Um passo para
a frente e dez passos para trás
Por Alessandra
Leles Rocha
O professor, escritor, jornalista
e importante geógrafo brasileiro, Milton Santos, escreveu: “A força da
alienação vem dessa fragilidade dos indivíduos, quando apenas conseguem
identificar o que os separa e não o que os une”. Verdade! Mas, o que explica
esse comportamento é o velho ranço do Brasil colonial, enraizado no inconsciente
coletivo, há pouco mais de 500 anos.
No qual as atuais alas burguesas
se sentem herdeiras diretas da antiga sociedade patriarcal e latifundiária,
dividida em classes sociais, com senhores de engenho e grandes proprietários de
terras na elite, e escravos na base. Enquanto, o restante da pirâmide social se
sente herdeiro direto da massa escravizada e largada à mercê da própria sorte.
Portanto, há uma franca
dificuldade em se estabelecer um ponto de convergência para a construção de uma
identidade nacional. O modo de se perceber e entender brasileiro, dentro dessa
realidade, é muito díspare, por conta dos muros de desigualdade historicamente erguidos.
E nessa história de “cada um
no seu quadrado” me deparei com duas notícias para tecer uma reflexão. “O
que se sabe até agora sobre plano de ataque a bomba no show da Lady Gaga” 1 e “Brasil sobe cinco
posições no ranking do IDH e está na 84ª colocação” 2.
É preciso despir o processo civilizatório nacional, de maneira profunda e
honesta.
Atos terroristas sempre estiveram
presentes nas páginas da história, em todo o mundo. Entre os anos de 1970 e
1990, por exemplo, grupos como RAF (Fração do Exército Vermelho, na Alemanha),
ETA (grupo nacionalista basco, na Espanha), IRA (Exército Republicano Irlandês)
e Brigadas Vermelhas (na Itália) espalharam o terror pelo continente europeu.
Mas, o Brasil, não esteve à
margem dessa violência, também. Na noite de 30 de abril de 1981, durante um
show comemorativo ao Dia do Trabalho, no Riocentro, no Rio de Janeiro, houve um
atentado terrorista com o objetivo de incriminar grupos que se opunham à
ditadura militar no país. Queriam justificar a necessidade de retardar a
abertura política em andamento.
Em 2022, militantes da ultradireita
brasileira tentaram explodir o aeroporto de Brasília, na véspera de Natal. Por
sorte, o plano foi descoberto e nada pior aconteceu. Mas, em novembro de 2024,
outro atentado ocorreu na Praça dos Três Poderes, em Brasília, nas proximidades
do Supremo Tribunal Federal (STF). Um homem-bomba agiu sozinho, lançando duas
bombas contra o prédio do STF. A primeira falhou, mas a segunda detonou,
espalhando fragmentos no local. Já a terceira, ele acendeu e se deitou sobre ela,
causando a própria morte.
De modo que a resultante dos episódios
brasileiros de terrorismo são sempre atravessados pelos pretextos do ódio
historicamente tecido pela Direita e seus matizes; sobretudo, os mais radicais
e extremistas. Esses indivíduos nutrem um sentimento secular de propriedade e
poder em relação ao país, que os coloca em total oposição aos valores democráticos
e a consolidação de um senso comum de nação, capaz de permitir a todos os cidadãos
desfrutarem dos seus direitos e deveres, com paz e dignidade social.
Haja vista a notícia do IDH
(Índice de Desenvolvimento Humano). O Brasil saiu da 89ª para a 84ª colocação
entre 193 nações avaliadas, com base nas três dimensões: expectativa de vida,
acesso à educação e renda per capita, as quais compõem o IDH. Tal avanço diz
respeito a melhoria do país em termos de aumento da renda nacional bruta per
capita e à recuperação nos indicadores de saúde, após os impactos da pandemia
de Covid-19. No entanto, o desempenho na área de educação continua estagnado.
Bem, os avanços no IDH sempre
representam um desafio ao Brasil, justamente pela histórica oposição de forças
realizada pela Direita e seus matizes; sobretudo, os mais radicais e
extremistas, a qual acontece por meio de seus representantes, aliados e
simpatizantes, dentro e fora do Congresso Nacional. A dificuldade de implementação
de medidas e de políticas públicas voltadas ao avanço do país, em termos de
sociedade, está diretamente associada ao pensamento retrógrado desse segmento
político-partidário. Em suma, eles defendem a sobreposição dos direitos
individuais aos coletivos, a defesa dos valores tradicionais e religiosos, a liberdade
econômica e a propriedade privada.
Afinal, eles não querem, em hipótese
alguma, a mitigação dos impactos causados pelas desigualdades secularmente
impostas ao Brasil; pois, isso contraria os seus interesses, no que diz
respeito à manutenção de seus poderes, regalias e privilégios. Basta observar
como a atual distribuição representativa do Congresso Nacional, composta majoritariamente
por indivíduos da Direita e seus matizes, tem trabalhado ferrenhamente contra
os projetos do Executivo federal, que lançam um olhar progressista, ou seja,
mais humano, mais justo e solidário, sobre o país.
Por essas e por outras, que
estamos sempre dando um passo para a frente e dez passos para trás, quando o
assunto é o processo civilizatório nacional. O Brasil ainda não encontrou o seu
ponto de convergência cidadão; por isso, ele caminha sem coesão e sem coerência,
na medida em que seus protagonistas não se sentem representantes de uma mesma
identidade. Como tão bem explicou Darcy Ribeiro, “O Brasil, último país a
acabar com a escravidão, tem uma perversidade intrínseca na sua herança, que
torna a nossa classe dominante enferma de desigualdade, de descaso” 3; razão pela qual, “A crise da
educação no Brasil não é uma crise; é um projeto”.
1 https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2025/05/06/policia-sp-mandados-suspeitos-de-ataque-show-lady-gaga.htm
2 https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2025-05/brasil-sobe-cinco-posicoes-no-ranking-do-idh-e-esta-na-84a-colocacao#
3 O Povo Brasileiro: A Formação e o Sentido do Brasil (1995).