A
simbiótica relação entre a Necropolítica e a Economia
Por
Alessandra Leles Rocha
Tem havido uma pressão intensa
sobre o candidato que lidera as pesquisas eleitorais na disputa presidencial,
no que diz respeito a apresentação de seu plano econômico 1.
Curioso. Primeiro, porque em relação ao seu oponente a cobrança não acontece da
mesma maneira. Segundo, porque considerando o fato de que ele já esteve à
frente da Presidência da República por dois mandatos consecutivos e o outro
encerra, ao final deste ano, o seu primeiro mandato, é fácil traçar uma análise
individual e comparativa para dimensionar os rumos que cada um pretende dar ao
país no campo econômico.
De modo que tudo isso me parece
mais uma desculpa esfarrapada para desviar o foco do desconforto que orbita o cenário
eleitoral diante da franca possibilidade de vitória dos grupos simpatizantes a
esquerda. Vamos e convenhamos que as conjunturas atuais do mundo se movimentam
sobre placas de incertezas gigantescas que afetam diretamente a construção de
uma realidade econômica previsível. Aliás, a Pandemia da COVID-19, por exemplo,
deixou isso bem claro! Portanto, há uma impossibilidade real de se cravar
propostas, as quais de uma hora para outra podem ser submetidas a um novo
realinhamento ou reposicionamento.
E compreendendo esse movimento,
então, percebe-se de maneira ainda mais explícita que o mal-estar sentido pelos
seguidores da ultradireita decorre do fato de que esse imponderável tende a
levar o mundo a ter que repartir melhor as riquezas, a fazer cumprir mais
satisfatoriamente os direitos, a mitigar de maneira mais efetiva e sistemática as
desigualdades. O que em linhas gerais significa uma ameaça sobre a integridade
das regalias, dos privilégios, dos poderes, que a ultradireita tenta manter
desde a sua gênese. Se o mundo pode eventualmente sofrer com novos impactos do insólito
que isso não venha lhes cobrar o ônus de uma adaptação forçada, de uma
contribuição humanitária, porque eles não estão dispostos a fazê-lo.
Pelo menos em tese é isso o que
eles defendem com unhas e dentes. Mas, como entre a teoria e a prática há
sempre uma distância considerável, o querer pode não fluir no sentido de poder,
e o mundo girar segundo seus próprios interesses e não, os deles. Na verdade,
essa é uma característica muito importante sobre a ultradireita, ou seja, ela
transita por uma obstinação idealizada de mundo que foge totalmente da
realidade, e passa despercebida em relação a certas variáveis decisivas para a
configuração dos acontecimentos. Ela acredita piamente que não existem limites
para suas vontades e quereres, atropelando furiosamente o que entende como obstáculo
para a concretização de seus desejos.
Daí ela não ter quaisquer pudores
em se valer da necropolítica, que nada mais é do que o “uso do poder político e social, especialmente por parte do Estado, de
forma a determinar, por meio de ações ou omissões (gerando condições de risco
para alguns grupos ou setores da sociedade, em contextos de desigualdade, em
zonas de exclusão e violência, em condições de vida precária, por exemplo),
quem pode permanecer vivo ou deve morrer” 2.
E o que poderia estar mais engajado nessa política de Estado do que a Economia?
Ora, o mundo é regido pelo capital e é por ele que se estabelecem as relações,
os poderes, os direitos. Na medida, então, que a Economia é pensada para
atender a esses interesses ela instrumentaliza a necropolítica.
Por isso esse questionamento
intenso sobre o plano econômico se torna tão emblemático para certas pessoas e
grupos sociais. O que está em xeque é muito mais do que eventuais garantias de
estabilidade ou de credibilidade internacional; mas, uma possível viabilidade
de permanência de certos valores que vêm sustentando a organização de uma necropolítica
efetiva, no Brasil. E analisando criticamente, além das entrelinhas, se tem a
dimensão de que reside nesse ponto um dos grandes perigos para a Democracia no
país; posto que, a necropolítica é antagônica aos princípios e valores democráticos.
Os rumos que a Economia de um país pode tomar, portanto, refletem diretamente
sobre a segurança ou insegurança da Democracia.
Assim, o momento atual pede uma
reflexão profunda e consciente. Isso porque, segundo escreveu Achille Mbembe, “As desigualdades continuarão a crescer em
todo o mundo. Mas, longe de alimentar um ciclo renovado de lutas de classe, os
conflitos sociais tomarão cada vez mais a forma de racismo, ultranacionalismo,
sexismo, rivalidade étnicas e religiosas, xenofobia, homofobia e outras paixões
mortais”.
E nesse contexto, estaremos fadados a uma realidade na qual “A política se converterá na luta de rua e a razão não importará. Nem os fatos. A política voltará a ser um assunto de sobrevivência brutal em um ambiente ultracompetitivo”; afinal, “Uma coisa é nos preocuparmos com a morte de outro, ao longe. Outra é, de súbito, tomar consciência da própria putrescibilidade, de viver na vizinhança da própria morte, de contemplá-la enquanto possibilidade real. À partida, é esse o terror suscitado pelo confinamento a muita gente, a obrigação de, por fim, responder pela sua vida e nome” (Achille Mbembe). Sim, porque diante dessas conjunturas qualquer um pode ser a bola da vez.