Conspiram
golpes. Conspiram anistias.
Por
Alessandra Leles Rocha
A conspiração em favor da anistia
aos envolvidos em toda a trama golpista, que culminou no 08 de janeiro de 2023,
é a manifestação explícita do ranço colonial brasileiro. Aos que ainda não se
deram conta, a Direita e seus matizes são frutos
das elites coloniais; sobretudo, do seu ideário retrógrado e da sua excessiva
soberba social.
Portanto, uma gente que se
entende acima do bem e do mal, nascida para ostentar uma superioridade
inabalável, a qual não precisa responder por quaisquer atos de incivilidade ou
de anticidadania. Acontece que só clama por perdão quem admite ter errado. O
que significa que não restam dúvidas, aos próprios envolvidos, a sua
responsabilidade em tais eventos.
Apesar de todas as regalias e
privilégios, os quais muitos desse grupo desfrutam, nada disso é prerrogativa
para absolvê-los de suas práxis ilícitas. Atentar contra a Democracia, à
Constituição Federal, às instituições e o país em si, não é fato banal. Essas
pessoas tentaram impor uma onda gigantesca de instabilidade ao cenário
nacional, que poderia ter tido um desfecho ainda mais tenebroso.
Tudo por conta de considerarem
que o país lhes pertence. Uma convicção desvirtuada em torno do direito de
propriedade, como tantas interpretações fajutas já manifestas sobre outros
assuntos. Por trás desse pensamento insano estão muitos descendentes diretos
das oligarquias históricas; mas, também, outros tantos que chegaram aos andares
superiores do poder, por força de novos arranjos das elites.
O certo é que se sentem uma casta
de escolhidos. E por essa razão, pensam que mandam e desmandam, no país, à
revelia das leis, das instituições, ou de quem quer que seja. Então, basta que
se sintam contrariados, por alguém ou alguma situação, eles abdicam dos bons
modos e da civilidade, para resolver tudo, segundo o seu próprio modus
operandi. Afinal, sob seu ponto de vista, pessoal e intransferível, eles
estão historicamente legitimados, para tal.
Entretanto, por sorte, depois de
pouco mais de 500 anos de história, de muitos giros e rodopios, o Brasil não é
mais o mesmo. Muita água rolou por debaixo das pontes, nesse país! E se a
Democracia ainda é muito jovem, por aqui, ela não parece concordar em fazer
vistas grossas aos insultos e violências que lhes são desferidos. Na verdade,
ela anda sem paciência com certos melindres e chiliques, de uns e outros. O que
a tem feito reunir muita gente que pensa da mesma forma e aspira pelo mesmo
desejo de colocar a história no seu devido lugar.
A ideia de passar a limpo, não
cabe. O que foi, já foi. Mas, o rescaldo triste e vergonhoso de tempos sombrios
e deploráveis, esse sim, pode construir uma consciência que não permite repetir
os velhos erros, trazendo uma oportunidade humanizada para o futuro. Por isso,
os chamados “donos da bola” não podem continuar botando banca,
transparecendo-se superiores, intimidando, constrangendo, humilhando, quem não
se rende ao seu vociferar mandão.
Veja, como tudo isso é uma
caricata reprodução dos nossos tempos coloniais. O mesmo comportamento
arbitrário, tirano, dominador, da Metrópole que nos colonizou, agora, serve de
modelo de inspiração para a Direita e seus matizes; sobretudo, os mais radicais
e extremistas. Até onde me lembro, poucas foram as Metrópoles, as quais, hoje,
na condição de importantes nações desenvolvidas, pediram anistia pelos seus
atos mais abomináveis, reprováveis, indignos, cometidos contra as suas
ex-colônias.
Talvez, porque sua própria
consciência lhes tenha feito perceber a dimensão da impossibilidade de clamar
por perdão oficial, considerando a brutalidade, a perversidade, a beligerância,
com que afetaram a vida de milhares de seres humanos indefesos, transformando o
curso de suas histórias, de maneira definitiva. O que nos faz perceber, como as tentativas de
esconder, de invisibilizar, de manipular, de distorcer a história são inócuas,
frente a robustez da memória em torno dos fatos em si.
A dinâmica da vida não se apaga, dadas as lembranças, as memórias, todo uma historicidade registrada. De modo que, em síntese, anistias têm efeito reverso. Elas são reafirmações e revivências do que se pretende esconder, ocultar, esquecer. Elas dizem em alto e bom tom a verdade indigesta dos fatos. Acontece que ao se anistiar indivíduos adultos, pessoas dotadas de consciência e responsabilidade cidadã, o Estado os infantiliza, ou seja, imputa-lhes uma incapacidade de assumir seus próprios erros. Uma brecha para que venham repetir sua má conduta, seu delito, uma outra vez. Portanto, é como disse Benjamin Franklin, “Tudo o que começa com raiva acaba em vergonha”.