segunda-feira, 19 de fevereiro de 2024

A arte da palavra


A arte da palavra

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Não se trata de estabelecer juízo de valor entre certo ou errado; mas, penso que a análise reflexiva precise transitar por um outro caminho. Afinal, nervos à flor da pele nunca foram bons conselheiros em nenhuma situação.

Com tanta gente pisando em ovos para falar sobre a guerra que se estabeleceu após o ato do grupo extremista Hamas contra Israel, em outubro de 2023, já se tem uma franca percepção de quem pode e quem não pode falar a respeito.

Assim, não sei se todo o mal-estar diplomático gerado pela fala do Presidente da República brasileiro deriva necessariamente do que foi dito 1.

Considerando outros equívocos, deslizes ou imprudências, por ele cometidos, os quais também geraram tensão no cenário internacional, fato é que a postura pouco contida de um país em desenvolvimento sempre incomoda o protagonismo das grandes potências globais e seus aliados de primeira ordem.

Daí o fato de o embaixador brasileiro em Israel ter sido submetido a uma reprimenda pelo governo de Israel, em pleno Memorial do Holocausto, e anunciado que o Presidente da República brasileiro era persona non grata naquele país 2.

Ora, o governo de Israel conhece bem o histórico das relações diplomáticas estabelecidas com o Brasil. Portanto, não há razões para uma visita ao Memorial do Holocausto senão desqualificar o governo brasileiro quanto ao assunto.

De modo que a indignação de Israel buscou depreciar o governo brasileiro, tomando medidas que excederam as práxis diplomáticas comuns a uma situação como a ocorrida.

Embora, momentaneamente isolado, o governo israelense desfruta de apoio das grandes potências globais, ainda que obrigado a aceitar críticas e objeções das mesmas.

O que significa que a voz dos grandes impérios permanece retumbando na contemporaneidade, em razão da força do seu poder capital e bélico.

Portanto, parece ser esse o ponto determinante para estabelecer não só as opiniões; mas, sobretudo, o tom que elas podem ser proferidas.

Imagino que, diante da participação direta de muitos desses países no contexto da 1ª e 2ª Guerra Mundial, não haveria alguma consideração na mesma linha do Presidente da República brasileiro.

O que não significa que outros apontamentos, não menos indigestos e desconfortáveis, deixariam de ser feitos em relação à postura de Israel no conflito atual.

Mas, em relação a esses países, a postura de Israel seria bem mais alinhada à cordialidade das práxis diplomáticas. Os interesses pesam muito, nesses casos!

Além disso, poderia se pensar que a fala do Presidente da República brasileiro abre um precedente de legitimidade discursiva a outros países menos ligados a Israel.

Afinal de contas, a própria região do Oriente Médio convive com uma série de tensões geopolíticas importantes, muitas delas relacionadas ao papel desempenhado pelo governo israelense.

Assim, se a escalada de guerra proposta por Israel persistir, o desalinhamento discursivo tenderia a se acentuar e subir o tom com mais veemência. Mas, creio que isso seja improvável.

Seja como for, diante desse breve exposto, parece oportuno que a busca por um protagonismo discursivo internacional, por parte do governo brasileiro, esteja atento aos ruídos desnecessários.

O Brasil pode e deve sempre se manifestar. Tem milhares de razões para defender esse lugar de representatividade. Mas, como toda linguagem que se preze, a diplomacia merece ajustes e escolhas melhor definidas, precisas, para não se deixar arranhar e comprometer seus objetivos.

Afinal de contas, o silenciamento, seja ele de que natureza for, proposto por quem quer que seja, é sempre um fracasso para a Democracia, para a diplomacia, para a cidadania.

É na prática das linguagens, dos discursos, que as ideias e as intenções se (des) constroem, se (re) significam, se lapidam. Porque silenciar é impedir qualquer fluxo de diálogo!

Assim, finalizo com essa reflexão maravilhosa, que diz: “Podemos maquiar algumas respostas ou podemos silenciar sobre o que não queremos que venha à tona. Inútil. A soma dos nossos dias assinará este inventário. Fará um levantamento honesto. Cazuza já nos cutucava: suas ideias correspondem aos fatos? De novo: o que a gente diz é apenas o que a gente diz. Lá no finalzinho, a vida que construímos é que se revelará o mais eficiente detector de nossas mentiras” (Martha Medeiros).     

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