segunda-feira, 17 de outubro de 2022

Pautas de Costumes. Será mesmo que elas cabem no século XXI?


Pautas de Costumes. Será mesmo que elas cabem no século XXI?

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

 

Antes mesmo que decantassem as primeiras ideias, após o primeiro debate presidenciável do segundo turno, entre as análises dos veículos de informação e comunicação chamou-se atenção o apontamento para uma certa influência que as pautas de costume têm exercido dentro de uma das campanhas.

Então, me coloquei a pensar a respeito a fim de formular minhas próprias percepções e conclui que não se trata necessariamente de desempenharem um papel de relevância maior do que as discussões sobre a realidade nacional. O que ocorre é que elas têm sim, um imenso potencial para se tornarem cortinas de fumaça não apenas para uma certa candidatura, mas para o seu próprio espectro eleitoral.

É preciso entender que elas funcionam como agentes de entretenimento que desviam o foco de tudo aquilo que não se quer efetivamente discutir. São, portanto, verdadeiros “bois de piranha”! Mas, por que razão se fazem necessárias em tempo eleitoral? Bem, primeiramente é notório que elas estejam a serviço da ultradireita, como sempre estiveram historicamente. As pautas de costumes são instrumentos de controle e de poder, já consagrados, na medida em que tecem a narrativa do medo que é sensível a muitos eleitores.

Por outro lado, elas colaboram com a dissimulação social, ou seja, elas ocultam as reais intenções e sentimentos que movem algumas pessoas a apoiarem essas ideias. Ora, por mínimo que seja, todo indivíduo é dotado de capacidade para saber o que é certo ou errado, bom ou ruim. Acontece que a efervescência que tomou os espaços sociais contemporâneos, as transformações decorrentes desses processos, vêm implicando em uma desconstrução e ressignificação paradigmática muito mais crítica e reflexiva.

Quem nunca ouviu falara sobre o politicamente correto, hein? Pois é. Confrontando a construção ideológica a respeito de uma vida livre, sem limites, sem amarras, o politicamente correto prova de maneira irrefutável a impossibilidade de conviver e coexistir sob essas premissas. Considerando que ninguém é uma ilha, por mais que se queira negar ou invisibilizar a existência do outro, não importa, ele existe.

Diante disso, a consciência humana foi instada a frear as deselegâncias, os arroubos, as ignorâncias, em nome de uma consciência em torno da alteridade traduzida pelo respeito, com vistas a preservar o equilíbrio e a sensatez pacificadora no âmbito coletivo. Entretanto, essa desconstrução não tem a capacidade de transformar de maneira absoluta certos valores, princípios, e convicções dos indivíduos. Ela alcança até um certo limite, como se tivesse sido submetida a um processo de domesticação. Contudo, sempre há a iminência de uma eventual fuga de controle.

Então, quando uns e outros se rendem às pautas de costumes, quase que de maneira voluntária e subserviente, é porque essas ideias lhes soam pacificadoras da sua própria inquietude. Na verdade, elas favorecem dissimular o que realmente reside no seu íntimo. Postados em seus pseudopedestais, desfrutando de todas as regalias e privilégios que se consideram proprietários, esses indivíduos não querem nem saber de nada que diga respeito às demandas sociais de uma imensa maioria de vulneráveis e esquecidos.

Mas, dizer isso abertamente seria ferir o politicamente correto. Por isso, eles se valem dessa via alternativa das pautas de costumes para se apropriar de uma justificativa, ainda que frágil e rota, e encerrar quaisquer discussões. A adesão às pautas de costumes não implica necessariamente em segui-las ao pé da letra, não! Acontece que, enquanto estão imersos nelas, restringem-se os espaços para outros questionamentos, que seriam possivelmente muito mais indigestos e constrangedores.

Pena, que isso seja apenas uma falsa e equivocada impressão! Não há como sobreviver nesse mundo contemporâneo, a partir de idealizações. Por mais que as pessoas queiram acreditar que estão a salvo sob a armadura das pautas de costumes, o mundo real não deixa de existir e de demandar a todo instante uma decisão, um posicionamento, uma atitude, um comportamento. Afinal de contas, a atual realidade tem imposto cada vez mais a necessidade de humanização, no que diz respeito a furar certas bolhas de individualismo, de narcisismo, que se estabeleceram historicamente.

O poder das conjunturas está sim, cada vez maior. Elas estão comprimindo a humanidade em diferentes direções e sentidos, à revelia do que pensam ou queiram uns e outros, por aí. Vamos e convenhamos que não há um ser humano sequer vivendo apenas sob os eventos das venturas da vida. Aqui, ali e acolá, cada um tem experimentado uma dose generosa de desventuras, de aflições, de mazelas, que no fim das contas igualam a todos a uma mesma condição existencial, na medida em que subtraem as certezas em nome de uma imprevisibilidade acachapante.  

Lamento; mas, nem sempre o hábito faz o monge! Então, por mais que as pautas de costumes pareçam estar arrastando a humanidade em efeito manada, essas ideias não são suficientemente consistentes para cumprir o papel que imaginam poder desempenhar. Lhes falta coesão. Lhes falta coerência. Lhes falta significância. Lhes falta unidade. Elas parecem iguais na teoria; mas, na prática são totalmente dissonantes. Porque, por excelência, ninguém é igual. Ninguém pensa igual. Ninguém age igual. Porque cada um tem suas próprias arestas a esbarrar com essas ideias. E a mais simples e objetiva de todas as explicações está no fato de que o Brasil é feito de distintos micro Brasis, divinos e maravilhosos na sua pluralidade, na sua diversidade, na sua identidade. Então...