sexta-feira, 25 de abril de 2025

As frágeis bolhas...


As frágeis bolhas...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

A expansão da ultradireita e a fragilização democrática, no mundo, são razões importantes para a reflexão. Entretanto, como não existe uma uniformidade nos processos que acometem a deterioração dos governos rumo às arbitrariedades, um olhar mais atento à historicidade local se faz necessário. Pensando a respeito do processo de cassação de um deputado do PSOL-RJ, decidi tomar o assunto como um fio condutor de análise.

O legislativo federal tem sido palco de uma reafirmação do ranço colonial brasileiro, de maneira explícita. Em tese, dentro da democracia, eles fazem parte da representatividade popular nacional. Mas, será? Não basta apenas dizer que são 513 deputados, os quais, através do voto proporcional, exercem seus cargos por quatro anos, e 81 senadores, que possuem mandatos de 8 anos, sendo renovados de 4 em 4 anos, com a renovação de 1/3 dos senadores em um pleito e 2/3 no seguinte.

A pergunta é totalmente pertinente e importante, porque a representatividade depende do alinhamento político-ideológico desses indivíduos. De modo que a ocupação dos cargos legislativos transita geralmente pela assimetria desse alinhamento. O que significa espelhar uma apropriação do poder pelas forças tradicionalmente representativas dos interesses da Direita e seus matizes, mais ou menos radicais e extremistas. Em linhas gerais, o mesmo ideário que esteve à frente do poder, no país, durante esses pouco mais de 500 anos de história.

E o que foi o Brasil colonial? Foi um país cuja economia se baseou na exploração e exportação de minérios de alto valor, madeiras de lei e monoculturas, a partir de trabalho escravo, para atender aos interesses de Portugal, a metrópole. A sociedade era patriarcal e latifundiária dividida em classes sociais, com senhores de engenho e grandes proprietários de terras na elite, e escravos na base. Portanto, não existia qualquer possibilidade de mobilidade social. O que significa a concentração da dinâmica da sociedade nas mãos de uma ínfima elite. Ela era o poder. Ela era a riqueza. Ela era a justiça.

De modo que os seus interesses, as suas regalias e os seus privilégios eram a prioridade absoluta. A transição do período colonial para a República não significou mudanças nesse quadro, que já estava consolidado, há tempos. Daí essa estrutura organizacional se transmitir de geração em geração, até aqui, dada a comodidade existente na realidade dessas pessoas. Por essas e por outras, a representatividade popular democrática brasileira não refletir exatamente os fatos.

Vejam, somos um país, cujas classes D e E são a maior parte da população, com 50,7% dos domicílios. Contudo, a classe A tem uma renda média 23 vezes maior do que a classe D/E, com apenas 2,9% da população. Ora, é justamente a classe A que apoia e sustenta a assimetria do alinhamento político-ideológico nos espaços de poder, a fim de favorecer a manutenção dos seus interesses, regalias e privilégios, como prioridade absoluta. O que torna fácil compreender quais são as prioridades de votação no legislativo federal.

E não para por aí. A união da classe A, com o apoio de elementos das classes B e C alinhados ao seu ideário político-ideológico, está em franca cruzada para enfrentar as obstaculizações impostas pelos legisladores progressistas e pelo Poder Judiciário. Através de Fake News e outros mecanismos de desinformação social, eles tentam silenciar e descredibilizar as vozes dissidentes, dentro e fora do parlamento. Ao que tudo indica, suas atitudes intencionam uma reapropriação absoluta do poder e do discurso, como era no período colonial. Portanto, almejam constituir maioria absoluta no parlamento, nas próximas eleições de 2026, para efetivarem seu projeto reacionário.

Nesse contexto, o processo de cassação de um deputado do PSOL-RJ, busca criar um "bode expiatório”, para servir de exemplo a qualquer voz dissidente que ouse se manifestar. No entanto, a Câmara dos Deputados trava mais de 30 processos de cassação por indisciplina. A primeira parte se refere aos casos disciplinares que já passaram pelo Conselho de Ética. São 13 procedimentos, dos quais 10 foram arquivados. Os demais se referem às representações contra parlamentares, mas que a Mesa Diretora nem sequer deliberou a respeito – portanto, esses casos não chegaram a ser encaminhados ao Conselho de Ética. O que aponta para uma tendenciosidade enviesada, quando se trata de representantes da ala progressista, como é o caso desse deputado.

A questão deixa de ser uma eventual quebra de decoro parlamentar para ter como objeto fundamental à dissidência político-partidária e, desse modo, ser posta como prioridade de discussão. Bem, mas não é uma dissidência qualquer! Há tempos ele se mostra combativo aos desmandos e absurdos apresentados pelos aliados e simpatizantes da ultradireita nacional, dentro da Câmara dos Deputados, o que fez emergir uma ofensiva veemente contra os parlamentares da ala progressista, especialmente do PSOL, e contra o governo atual. Além disso, ele se tornou alvo político após denunciar o esquema do “orçamento secreto” e acusar publicamente o ex-presidente da Câmara dos Deputados de liderar manobras ilegais para liberar bilhões em emendas parlamentares; bem como, prestar depoimento à Polícia Federal no inquérito que apura o caso.

Trazida essa breve reflexão, tem-se um ponto de partida importantíssimo para tecer considerações sobre o exercício cidadão brasileiro. Se há uma consciência sobre a fragilização democrática é porque a cidadania não está caminhando da maneira que deveria. E é justamente esse ponto que favorece à reafirmação dos interesses históricos da Direita e seus matizes; sobretudo, os mais radicais e extremistas. A ideia da representatividade popular precisa ser levada mais a sério, no país. É muito cômodo e simplista reclamar do descaso da classe política, quando as escolhas populares desconsideram o significado fundamental da representatividade.

E ela advém justamente da expressão político-ideológica, manifesta por esses indivíduos. Por isso, é preciso ler o mundo, “se alargarmos a concepção de leitura e a considerarmos uma possibilidade de perceber o espaço social, então ler passa a significar lançar um olhar à nossa volta e perceber o que nos rodeia. Isso pode ser feito apenas para confirmar nossos pontos de vista ou para problematizar, questionar o que, aparentemente, não pode ou não deve ser questionado...” (CORACINI, 2005, p.39)1.

Ora, o que temos pela frente é o risco iminente do autoritarismo. Portanto, temos sim, que ler o mundo, a realidade que nos cerca, porque “A linguagem é o repositório de nossos preconceitos, de nossas crenças, de nossos pressupostos” (Chimamanda Ngozi Adichie). Quando se permite que o autoritarismo, a opressão, a tirania, se firmem no poder, “Eles fazem uma história se tornar a única história” (Chimamanda Ngozi Adichie), ou seja, a que eles querem contar. Assim, estejamos atentos, “A pior cegueira é a mental, que faz que com que não reconheçamos o que temos a frente”; porque, ela “também é isto, viver num mundo onde se tenha acabado a esperança” (José Saramago - Ensaio sobre a Cegueira, 1995).



1 CORACINI, M. J. R. F. Concepções de Leitura na (Pós-) Modernidade. In: LIMA, R. C. de C. P. (Org.). Leitura: múltiplos olhares. Campinas: Mercado de Letras; São João da Boa Vista: Unifeob, 2005. p.15-44.