terça-feira, 19 de julho de 2022

AMIZADE. Friendship. Amitié. Freundschaft. Amicizia. Amistad...


AMIZADE. Friendship. Amitié. Freundschaft. Amicizia. Amistad...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Amizades. Artigo raro, hoje em dia? Talvez. Entretanto, isso não significa nenhum ceticismo a respeito. Acredito em amizades. Mas, de tanto observar o mundo, daqui e dali, percebo que as influências contemporâneas trouxeram uma demasiada idealização e expectativa em torno das relações humanas, que acabaram afetando as amizades.

Querem fazer caber uns aos outros dentro de rígidos protocolos preestabelecidos, sabe-se lá por quem, de modo que ao menor sinal de um insucesso óbvio, acabam descartando as pessoas como se faz com os objetos no cotidiano.  

A impressão que se passa, com esse “descarte humano”, é de que para se ter um amigo é necessário despir-se da sua identidade para assumir uma semelhante à do outro, a fim de ajustar-se e evitar quaisquer tipos de desavenças ou incongruências.

Portanto, não é à toa que as amizades vão encontrando cada vez mais dificuldades em se estabelecer e prosseguir. Ninguém se permite respeitar e aceitar a individualidade do outro.   

De modo que isso retira a magia que envolve os encontros da vida e as amizades vão ficando fadadas a uma superficialidade que não se constrange em romper por quaisquer motivos. Política. Religião. Moda. Alimentação. Esportes. Lazer. Viagens. ...

Faz lembrar os “amores de Carnaval”, relacionamentos que tinham nos quatro dias de folia a sua duração; agora, são as amizades com prazo de validade. Uma semana. Um mês. Um ano. ... A depender da aprovação no rigoroso escrutínio para se tornar amigo.

E esse modus operandi efêmero, fugaz, cria novos conceitos e percepções em torno das amizades que não deixam de trazer um certo ar de melancolia, com uma pitada de doloroso desalento.

Infelizmente, perdeu-se pelos caminhos contemporâneos a ideia do cultivo, da fiação, da tecitura da amizade. Trabalho prazero de dedicação ao cuidado, a atenção, em relação ao outro; e, que precisa ser de mão dupla para se colher os frutos desse processo.

Desde que comecei a escrever e dar publicidade aos meus textos, lá por volta de 2004, resolvi fazer deles uma ponte para as minhas amizades. Pensei que essa fosse uma maneira de me fazer presente, mais amiúde, na vida dos amigos, ou seja, compartilhando com eles os textos e, vez por outra, trocando comentários e conversas diversas por mensagens de e-mail e, eventuais, ligações telefônicas.

Depois, trouxe do velho hábito dos cartões natalinos de papel, enviados anualmente pelo Correio, a ideia de criar minhas próprias mensagens de final de ano, com uma roupagem mais atual e tecnológica, para também compartilhar com os amigos.

E foi aí, nesse instante, em que ano a ano comecei a observar uma reciprocidade cada vez menor. Embora fosse Natal, Ano Novo, de repente, de uma maneira direta e um tanto quanto insensível, beirando os limites de uma certa deselegância, entendi que a relação de mão dupla havia se transformado em mão única.

A princípio tentei aquietar minha decepção, buscando alguma explicação razoável para o que estava acontecendo. Falta de tempo. Talvez não tivessem recebido a mensagem. Viajaram. Esqueceram-se de responder. ...

Mas, à medida em que os anos foram passando fui percebendo que não. A verdade é que a minha amizade não era mais representativa ou importante para aquelas pessoas. Que eu estava regando sozinha aquela semente. Meus sentimentos, minha dedicação, minha disponibilidade, meu tempo, nada disso era relevante para o outro.  

Então, quando chegou a Pandemia e, nem mesmo uma situação tão extrema foi capaz dessas pessoas se lembrarem de mim, da minha amizade por elas, eu resolvi, então, limitar o meu contato àquelas que permaneciam ali, mesmo à distância, em contato comigo. Regando a quatro mãos a semente da nossa amizade. Fiando a beleza dos nossos contatos para tecer a nossa colcha de memórias, de conversas, de trocas de opiniões, enfim.

E tomei essa atitude porque entendi, ainda que a duras penas, que a amizade transcende à geografia. Transcende ao tempo. Amizade se fixa nas raízes do afeto, do acolhimento, da fraternidade, da empatia, da emoção, dentro do espaço mais importante que se tem que é a alma.

A amizade está em nós. Não precisamos que o outro nos motive a respeito. Levamos ela para qualquer lugar, a qualquer hora. Basta um lampejo de memória lançado por um livro, uma palavra, uma música, uma fotografia, ... aí é como se fôssemos invadidos por uma torrente de sentimentos, que nos levam a compartilhar com nosso amigo.

E quando digo isso, penso que a melhor descrição de uma amizade me foi trazida pela escritora Martha Medeiros, em sua crônica “Entre amigos” 1. Sem afetações ou meias palavras, ela foi no ponto e explica, bem explicadinho, o porquê de as amizades serem tão necessárias. E porque, para ser amizade, no sentido literal da palavra, ela não pode mesmo caber nas nossas exigências prévias, nas nossas expectativas idealizantes.  

Amizade para ser amizade tem que ser livre de amarras, de protocolos, de etiquetas. Amigo se reconhece pela retina, pelo brilho silencioso do olhar, pelas palavras certeiras, pelas deselegâncias necessárias, pelos puxões de orelha sem cerimônia.

Isso explica o fato de que amigos não se precisa chamar, implorar sua presença, mendigar por sua atenção. Amigos estão sempre presentes, seja onde estiverem. Porque entre amigos há um tácito pacto de importância. Um é importante para o outro, e ponto final. Qualquer coisa contrária a isso não é amizade. Independentemente de que idioma for. 

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