quarta-feira, 12 de fevereiro de 2025

Conspiram golpes. Conspiram anistias.


Conspiram golpes. Conspiram anistias.

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

A conspiração em favor da anistia aos envolvidos em toda a trama golpista, que culminou no 08 de janeiro de 2023, é a manifestação explícita do ranço colonial brasileiro. Aos que ainda não se deram conta, a Direita e seus matizes são frutos das elites coloniais; sobretudo, do seu ideário retrógrado e da sua excessiva soberba social.

Portanto, uma gente que se entende acima do bem e do mal, nascida para ostentar uma superioridade inabalável, a qual não precisa responder por quaisquer atos de incivilidade ou de anticidadania. Acontece que só clama por perdão quem admite ter errado. O que significa que não restam dúvidas, aos próprios envolvidos, a sua responsabilidade em tais eventos.

Apesar de todas as regalias e privilégios, os quais muitos desse grupo desfrutam, nada disso é prerrogativa para absolvê-los de suas práxis ilícitas. Atentar contra a Democracia, à Constituição Federal, às instituições e o país em si, não é fato banal. Essas pessoas tentaram impor uma onda gigantesca de instabilidade ao cenário nacional, que poderia ter tido um desfecho ainda mais tenebroso.

Tudo por conta de considerarem que o país lhes pertence. Uma convicção desvirtuada em torno do direito de propriedade, como tantas interpretações fajutas já manifestas sobre outros assuntos. Por trás desse pensamento insano estão muitos descendentes diretos das oligarquias históricas; mas, também, outros tantos que chegaram aos andares superiores do poder, por força de novos arranjos das elites.

O certo é que se sentem uma casta de escolhidos. E por essa razão, pensam que mandam e desmandam, no país, à revelia das leis, das instituições, ou de quem quer que seja. Então, basta que se sintam contrariados, por alguém ou alguma situação, eles abdicam dos bons modos e da civilidade, para resolver tudo, segundo o seu próprio modus operandi. Afinal, sob seu ponto de vista, pessoal e intransferível, eles estão historicamente legitimados, para tal.

Entretanto, por sorte, depois de pouco mais de 500 anos de história, de muitos giros e rodopios, o Brasil não é mais o mesmo. Muita água rolou por debaixo das pontes, nesse país! E se a Democracia ainda é muito jovem, por aqui, ela não parece concordar em fazer vistas grossas aos insultos e violências que lhes são desferidos. Na verdade, ela anda sem paciência com certos melindres e chiliques, de uns e outros. O que a tem feito reunir muita gente que pensa da mesma forma e aspira pelo mesmo desejo de colocar a história no seu devido lugar.

A ideia de passar a limpo, não cabe. O que foi, já foi. Mas, o rescaldo triste e vergonhoso de tempos sombrios e deploráveis, esse sim, pode construir uma consciência que não permite repetir os velhos erros, trazendo uma oportunidade humanizada para o futuro. Por isso, os chamados “donos da bola” não podem continuar botando banca, transparecendo-se superiores, intimidando, constrangendo, humilhando, quem não se rende ao seu vociferar mandão.

Veja, como tudo isso é uma caricata reprodução dos nossos tempos coloniais. O mesmo comportamento arbitrário, tirano, dominador, da Metrópole que nos colonizou, agora, serve de modelo de inspiração para a Direita e seus matizes; sobretudo, os mais radicais e extremistas. Até onde me lembro, poucas foram as Metrópoles, as quais, hoje, na condição de importantes nações desenvolvidas, pediram anistia pelos seus atos mais abomináveis, reprováveis, indignos, cometidos contra as suas ex-colônias.

Talvez, porque sua própria consciência lhes tenha feito perceber a dimensão da impossibilidade de clamar por perdão oficial, considerando a brutalidade, a perversidade, a beligerância, com que afetaram a vida de milhares de seres humanos indefesos, transformando o curso de suas histórias, de maneira definitiva.  O que nos faz perceber, como as tentativas de esconder, de invisibilizar, de manipular, de distorcer a história são inócuas, frente a robustez da memória em torno dos fatos em si.

A dinâmica da vida não se apaga, dadas as lembranças, as memórias, todo uma historicidade registrada. De modo que, em síntese, anistias têm efeito reverso. Elas são reafirmações e revivências do que se pretende esconder, ocultar, esquecer. Elas dizem em alto e bom tom a verdade indigesta dos fatos. Acontece que ao se anistiar indivíduos adultos, pessoas dotadas de consciência e responsabilidade cidadã, o Estado os infantiliza, ou seja, imputa-lhes uma incapacidade de assumir seus próprios erros. Uma brecha para que venham repetir sua má conduta, seu delito, uma outra vez. Portanto, é como disse Benjamin Franklin, “Tudo o que começa com raiva acaba em vergonha”.