Pautas
de Costumes. Será mesmo que elas cabem no século XXI?
Por
Alessandra Leles Rocha
Antes mesmo que decantassem as primeiras
ideias, após o primeiro debate presidenciável do segundo turno, entre as
análises dos veículos de informação e comunicação chamou-se atenção o
apontamento para uma certa influência que as pautas de costume têm exercido
dentro de uma das campanhas.
Então, me coloquei a pensar a
respeito a fim de formular minhas próprias percepções e conclui que não se
trata necessariamente de desempenharem um papel de relevância maior do que as
discussões sobre a realidade nacional. O que ocorre é que elas têm sim, um imenso
potencial para se tornarem cortinas de fumaça não apenas para uma certa candidatura,
mas para o seu próprio espectro eleitoral.
É preciso entender que elas
funcionam como agentes de entretenimento que desviam o foco de tudo aquilo que
não se quer efetivamente discutir. São, portanto, verdadeiros “bois de piranha”! Mas, por que razão se
fazem necessárias em tempo eleitoral? Bem, primeiramente é notório que elas
estejam a serviço da ultradireita, como sempre estiveram historicamente. As pautas
de costumes são instrumentos de controle e de poder, já consagrados, na medida
em que tecem a narrativa do medo que é sensível a muitos eleitores.
Por outro lado, elas colaboram
com a dissimulação social, ou seja, elas ocultam as reais intenções e
sentimentos que movem algumas pessoas a apoiarem essas ideias. Ora, por mínimo que
seja, todo indivíduo é dotado de capacidade para saber o que é certo ou errado,
bom ou ruim. Acontece que a efervescência que tomou os espaços sociais contemporâneos,
as transformações decorrentes desses processos, vêm implicando em uma desconstrução
e ressignificação paradigmática muito mais crítica e reflexiva.
Quem nunca ouviu falara sobre o
politicamente correto, hein? Pois é. Confrontando a construção ideológica a
respeito de uma vida livre, sem limites, sem amarras, o politicamente correto
prova de maneira irrefutável a impossibilidade de conviver e coexistir sob
essas premissas. Considerando que ninguém é uma ilha, por mais que se queira
negar ou invisibilizar a existência do outro, não importa, ele existe.
Diante disso, a consciência humana
foi instada a frear as deselegâncias, os arroubos, as ignorâncias, em nome de
uma consciência em torno da alteridade traduzida pelo respeito, com vistas a
preservar o equilíbrio e a sensatez pacificadora no âmbito coletivo. Entretanto,
essa desconstrução não tem a capacidade de transformar de maneira absoluta
certos valores, princípios, e convicções dos indivíduos. Ela alcança até um
certo limite, como se tivesse sido submetida a um processo de domesticação.
Contudo, sempre há a iminência de uma eventual fuga de controle.
Então, quando uns e outros se
rendem às pautas de costumes, quase que de maneira voluntária e subserviente, é
porque essas ideias lhes soam pacificadoras da sua própria inquietude. Na
verdade, elas favorecem dissimular o que realmente reside no seu íntimo.
Postados em seus pseudopedestais, desfrutando de todas as regalias e privilégios
que se consideram proprietários, esses indivíduos não querem nem saber de nada
que diga respeito às demandas sociais de uma imensa maioria de vulneráveis e
esquecidos.
Mas, dizer isso abertamente seria
ferir o politicamente correto. Por isso, eles se valem dessa via alternativa das
pautas de costumes para se apropriar de uma justificativa, ainda que frágil e rota,
e encerrar quaisquer discussões. A adesão às pautas de costumes não implica
necessariamente em segui-las ao pé da letra, não! Acontece que, enquanto estão imersos
nelas, restringem-se os espaços para outros questionamentos, que seriam
possivelmente muito mais indigestos e constrangedores.
Pena, que isso seja apenas uma
falsa e equivocada impressão! Não há como sobreviver nesse mundo contemporâneo,
a partir de idealizações. Por mais que as pessoas queiram acreditar que estão a
salvo sob a armadura das pautas de costumes, o mundo real não deixa de existir
e de demandar a todo instante uma decisão, um posicionamento, uma atitude, um
comportamento. Afinal de contas, a atual realidade tem imposto cada vez mais a
necessidade de humanização, no que diz respeito a furar certas bolhas de
individualismo, de narcisismo, que se estabeleceram historicamente.
O poder das conjunturas está sim,
cada vez maior. Elas estão comprimindo a humanidade em diferentes direções e
sentidos, à revelia do que pensam ou queiram uns e outros, por aí. Vamos e
convenhamos que não há um ser humano sequer vivendo apenas sob os eventos das venturas
da vida. Aqui, ali e acolá, cada um tem experimentado uma dose generosa de
desventuras, de aflições, de mazelas, que no fim das contas igualam a todos a
uma mesma condição existencial, na medida em que subtraem as certezas em nome de
uma imprevisibilidade acachapante.
Lamento; mas, nem sempre o hábito faz o monge! Então, por mais que as pautas de costumes pareçam estar arrastando a humanidade em efeito manada, essas ideias não são suficientemente consistentes para cumprir o papel que imaginam poder desempenhar. Lhes falta coesão. Lhes falta coerência. Lhes falta significância. Lhes falta unidade. Elas parecem iguais na teoria; mas, na prática são totalmente dissonantes. Porque, por excelência, ninguém é igual. Ninguém pensa igual. Ninguém age igual. Porque cada um tem suas próprias arestas a esbarrar com essas ideias. E a mais simples e objetiva de todas as explicações está no fato de que o Brasil é feito de distintos micro Brasis, divinos e maravilhosos na sua pluralidade, na sua diversidade, na sua identidade. Então...