sábado, 15 de outubro de 2022

O lado atemporal da docência


O lado atemporal da docência

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Aprender um ofício, ressalvadas raríssimas exceções, não é difícil. Mas, o que faz desse processo a formação de um verdadeiro profissional reside em algo bem mais sutil e subjetivo, ou seja, a disposição em ser e fazer. E foi assim, com base nesse entendimento, que desde muito cedo aprendi a destacar os meus melhores e os meus piores professores.

Ensinar não é algo que se aprenda necessariamente em um curso. Ensinar é algo que transborda, que excede os limites do corpo e da alma. Por isso, professores (as), quase sempre, se revelam “ensinadores” muito além dos muros da escola, naquele jeito único de transmitir conhecimento, mesmo que seja sobre algo trivial, cotidiano. Sua fala é sempre dotada de explicações precisas, reforçadas com paciência, imbuídas da intenção de que o outro entenda, esclareça, de fato, suas dúvidas.

Por isso, nesse mundo de meu Deus, tanta gente assim foi salpicada por aí! E ainda que não andem com um crachá escrito “professor”, na lapela, são facilmente identificáveis. Porque os bons professores transcendem a arte de ensinar, na medida em que fazem dela um ato absoluto de despojamento e de fraternidade. Vejam que, na história do mundo, o conhecimento sempre foi um instrumento de poder e de controle; então, quando alguém decide romper com essa máxima de guardá-lo somente para si, o mundo em todas as suas instâncias se transforma.

O que, de algum modo, nos permite entender como se deu o processo de desqualificação e precarização do trabalho docente em muitas sociedades. Sendo os professores quem são, essa força grandiosa e ao mesmo tempo delicada de transformação social, aqueles que detêm o poder não viram outro caminho de manter a sua posição de controle senão subjugando-os e colocando-os em uma condição de total desprezo.

Sim, porque é dessa forma que a profissão docente iniciou seu processo de perda do respeito dentro do contexto social. Foi a partir das diferentes formas de desqualificação e precarização, que lhes foram impostas, que a ideia de se tornar professor foi sendo apagada e preterida dentro da própria sociedade. Apesar do reconhecimento da importância, da entrega profissional, dos sacrifícios diários para o seu exercício, a força do vale quanto pesa contemporâneo aponta para um retorno capital tão insignificante que injustifica a decisão de ser professor (a).   

De modo que o cenário constituído por uma maioria de bons e verdadeiros professores se reduz a cada dia. A transitoriedade docente, por exemplo, tornou-se uma realidade brasileira. Como se a permanência nas salas de aula tivesse um prazo de validade preestabelecido, ou seja, até que o profissional consiga uma atividade mais rentável e menos desafiadora. Então, o número de docentes que se mantêm no mercado de trabalho aponta para uma insuficiência generalizada, comprometendo o processo de ensino-aprendizagem dos alunos.

Algo que faz pensar com seriedade, considerando os estragos feitos pela Pandemia da COVID-19, no campo educacional. Não só houve um retrocesso de aprendizagem por parte dos alunos; mas, também, uma evasão escolar maciça que pode vir a representar um abandono efetivo da escola. O que significa que nunca se precisou tanto, qualitativa e quantitativamente, dos (as) docentes, como agora. Na medida em que há um risco iminente de perda intelectual para uma geração inteira.

De repente, as conjunturas impuseram o seu ponto de inflexão. Como diz o dito popular, “A necessidade faz o sapo pular”. Para que haja desenvolvimento e progresso nos mais diferentes campos da sociedade serão necessários cidadãos dotados de conhecimento e capazes de executar suas habilidades e competências. Portanto, será imprescindível recompor os contingentes docentes. Pois é, não se poderá mais negligenciá-los, invisibilizá-los, menosprezá-los!

O que significa ter que resgatar a dignidade humana e o respeito desses (as) profissionais, investir para a criação de infraestrutura e logística adequadas para a realização do trabalho, e formular novos programas didático-pedagógicos que sejam efetivamente estimulantes para a nova realidade de ensino-aprendizagem vigente. Em síntese, simplesmente, não é mais possível pensar em longo prazo com os pés fincados em um passado retrógrado e desconectado da realidade.

Está lançado, portanto, o desafio! Ao que tudo indica, o mundo contemporâneo começa sim, a se dar conta de que resgatar o docente, a docência, o conhecimento e a cidadania, nesse grau de profundidade e complexidade, significa também resgatar a criatividade, a humanidade, os valores e os princípios que deveriam ser presentes em cada indivíduo.

Até aqui o que se viu foi que “As pessoas educam para a competição e esse é o princípio de qualquer guerra. Quando educarmos para cooperarmos e sermos solidários uns com os outros, nesse dia estaremos a educar para a paz” (Maria Montessori).

Então, é muito bom perceber que, finalmente, estamos nos aproximando de uma compreensão na qual “Os educadores, antes de serem especialistas em ferramentas do saber, deveriam ser especialistas em amor: interpretes de sonhos”; “Pois ser mestre é isso: ensinar a felicidade” (Rubem Alves). Mesmo que seja em um mundo tão hostil e difícil como esse que temos diante dos olhos.

Assim, não nos esqueçamos, “Conseguir que as gerações futuras sejam mais felizes que a nossa será o maior prêmio a que se possa aspirar. Não haverá valor comparável ao cumprimento desta grande missão que consiste em preparar para a humanidade futura um mundo melhor” (Carlos Bernardo Gonzalez Pecotche). Feliz Dia do (a) Professor (a)!