Reflexões
sobre o imperialismo cultural
Por
Alessandra Leles Rocha
Me desculpem, os que não querem
pensar em nada além de Carnaval! Acontece que a vida não para e o mundo
continua com seus rodopios. Desse modo resolvi dar forma a mais um bocado de
reflexões que me povoam a mente desde a madrugada de domingo.
A celebração em torno do Oscar de
Melhor Filme Internacional é legítima e merece sim, acontecer. Mas, a
cinematografia brasileira precisa ser vista por uma perspectiva que ultrapasse uma
estatueta de 33 cm de altura, 7 cm de largura e 7 cm de comprimento. Para que
não nos deixemos render e aprisionar pelos ditames do imperialismo cultural.
Essa é uma compreensão
fundamental ao nosso amadurecimento identitário nacional. Queiramos ou não
aceitar, a verdade é que as premiações estrangeiras, incluindo as de cinema, estão
imersas em uma visão de mundo que coloca a Europa e os EUA como elementos do
protagonismo histórico da humanidade.
Em linhas gerais, isso significa
que eles colocam suas crenças, princípios, valores e convicções acima do
restante, como centro da elaboração sistemática epistemológica global. Assim,
partiria deles a análise do bom, do belo, do justo, do correto, ... Estando,
portanto, em suas mãos, a chancela da aprovação ou da desaprovação das
manifestações culturais alheias.
O que significa que estamos
diante de mais um reflexo dos padrões imperialistas. Como se fosse necessária a
existência de uma banca julgadora para avaliar se aquela expressão cultural
está alinhada, ou não, aos padrões preestabelecidos pelo imperialismo. Acontece
que esse comportamento, no fundo, é um modo de impedir a acessibilidade de trabalhos
que possam desbancar o protagonismo dos países dominantes.
E por mais que se diga que tem
havido uma mudança nesse panorama, se ela de fato acontece, é algo bastante
lento. Afinal de contas, muito raramente, se vê o reconhecimento de trabalhos
oriundos de nações estranhas à bolha dos escolhidos. Aliás, o recorte temporal vigente,
inclusive, tende a recrudescer o comportamento imperialista, por conta da
expansão de um neofascismo contemporâneo.
O peso dado à exacerbação do
nacionalismo e o desprezo por intelectuais e artistas que não se enquadram aos
padrões preestabelecidos, tende a fazer com que muitas premiações, mundo afora,
se tornem um reduto privado de manifestação eurocêntrica egóica. Uma verdadeira
fogueira das vaidades, entre pares comuns!
Daí a necessidade urgente de assumirmos
o protagonismo sobre a valorização da nossa identidade cultural. São os
brasileiros as verdadeiras testemunhas oculares da desafiadora cruzada das artes
no país, para reconhecer o valor intrínseco à odisseia de se alcançar a
realização de um projeto. Portanto, tem que partir de nós a valorização da nossa
cultura, antes de qualquer aplauso ou reverência que chegue de fora.
Pois esse é o primeiro passo para
a ruptura com a reprodução da cultura estrangeira, que já se alonga por mais de
500 anos. Não, nós temos a nossa cultura! E ela é plural, é diversa, é rica! É
ela que aponta às nossas raízes, à nossa identidade, que diz exatamente quem
somos no mundo e para o mundo. Não, não precisamos de um viralatismo cultural! Não
precisamos ser mais ou ser menos que ninguém, em termos culturais.
Precisamos apenas ser quem somos.
Nos apropriar e nos encantar pela nossa historicidade, mesmo com suas
desventuras. Contar as nossas histórias pela nossa própria perspectiva, através
da nossa língua, da nossa gente. Segundo a poetisa e diplomata chilena,
Gabriela Mistral, “Todo o país escravizado por outro ou outros países, tem
na mão, enquanto souber ou puder conservar a própria língua, a chave da prisão
onde jaz”. Afinal, a língua materna é que nos abre os caminhos para
desbravar a nossa identidade cultural. Literatura. Teatro. Cinema. Dança.
Fotografia. Artes plásticas. Artes gráficas. Enfim...
O sociólogo e ativista dos direitos humanos, Herbert José de Sousa (Betinho), dizia com propriedade que “Um país não muda pela sua economia, sua política e nem mesmo sua ciência; muda sim pela sua cultura”. Mas, a sua e não, a do outro. Portanto, “Sem a cultura, e a liberdade relativa que ela pressupõe, a sociedade, por mais perfeita que seja, não passa de uma selva. É por isso que toda a criação autêntica é um dom para o futuro” (Albert Camus, escritor, filósofo e jornalista franco-argelino). Não nos esqueçamos: “Só seremos universais se conhecermos e amarmos nossa aldeia” (Liev Tolstói – escritor russo).