terça-feira, 6 de maio de 2025

Um passo para a frente e dez passos para trás


Um passo para a frente e dez passos para trás

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

O professor, escritor, jornalista e importante geógrafo brasileiro, Milton Santos, escreveu: “A força da alienação vem dessa fragilidade dos indivíduos, quando apenas conseguem identificar o que os separa e não o que os une”. Verdade! Mas, o que explica esse comportamento é o velho ranço do Brasil colonial, enraizado no inconsciente coletivo, há pouco mais de 500 anos.

No qual as atuais alas burguesas se sentem herdeiras diretas da antiga sociedade patriarcal e latifundiária, dividida em classes sociais, com senhores de engenho e grandes proprietários de terras na elite, e escravos na base. Enquanto, o restante da pirâmide social se sente herdeiro direto da massa escravizada e largada à mercê da própria sorte.

Portanto, há uma franca dificuldade em se estabelecer um ponto de convergência para a construção de uma identidade nacional. O modo de se perceber e entender brasileiro, dentro dessa realidade, é muito díspare, por conta dos muros de desigualdade historicamente erguidos.

E nessa história de “cada um no seu quadrado” me deparei com duas notícias para tecer uma reflexão. “O que se sabe até agora sobre plano de ataque a bomba no show da Lady Gaga” 1 e “Brasil sobe cinco posições no ranking do IDH e está na 84ª colocação” 2. É preciso despir o processo civilizatório nacional, de maneira profunda e honesta.

Atos terroristas sempre estiveram presentes nas páginas da história, em todo o mundo. Entre os anos de 1970 e 1990, por exemplo, grupos como RAF (Fração do Exército Vermelho, na Alemanha), ETA (grupo nacionalista basco, na Espanha), IRA (Exército Republicano Irlandês) e Brigadas Vermelhas (na Itália) espalharam o terror pelo continente europeu.

Mas, o Brasil, não esteve à margem dessa violência, também. Na noite de 30 de abril de 1981, durante um show comemorativo ao Dia do Trabalho, no Riocentro, no Rio de Janeiro, houve um atentado terrorista com o objetivo de incriminar grupos que se opunham à ditadura militar no país. Queriam justificar a necessidade de retardar a abertura política em andamento.

Em 2022, militantes da ultradireita brasileira tentaram explodir o aeroporto de Brasília, na véspera de Natal. Por sorte, o plano foi descoberto e nada pior aconteceu. Mas, em novembro de 2024, outro atentado ocorreu na Praça dos Três Poderes, em Brasília, nas proximidades do Supremo Tribunal Federal (STF). Um homem-bomba agiu sozinho, lançando duas bombas contra o prédio do STF. A primeira falhou, mas a segunda detonou, espalhando fragmentos no local. Já a terceira, ele acendeu e se deitou sobre ela, causando a própria morte.

De modo que a resultante dos episódios brasileiros de terrorismo são sempre atravessados pelos pretextos do ódio historicamente tecido pela Direita e seus matizes; sobretudo, os mais radicais e extremistas. Esses indivíduos nutrem um sentimento secular de propriedade e poder em relação ao país, que os coloca em total oposição aos valores democráticos e a consolidação de um senso comum de nação, capaz de permitir a todos os cidadãos desfrutarem dos seus direitos e deveres, com paz e dignidade social.

Haja vista a notícia do IDH (Índice de Desenvolvimento Humano). O Brasil saiu da 89ª para a 84ª colocação entre 193 nações avaliadas, com base nas três dimensões: expectativa de vida, acesso à educação e renda per capita, as quais compõem o IDH. Tal avanço diz respeito a melhoria do país em termos de aumento da renda nacional bruta per capita e à recuperação nos indicadores de saúde, após os impactos da pandemia de Covid-19. No entanto, o desempenho na área de educação continua estagnado.

Bem, os avanços no IDH sempre representam um desafio ao Brasil, justamente pela histórica oposição de forças realizada pela Direita e seus matizes; sobretudo, os mais radicais e extremistas, a qual acontece por meio de seus representantes, aliados e simpatizantes, dentro e fora do Congresso Nacional. A dificuldade de implementação de medidas e de políticas públicas voltadas ao avanço do país, em termos de sociedade, está diretamente associada ao pensamento retrógrado desse segmento político-partidário. Em suma, eles defendem a sobreposição dos direitos individuais aos coletivos, a defesa dos valores tradicionais e religiosos, a liberdade econômica e a propriedade privada.

Afinal, eles não querem, em hipótese alguma, a mitigação dos impactos causados pelas desigualdades secularmente impostas ao Brasil; pois, isso contraria os seus interesses, no que diz respeito à manutenção de seus poderes, regalias e privilégios. Basta observar como a atual distribuição representativa do Congresso Nacional, composta majoritariamente por indivíduos da Direita e seus matizes, tem trabalhado ferrenhamente contra os projetos do Executivo federal, que lançam um olhar progressista, ou seja, mais humano, mais justo e solidário, sobre o país.  

Por essas e por outras, que estamos sempre dando um passo para a frente e dez passos para trás, quando o assunto é o processo civilizatório nacional. O Brasil ainda não encontrou o seu ponto de convergência cidadão; por isso, ele caminha sem coesão e sem coerência, na medida em que seus protagonistas não se sentem representantes de uma mesma identidade. Como tão bem explicou Darcy Ribeiro, “O Brasil, último país a acabar com a escravidão, tem uma perversidade intrínseca na sua herança, que torna a nossa classe dominante enferma de desigualdade, de descaso” 3; razão pela qual, “A crise da educação no Brasil não é uma crise; é um projeto”.