sábado, 9 de março de 2024

Nem tudo é culpa do governo!


Nem tudo é culpa do governo!

  

Por Alessandra Leles Rocha

 

É natural que as pessoas se sintam incomodadas pelos acontecimentos que as impactam diretamente ou que remetam a um histórico de experiências semelhantes. Nesse sentido, especialmente entre a população mais idosa, a inflação dos preços é uma velha conhecida e facilmente percebida, quando vão aos mercados e supermercados, semanalmente.

No entanto, o (a) brasileiro (a), em uma grande maioria, ainda carece de entendimento sobre as verdadeiras razões que levam à carestia. Se por um lado existem componentes diretamente ligados aos rumos da governança do país, tais como expectativas inflacionárias, maior emissão de moeda ou excesso de gastos públicos, por outro, o que interfere na inflação é a alta demanda, o aumento dos custos de produção, os eventos extremos do clima e os cenários exportadores e importadores.

Portanto, esse é um entendimento fundamental para todos os cidadãos. É preciso separar o joio do trigo, do que acontece no cotidiano nacional. Começando pelo fato de se abster das antipatias ou resistências a certos governos; pois, cada gestão pública não acontece somente pela perspectiva das plataformas políticas, personificadas na figura de um determinado indivíduo.

Na verdade, como tudo na vida, as conjunturas vão se alinhando, segundo os acontecimentos que se desenham no horizonte. Nem tudo é responsabilidade, única e exclusiva, de fulano, beltrano ou sicrano, como insistem em fazer parecer uns e outros, por aí.

Considerando que as economias globais são atreladas diretamente aos cenários geopolíticos, a todo instante o país pode ser surpreendido por reverberações de episódios ocorridos além de suas fronteiras.

Vejam, por exemplo, que no momento atual, o mundo vive sob a tensão de duas guerras. E elas têm sim, impactado o transporte e o escoamento da produção de alimentos, de insumos agrícolas e de petróleo, pressionando os preços no mercado internacional.

Porém, não bastasse essa realidade, os eventos extremos do clima têm sido devastadores sobre a produção de alimentos e, por consequência,  sobre a alimentação dos seres humanos.

Tanto que já se trata de “um tema recorrente em estudos e relatórios, como os elaborados pelos cientistas do IPCC (Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas da ONU). Com o aumento da temperatura, as secas serão cada vez mais frequentes e intensas e grandes tempestades levarão à quebra de safras, à diminuição de produção e, consequentemente, ao aumento dos preços dos alimentos. Além disso, estudos indicam que o ar mais quente resulta na produção de cereais menos nutritivos” 1.

E não é fácil admitir que, nesse enfoque, cada cidadão carrega o peso da sua responsabilidade a respeito. O negacionismo científico presente nas discussões socioambientais atrasou muito a tomada de decisões que evitassem a realidade que vivemos no século XXI.

Infelizmente, não basta mais ter o dinheiro para comprar alimentos, porque não há diversidade, qualidade ou quantidade suficientes para atender as demandas sociais.

Pois é, o encantamento diante das imagens dos grandes cinturões agrícolas, que vendiam a ideia de expansão da produção de alimentos, como uma promessa de combate à fome e à miséria, no fim das contas, acabou se revelando um inimigo silencioso da humanidade.

Primeiro, porque as promessas não foram cumpridas. Grandes safras não resultaram no fim da insegurança alimentar no planeta. Segundo, porque a existência desses cinturões implicou necessariamente no desmatamento de biomas importantes, no assoreamento de cursos d’água, no uso indiscriminado de agrotóxicos e outros insumos nocivos aos seres vivos.

E hoje, mesmo com todo o aparato tecnológico utilizado por grandes produtores, o cenário da produção de alimentos e da alimentação dos seres humanos, se encontra cada vez mais impactada pela fúria dos eventos extremos do clima.

Não há ciência ou tecnologia capaz de conter ou de minimizar os reflexos dos longos anos de degradação ambiental sobre o planeta, simplesmente, porque a produção de grãos, verduras, legumes, frutas, mel, animais, sempre dependeu diretamente do equilíbrio ambiental. O que significa chuva, vento, umidade, calor, luz solar, em quantidade, qualidade e tempo certos.

Quando esse equilíbrio é rompido, se torna inevitável que diante de episódios de geadas, períodos de seca e excesso de chuva, ocorridos de forma desordenada e fora das safras habituais, haja também a degradação das áreas cultiváveis, obrigando os produtores a reverem suas estratégias de plantio.

O que significa que algumas áreas serão abandonadas, outras serão adaptadas, portanto, haverá prejuízos significativos na produtividade, ou seja, um desequilíbrio na lei da oferta e da procura de alimentos.

Caro (a) leitor (a), somos mais de 200 milhões de habitantes no Brasil; mas, olhando para o mundo, a população ultrapassa 8 bilhões de vidas. A grande questão é que todas elas precisam de água, de alimento e de abrigo, como necessidades fundamentais para sobreviver.

Entretanto, as conjunturas locais e globais estão impossibilitando a acessibilidade delas a esse direito. Especialmente, por conta dos eventos extremos do clima, que afetam a geografia do mundo de maneira avassaladora e, muitas vezes, irrecuperável.

É imperioso que todos se engajem nessa conscientização, em especial, os veículos de comunicação e de informação. Ser claro, objetivo e didático é certamente a grande arma contra a desinformação contemporânea; bem como, a grande missão para arrefecer as tensões e as polarizações político-ideológicas, em um mundo já tão conturbado. Ora, nem tudo é culpa do governo!

Afinal, o próprio Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), na divulgação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), no mês de fevereiro, explicou que “fatores climáticos foram os principais motivos que causaram o aumento no preço dos alimentos no começo de 2024. ‘O aumento nos preços dos alimentos é relacionado, principalmente, à temperatura alta e às chuvas mais intensas em diversas regiões produtoras do país’” 2.

Portanto, não nos esqueçamos de que esses são tempos para a busca de soluções, de gestos mitigadores, para distensionar os problemas socioambientais que se agigantam diante de nossos olhos.

Cada pessoa que morre de fome, de sede ou desabrigada, em todo o planeta, há um pouco da nossa desumanidade, do nosso negacionismo, da nossa indiferença, direta ou indiretamente constituída.

Acontece que soluções só nascem a partir do factual, da realidade. De modo que as discussões a esse respeito precisam se despir, se abster, de todas as inverdades, distorções e mentiras, que são despejadas em profusão através das mídias sociais.   

Se nada for feito, a tendência da realidade contemporânea é que ela se agrave cada vez mais. O adoecimento e o empobrecimento já são perspectivas para o futuro da humanidade.

Nesse viés, então, a sociedade pode e deve trabalhar em favor de conter a inflação e a insegurança alimentar. Seja não cedendo às pressões dos preços. Seja consumindo produtos de ocasião, que são mais baratos. Seja não desperdiçando alimentos. Seja incentivando a construção de hortas comunitárias. Seja buscando projetos de educação alimentar e nutricional aliados à economia e à sustentabilidade, os quais incentivam o aproveitamento integral de frutas, verduras e legumes 3.



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