sexta-feira, 3 de janeiro de 2025

Saúde Mental ... (Janeiro Branco - Mês de Conscientização da Saúde Mental)


Saúde mental ...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Embora a saúde mental ainda seja um tabu para uma imensa maioria da população, não há como se abster de discutir esse assunto; sobretudo, na contemporaneidade. Distúrbios e transtornos mentais sempre estiveram presentes na historicidade humana; mas, em razão da carência de embasamento científico adequado, foram prejudicados em seus protocolos de cuidados, gerando uma série de preconceitos e estereotipizações, as quais ainda não foram totalmente superadas.

Considerando que nem todos os distúrbios e transtornos mentais têm causa estritamente orgânica, o componente socioambiental vem cada vez mais se tornando objeto de análise e de atenção por diversos campos da ciência. Afinal de contas, a mente exerce sobre as subjetividades humanas um papel fundamental, incluindo, a própria modelagem identitária dentro do contexto social. Todo indivíduo almeja pela aceitação, pelo pertencimento e pelo reconhecimento, ao longo de todo o seu trânsito pelos espaços sociais.

Algo que é bastante desafiador, tendo em vista, o sistema de trocas e abnegações que se tornam necessárias para caber, de alguma forma, dentro dessas estruturas. Isso significa que o indivíduo é levado pelas conjunturas sociais a um processo de manipulação identitária. De modo que ele passa a ser povoado por diferentes personagens, segundo as imposições sociais que se fazem necessárias. O que é, sem dúvida alguma, muito desgastante e doloroso.

E pensando sobre a realidade contemporânea, essas questões se agigantam e se aprofundam consideravelmente. A sociedade de consumo consolidou um perfil de seres humanos despojados totalmente da sua identidade, para servir sob total obediência, aos protocolos sociocomportamentais por ela estabelecidos. Razão pela qual os indivíduos foram aprisionados em uma estrutura de tarefas, obrigações, compromissos, altamente extenuante; mas, essencial para a aquisição de recursos que satisfaçam ao consumo e a ostentação de seus, bens, produtos e serviços.

Acontece que, enquanto o ser humano se torna uma vitrine desse modelo social, ele é destituído, muitas vezes, à revelia de sua própria consciência, da sua condição humana existencial. O que sente, o que pensa, o que sofre, o que deseja, o que sonha, ... deixou de ser prioridade para milhões de pessoas. Elas vivem uma identidade, ou várias, dependendo da situação, que não traduz quem realmente são. Suas crenças, seus valores, seus princípios, seus sentimentos, suas emoções, tudo está condicionado às imposições das materialidades do mundo. Inevitavelmente, isso irá produzir vazios existenciais que refletem fastios, frustrações, melancolias, angústias, ... difíceis de serem curadas.

Não é à toa que essa violência, produzida contra si mesmo, é tão perigosa! Ora, o ser humano está tão incorporado ao frenesi do mundo contemporâneo, que ele desaprendeu a ser. Tudo o que ele faz e pensa é em função do TER, que lhe parece ser o único passaporte capaz de assegurar a aceitação, o pertencimento e o reconhecimento social. Afinal, esse é o ópio que anestesia os seus vazios, as suas solidões; visto que, ele não se conhece e, portanto, a sua verdadeira identidade não pode lhe completar. Ela é uma estranha.  E essa percepção aprofunda o seu adoecimento mental. Por isso os vícios, as compulsões, as automutilações, os suicídios.   

Muitos temem as violências do mundo; mas, a violência produzida contra si mesmo não é menos grave ou letal. Veja, “De acordo com a OMS (Organização Mundial da Saúde), a cada ano, mais de 700 mil pessoas perdem a vida para o suicídio em todo o mundo, sendo que 77% dos casos ocorrem em países de baixa e média renda. O suicídio é a quarta causa de morte entre pessoas de 15 a 29 anos. Para cada suicídio, estima-se que ocorrem outras 20 tentativas. A maioria dos casos está relacionada a transtornos mentais, como a depressão, em primeiro lugar, seguida do transtorno bipolar e do abuso de substâncias” 1.

É inquestionável a necessidade de discussão, ampla e objetiva, sobre a saúde mental na contemporaneidade. Porém, só isso não adianta. É preciso rever as estruturas sociais; sobretudo, aquelas que dão corpo e impulso para as pretensões e objetivos vorazes da sociedade de consumo. O adoecimento mental da população aponta para o iminente extermínio da vida, a partir da engenhosidade obscura de certas práxis necropolíticas.  Os cérebros estão sendo levados à exaustão, tanto quanto os corpos. Depressão. Ansiedade. Síndrome de Burnout. Estresse Ocupacional. ...  As pessoas não desfrutam mais da sua dignidade existencial. E em nome de quê? Como escreveu Jiddu Krishnamurti, “Não é sinal de saúde estar bem adaptado a uma sociedade doente”.

2025 está só começando e a Campanha do Janeiro Branco 2 pode ser a grande oportunidade de desconstrução do tabu sobre a saúde mental. Falar sobre o tema pode ajudar milhões de pessoas a reconhecerem as suas fragilidades, as suas vulnerabilidades, os seus desconfortos, e a buscar caminhos para superá-los. Aliás, o diálogo é o ponto de partida para desconstruir as barreiras, os obstáculos, não só aproximando uns aos outros; mas, principalmente, resgatando a capacidade de exercitar a empatia, a solidariedade, o afeto, o respeito, a humanidade em si.

Bem, é desse processo que a saúde mental se desmistifica; pois, se torna possível entender que os “Problemas de saúde mental não definem quem você é. Eles podem ser intensos. Eles podem ser esmagadores.  Mas eles são algo que você experimenta – e não quem você é. Do mesmo modo que você pode andar na chuva, sentir a chuva, deixar que ela te encharque até os ossos – mas, ainda assim, você não é a chuva” (Matt Haig). Uma descoberta extremamente pacificadora e libertadora, que acolhe e humaniza qualquer um que dependa desse afago social.