segunda-feira, 25 de março de 2024

A morte não é mesmo o fim...


A morte não é mesmo o fim...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

É, a morte não é mesmo o fim. Especialmente, quando ela chega através do crime. A morte criminosa é uma história que não tem ponto final, ela tem reticências que reverberam os acontecimentos, à revelia de quem quer que seja. Como se a verdade precisasse ser digerida, processada, diversas vezes, até esgotar o seu limite. Não é à toa que dentro do universo jurídico há quem não se canse de afirmar que não exista crime perfeito.

Não mesmo! Crimes não são solução de nada. Quase sempre, eles amplificam as situações de maneira terrível e irreversível. Haja vista os crimes de natureza política. Não se manda “recado” através de uma figura pública. Figuras públicas nunca estão sós. Há sempre um rol de seguidores, de apoiadores, de simpatizantes, dispostos a prosseguir defendendo suas ideias, seus projetos, seu legado.

Acontece que não para por aí. Mortes criminosas levantam suspeitas, especulações, teorias da conspiração, ... que visam, única e exclusivamente, obter respostas claras e objetivas em relação aos fatos ocorridos. Portanto, elas causam de imediato um desassossego, uma aflição, uma angústia, fazendo emergir uma corrente investigativa de amplo espectro. Quase como um trabalho de formiguinhas.

Assim, a morte não é só a morte; sobretudo, quando é criminosa. É como diz a expressão popular, “Atira no que viu e acerta no que não viu”; pois, verdade seja dita, todo crime se deita sobre uma cama de promiscuidade social. Uma teia de ligações perigosas, de interesses, de poderes, de ambições, de regalias e de privilégios, que não podem ser desestabilizadas por nada nem por ninguém.

Essa é a razão que explica o frisson em torno da prisão dos suspeitos de terem assassinado a ex-vereadora carioca, Marielle Franco, e seu motorista, Anderson Gomes 1. Considerando o histórico brasileiro, que desenhou uma estrutura social muito bem definida, na qual o poder econômico de uma ínfima minoria é o que determina os rumos do país, o Brasil não é um país de todos; mas, de muito poucos.

E são esses, dotados de todas as prerrogativas sociais elitistas, que mandam e desmandam, que fazem e acontecem, nutridos de uma consciência de profunda importância social. Sentem-se acima do bem e do mal. Superiores. Inatingíveis. Extraordinários. Distintos. ...

Eis que, de repente, neste caso, a consciência de que houve um crime político se expande para entender que o criminoso é o próprio Estado brasileiro. Todas as figuras envolvidas, apontadas direta ou indiretamente, estão relacionadas ao poder estatal. Como num passe de mágica, Marielle se tornou apenas a ponta de um iceberg que desnuda o gigantesco bloco a representar as mais abjetas e nefastas relações sociais, políticas e institucionais, brasileiras.

Estado, polícias, milícias, crime organizado, contravenção, ... tudo junto e misturado, ao melhor estilo novelístico nacional. Aliás, a última cena do filme Tropa de elite 2: O inimigo agora é outro 2, de 2010, já mostrava isso com muita propriedade!

Não é à toa que o modelo de organização de poder, no país, transcorra dessa forma. Essa é uma estrutura histórica, de pouco mais de 500 anos. O que lhe garante é o capital, independentemente da sua origem. Portanto, o poder capital foi e é o fiador absoluto de todos os demais poderes e influências, no país.   

Isso explica, por exemplo, o imenso desafio em se combater a corrupção nacional, na qual uma das suas manifestações mais contundentes é o fisiologismo político. Que nada mais é do que permitir estabelecer um tipo de relação de poder, em que as ações e decisões são pautadas pela troca de favores, favorecimentos e inúmeros outros tipos de benefícios a interesses privados, em prejuízo do bem comum. Afinal de contas, o poder capital também é o fiador da impunidade nacional.

Nesse sentido, a prisão dos suspeitos do Caso Marielle Franco encerra um capítulo; mas, não encerra a história. Porque as vísceras do poder capital estão à mostra. A dinâmica da teia de ligações perigosas, de interesses, de poderes, de ambições, de regalias e de privilégios, foi revelada; mas, não foi interrompida.

O que significa que permanece, pairando no ar, especialmente, em anos eleitorais, o risco de que as velhas práxis criminosas possam operar. Basta que se sintam ameaçados de alguma forma, dando início a uma nova saga de apurações e responsabilizações, mantendo a ideia desse ciclo vicioso nacional.

Assim, sinto que a síntese dessas horas cabe, perfeitamente, nas palavras do Padre Antônio Vieira, no século XVII, “Há seres humanos que são como velas; sacrificam-se queimando-se para dar luz aos outros”. Marielle cumpriu esse papel. Trouxe luz. Trouxe verdade. Trouxe reflexão. Trouxe indignação. Nesse contexto, então, “A questão não é se existe vida depois da morte. A questão é se você viveu antes da morte” (Osho). E ela não só viveu, como permanece vivendo. Porque a morte não é mesmo o fim.

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