terça-feira, 4 de março de 2025

Reflexões sobre o imperialismo cultural


Reflexões sobre o imperialismo cultural

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Me desculpem, os que não querem pensar em nada além de Carnaval! Acontece que a vida não para e o mundo continua com seus rodopios. Desse modo resolvi dar forma a mais um bocado de reflexões que me povoam a mente desde a madrugada de domingo.

A celebração em torno do Oscar de Melhor Filme Internacional é legítima e merece sim, acontecer. Mas, a cinematografia brasileira precisa ser vista por uma perspectiva que ultrapasse uma estatueta de 33 cm de altura, 7 cm de largura e 7 cm de comprimento. Para que não nos deixemos render e aprisionar pelos ditames do imperialismo cultural.

Essa é uma compreensão fundamental ao nosso amadurecimento identitário nacional. Queiramos ou não aceitar, a verdade é que as premiações estrangeiras, incluindo as de cinema, estão imersas em uma visão de mundo que coloca a Europa e os EUA como elementos do protagonismo histórico da humanidade.

Em linhas gerais, isso significa que eles colocam suas crenças, princípios, valores e convicções acima do restante, como centro da elaboração sistemática epistemológica global. Assim, partiria deles a análise do bom, do belo, do justo, do correto, ... Estando, portanto, em suas mãos, a chancela da aprovação ou da desaprovação das manifestações culturais alheias.  

O que significa que estamos diante de mais um reflexo dos padrões imperialistas. Como se fosse necessária a existência de uma banca julgadora para avaliar se aquela expressão cultural está alinhada, ou não, aos padrões preestabelecidos pelo imperialismo. Acontece que esse comportamento, no fundo, é um modo de impedir a acessibilidade de trabalhos que possam desbancar o protagonismo dos países dominantes.

E por mais que se diga que tem havido uma mudança nesse panorama, se ela de fato acontece, é algo bastante lento. Afinal de contas, muito raramente, se vê o reconhecimento de trabalhos oriundos de nações estranhas à bolha dos escolhidos. Aliás, o recorte temporal vigente, inclusive, tende a recrudescer o comportamento imperialista, por conta da expansão de um neofascismo contemporâneo.

O peso dado à exacerbação do nacionalismo e o desprezo por intelectuais e artistas que não se enquadram aos padrões preestabelecidos, tende a fazer com que muitas premiações, mundo afora, se tornem um reduto privado de manifestação eurocêntrica egóica. Uma verdadeira fogueira das vaidades, entre pares comuns!

Daí a necessidade urgente de assumirmos o protagonismo sobre a valorização da nossa identidade cultural. São os brasileiros as verdadeiras testemunhas oculares da desafiadora cruzada das artes no país, para reconhecer o valor intrínseco à odisseia de se alcançar a realização de um projeto. Portanto, tem que partir de nós a valorização da nossa cultura, antes de qualquer aplauso ou reverência que chegue de fora.

Pois esse é o primeiro passo para a ruptura com a reprodução da cultura estrangeira, que já se alonga por mais de 500 anos. Não, nós temos a nossa cultura! E ela é plural, é diversa, é rica! É ela que aponta às nossas raízes, à nossa identidade, que diz exatamente quem somos no mundo e para o mundo. Não, não precisamos de um viralatismo cultural! Não precisamos ser mais ou ser menos que ninguém, em termos culturais.

Precisamos apenas ser quem somos. Nos apropriar e nos encantar pela nossa historicidade, mesmo com suas desventuras. Contar as nossas histórias pela nossa própria perspectiva, através da nossa língua, da nossa gente. Segundo a poetisa e diplomata chilena, Gabriela Mistral, “Todo o país escravizado por outro ou outros países, tem na mão, enquanto souber ou puder conservar a própria língua, a chave da prisão onde jaz”. Afinal, a língua materna é que nos abre os caminhos para desbravar a nossa identidade cultural. Literatura. Teatro. Cinema. Dança. Fotografia. Artes plásticas. Artes gráficas. Enfim...

O sociólogo e ativista dos direitos humanos, Herbert José de Sousa (Betinho), dizia com propriedade que “Um país não muda pela sua economia, sua política e nem mesmo sua ciência; muda sim pela sua cultura”. Mas, a sua e não, a do outro. Portanto, “Sem a cultura, e a liberdade relativa que ela pressupõe, a sociedade, por mais perfeita que seja, não passa de uma selva. É por isso que toda a criação autêntica é um dom para o futuro” (Albert Camus, escritor, filósofo e jornalista franco-argelino). Não nos esqueçamos: “Só seremos universais se conhecermos e amarmos nossa aldeia” (Liev Tolstói – escritor russo).