domingo, 16 de outubro de 2022

A simbiótica relação entre a Necropolítica e a Economia


A simbiótica relação entre a Necropolítica e a Economia

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Tem havido uma pressão intensa sobre o candidato que lidera as pesquisas eleitorais na disputa presidencial, no que diz respeito a apresentação de seu plano econômico 1. Curioso. Primeiro, porque em relação ao seu oponente a cobrança não acontece da mesma maneira. Segundo, porque considerando o fato de que ele já esteve à frente da Presidência da República por dois mandatos consecutivos e o outro encerra, ao final deste ano, o seu primeiro mandato, é fácil traçar uma análise individual e comparativa para dimensionar os rumos que cada um pretende dar ao país no campo econômico.   

De modo que tudo isso me parece mais uma desculpa esfarrapada para desviar o foco do desconforto que orbita o cenário eleitoral diante da franca possibilidade de vitória dos grupos simpatizantes a esquerda. Vamos e convenhamos que as conjunturas atuais do mundo se movimentam sobre placas de incertezas gigantescas que afetam diretamente a construção de uma realidade econômica previsível. Aliás, a Pandemia da COVID-19, por exemplo, deixou isso bem claro! Portanto, há uma impossibilidade real de se cravar propostas, as quais de uma hora para outra podem ser submetidas a um novo realinhamento ou reposicionamento.

E compreendendo esse movimento, então, percebe-se de maneira ainda mais explícita que o mal-estar sentido pelos seguidores da ultradireita decorre do fato de que esse imponderável tende a levar o mundo a ter que repartir melhor as riquezas, a fazer cumprir mais satisfatoriamente os direitos, a mitigar de maneira mais efetiva e sistemática as desigualdades. O que em linhas gerais significa uma ameaça sobre a integridade das regalias, dos privilégios, dos poderes, que a ultradireita tenta manter desde a sua gênese. Se o mundo pode eventualmente sofrer com novos impactos do insólito que isso não venha lhes cobrar o ônus de uma adaptação forçada, de uma contribuição humanitária, porque eles não estão dispostos a fazê-lo.

Pelo menos em tese é isso o que eles defendem com unhas e dentes. Mas, como entre a teoria e a prática há sempre uma distância considerável, o querer pode não fluir no sentido de poder, e o mundo girar segundo seus próprios interesses e não, os deles. Na verdade, essa é uma característica muito importante sobre a ultradireita, ou seja, ela transita por uma obstinação idealizada de mundo que foge totalmente da realidade, e passa despercebida em relação a certas variáveis decisivas para a configuração dos acontecimentos. Ela acredita piamente que não existem limites para suas vontades e quereres, atropelando furiosamente o que entende como obstáculo para a concretização de seus desejos.

Daí ela não ter quaisquer pudores em se valer da necropolítica, que nada mais é do que o “uso do poder político e social, especialmente por parte do Estado, de forma a determinar, por meio de ações ou omissões (gerando condições de risco para alguns grupos ou setores da sociedade, em contextos de desigualdade, em zonas de exclusão e violência, em condições de vida precária, por exemplo), quem pode permanecer vivo ou deve morrer” 2. E o que poderia estar mais engajado nessa política de Estado do que a Economia? Ora, o mundo é regido pelo capital e é por ele que se estabelecem as relações, os poderes, os direitos. Na medida, então, que a Economia é pensada para atender a esses interesses ela instrumentaliza a necropolítica.

Por isso esse questionamento intenso sobre o plano econômico se torna tão emblemático para certas pessoas e grupos sociais. O que está em xeque é muito mais do que eventuais garantias de estabilidade ou de credibilidade internacional; mas, uma possível viabilidade de permanência de certos valores que vêm sustentando a organização de uma necropolítica efetiva, no Brasil. E analisando criticamente, além das entrelinhas, se tem a dimensão de que reside nesse ponto um dos grandes perigos para a Democracia no país; posto que, a necropolítica é antagônica aos princípios e valores democráticos. Os rumos que a Economia de um país pode tomar, portanto, refletem diretamente sobre a segurança ou insegurança da Democracia.

Assim, o momento atual pede uma reflexão profunda e consciente. Isso porque, segundo escreveu Achille Mbembe, “As desigualdades continuarão a crescer em todo o mundo. Mas, longe de alimentar um ciclo renovado de lutas de classe, os conflitos sociais tomarão cada vez mais a forma de racismo, ultranacionalismo, sexismo, rivalidade étnicas e religiosas, xenofobia, homofobia e outras paixões mortais”.

E nesse contexto, estaremos fadados a uma realidade na qual “A política se converterá na luta de rua e a razão não importará. Nem os fatos. A política voltará a ser um assunto de sobrevivência brutal em um ambiente ultracompetitivo”; afinal, “Uma coisa é nos preocuparmos com a morte de outro, ao longe. Outra é, de súbito, tomar consciência da própria putrescibilidade, de viver na vizinhança da própria morte, de contemplá-la enquanto possibilidade real. À partida, é esse o terror suscitado pelo confinamento a muita gente, a obrigação de, por fim, responder pela sua vida e nome” (Achille Mbembe). Sim, porque diante dessas conjunturas qualquer um pode ser a bola da vez.