias xerográficas, cada um é um, somos milhões distribuídos por aí, imbuídos dessa missão. Em casa. Na rua. No trabalho. Em todo lugar. E, quase sempre, estabelecendo as conexões necessárias a partir das afinidades, dos pontos em comum que nos alinhavam as emoções, os sentimentos e as ideias.

Mas, como elas não se apresentam em 100% do tempo, não as ter não tem que impor quaisquer desqualificações ou impossibilidades para que possamos dialogar e encontrar um ponto comum que seja no meio do caminho para as partes.

O que passa por uma boa dose de boa vontade, de disposição, de desapego, de espírito pacifista. Porque quem quer um mundo melhor, quer que ele seja assim por inteiro, não aos pedaços, aos farelos, às migalhas.  

Então, quando olho para a política me deparo como uma estrutura que só pode ser definida por um estado de total debilidade e adoecimento. Afinal, ela se distanciou muito do que entendia Aristóteles, ou seja, “A política não deveria ser a arte de dominar, mas sim a arte de fazer justiça”.

Mas, infelizmente, como o tempo ela se permitiu aliar a outros sistemas de força e poder, a tal ponto que ela “tem sido a arte de obter a paz por meio da injustiça” (Agostinho Silva – filósofo e poeta português). Ora, e “A injustiça num lugar qualquer é uma ameaça à justiça em todo lugar” (Martin Luther King Jr.).

Portanto, a ideia de fragmentar a política em facções de gente capaz de só dizer “sou contra”, partindo do pressuposto de que tudo que não parte de mim ou do meu grupo merece ser rechaçado, está levando a humanidade para um imenso buraco, proliferando desafios, esbanjando equívocos e enaltecendo despreparados e incompetentes.

De modo que a defesa arraigada de certas dicotomias, como “certo e errado” ou “bom e mau”, ergue muralhas intransponíveis para a evolução e o desenvolvimento social.  Não se pode exagerar a vida no absolutismo das questões, na demonização disso ou daquilo, porque ela se faz sob eterna relativização. Tudo depende das conjunturas, dos cenários, dos impactos, dos atores, do tempo.

Mais do que nunca, a contemporaneidade é só um palco de incertezas, razão pela qual tudo precisa ser medido, pesado e analisado sob a ótica histórica e criticamente reflexiva.  

Por isso, convido você leitor (a) a não perder as oportunidades de pensar com equilíbrio e profundidade; mas, também, de compartilhar comigo a sabedoria do poeta Ferreira Gullar, quando escreveu: “Não quero saber do sofrimento, quero é felicidade. Não gosto de fazer lamúrias. Uma vez, discuti feio sobre determinada situação. Fiquei sozinho em casa, cheio de razão e triste pra cacete. Então, pra que querer ter razão? Não quero ter razão. Quero é ser feliz! ”

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