segunda-feira, 30 de outubro de 2023

A energia vital em seu (des)equilíbrio


A energia vital em seu (des)equilíbrio

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

O cenário do mundo contemporâneo me trouxe uma reflexão importante. Enquanto o instinto de preservação da espécie, ou seja, o senso de coletividade trabalha em comunhão com o equilíbrio natural da dinâmica da vida, o individualismo egóico narcisista se nutre do desequilíbrio.

E isso nada tem a ver com disputa, qual tendência irá prevalecer. Talvez, por uma lógica já consagrada, o equilíbrio tem uma certa vantagem porque está presente desde a estrutura biológica mais simples. Mas, não só por isso. O consumo energético vital imposto pelos sistemas de caos são insustentáveis.

Guerras, conflitos, destruição, ... tudo isso demanda um fluxo de energia incomensurável, o qual inclui, necessariamente, as energias presentes nos corpos. Já experimentou observar o quão cansado você fica após uma discussão acalorada? É como se a energia fosse totalmente exaurida no sopro de uma explosão, deixando o corpo, a mente e o espírito sob um cansaço indescritível.

De modo que as situações caóticas vão repercutindo sobre os indivíduos de uma maneira, em tese, imperceptível; mas, na prática, evidentes. O adoecimento da humanidade é uma realidade factual e que pode ser observada sob diferentes formas e conteúdos. Lendo a matéria “Travessias de imigrantes: ‘o delírio é tanto que alguns pulam achando que chegaram à terra firme e morrem afogados’” 1, não pude deixar de pensar a respeito.

Não são as situações de escassez, de inacessibilidade ou de privação da dignidade humana, exclusivamente, as responsáveis em si pelo adoecimento da humanidade. Elas têm a sua parcela importante e significativa nesse processo. No entanto, é do caos emergido da luta diária e intensa pela sobrevivência que milhões de seres humanos têm consumido de maneira arbitrária e brutal a sua energia. Seja pelos deslocamentos forçados, ou pela angústia aflitiva por um amanhã, ou pelas rupturas socioafetivas, ou pela desconstrução identitária, ...

A verdade é que cada indivíduo acabou se tornando o exército de um homem só, no grande desafio de preservar a si mesmo. E isso extrapola a capacidade humana natural de ser. Pensar em tudo. Resolver tudo. Estar sempre de prontidão.  É assim que os corpos se esgotam. Em razão de uma fadiga intensa para qual não foram preparados.

Na tentativa de se enquadrar às regras do jogo social contemporâneo, o ser humano foi lançado às arenas, à revelia da sua própria anuência. Ele está cativo de uma realidade, para a qual ele não foi preparado; sobretudo, o seu corpo. Com menos horas de sono, de descanso, de silêncio, de lazer, de higiene mental, ... os indivíduos vão sendo sugados até a última gota do seu equilíbrio físico, mental e espiritual.

Por favor, não se engane com o argumento de que a expectativa de vida aumentou! Porque essas questões passam à margem dos avanços médico-científicos contemporâneos. Remédios, terapias, tratamentos, são incapazes de atuar no cerne dessa questão. Haja vista como as projeções estatísticas têm sinalizado um mundo envelhecendo rapidamente, como apontou o recente Censo Demográfico brasileiro 2.

Não é à toa, por exemplo, que nos grandes centros urbanos a expectativa de vida decresce, sob o peso dos rigores das conjunturas socioeconômicas sobre a dignidade humana.  O envelhecimento nessas regiões sofre a influência direta de fatores externos que catalisam a degradação dos corpos. Tanto que a aparência de muitos indivíduos destoa da própria faixa etária, dada a intensificação do seu esgotamento.

O desalinhamento em relação ao eixo de equilíbrio está colocando a raça humana em xeque-mate. As vidas começam a ser ceifadas antes mesmo que uma bomba, um míssil, um tiro, uma facada, ou qualquer outra manifestação de beligerância, seja deflagrada. Elas estão se autoimplodindo, em razão da sua exaustão energética. Os corpos estão se deteriorando em nome de uma pseudossobrevivência. Como se fosse possível esticar os limites indefinidamente.

As perguntas em torno dessa reflexão passam inevitavelmente, pelo porquê. Por que nos rendemos à desumanidade? Por que somos tão individualistas? Por que estamos tão enfastiados? Por que queremos sempre uma novidade? Por que ...?

Assim, paremos por um instante e pensemos no que escreveu Lya Luft, “A vida não tece apenas uma ideia de perdas, mas nos proporciona uma sucessão de ganhos. O equilíbrio da balança depende muito do que soubermos e quisermos enxergar”.  Pelo menos, nessa situação, a escolha ainda pode ser nossa.  

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