Será
que o “fim” é mesmo o fim?
Por
Alessandra Leles Rocha
Por mais que tenhamos caminhado
ao longo desses 522 anos de história, a consciência cidadã do povo brasileiro
ainda é muito frágil e incipiente, dadas as próprias conjunturas que a vem
constituindo.
É por essa razão é que não me permito
entusiasmar pelo movimento que se formou diante da regularização das obrigações
eleitorais e da emissão de títulos por vasto contingente jovem. Foi um passo
importante? Claro, que sim! Mas, está longe de ser o essencial, o suficiente,
e, por isso, me preocupa.
Sou plenamente capaz de
compreender o desalento, a frustração, o desespero, a indignação, que vem
consumindo milhões de brasileiros nesses últimos quatro anos. O país virou de
cabeça para baixo literalmente! Não só pela Pandemia, ainda curso, que representou
um peso adicional muito superior à sua capacidade de sobrevivência; mas, pelo
arranjo que se estabeleceu para a governança nacional.
Daí essa ânsia desesperada por
mudança, por uma retomada de rumos. As pessoas estão ávidas por colocarem suas
vidas nos trilhos novamente. Por respirar aliviadas, sem sobressaltos. E esse é
justamente o ponto nevrálgico que exige uma reflexão e uma consciência, a qual
eu não sei se a população, de fato, é capaz.
Vamos e convenhamos, o cenário atual
do Brasil é sim, de terra arrasada. O país não cresceu. O país não se desenvolveu.
O país só fez retroceder. Resultado do desmantelamento institucional que
aconteceu, algo semelhante ao que ocorre quando o arado varre o campo
arrastando tudo sem deixar nada de pé.
Pois é, a miséria voltou. A pobreza
voltou. A inflação de dois dígitos voltou. Os juros exorbitantes voltaram. A desvalorização
da moeda nacional voltou. O desemprego voltou. A precarização do trabalho
voltou. Enfim ...
Como se tivéssemos entrado em um
túnel do tempo que faz lembrar um Brasil anterior à 1994, quando o impossível
para a configuração econômica brasileira aconteceu, a resolução de uma das
piores crises inflacionárias do mundo. Afinal, o país amargava uma alta de
preços que chegava a subir 3.000% ao ano.
Quem viveu esse horror sabe bem o
que era o Brasil. Mas, para as novas gerações, talvez, pela lacuna temporal isso
seja difícil de compreender. Mas, o fundamental é ter em mente a dimensão da
gravidade do que se entende por desmantelamento, tendo em vista que o núcleo de
toda a desestruturação de um país parte do seu sistema econômico.
Afinal de contas, qualquer gestão
depende de orçamento, depende de recursos. Então, quando ele se torna escasso
ou as atividades são interrompidas ou os endividamentos começam a se
proliferar, criando verdadeiras bolas de neve, cuja conta recai sempre sobre os
ombros da população, através de mais impostos e tributos.
E foram décadas vivendo nesse
inferno, apesar de inúmeras tentativas dos economistas em vencer as crises que
se sobrepunham. Planos Cruzado I e II (1986). Plano Bresser (1987). Plano Verão
(1989). Planos Collor I e II (1990 e 1991). Virava daqui, mexia dali, e o
brasileiro aprendia a conviver com novas moedas, com “corte de zeros, tablitas de reajuste, congelamento de preços, gatilho
salarial, indexadores, confisco” 1.
Então, eu fico me perguntando se
toda essa gente eufórica, movida por fiapos de esperança desesperada, terá a paciência
necessária para reconstruir esse Brasil de terra arrasada? Sim, porque aquele
que vir a vencer a eleição em outubro não tem o poder de representar por si
mesmo o milagre da transformação da noite para o dia.
Tal qual a noite de ano novo não
muda por si só qualquer ano em forma e conteúdo, o mesmo acontece no processo
eleitoral. Como diria Carlos Drummond de Andrade, “[...] É dentro de você que o Ano Novo cochila e espera desde sempre” 2. Certamente que à revelia de muitos
de nós, foi instituída uma crise econômica grave, muito grave, no país.
Que trouxe consigo retrocessos
para vários setores e prejuízos incalculáveis para a população. E durante esse
processo caótico e irresponsável, não houve parcimônia e responsabilidade nos
gastos públicos. Nem pelo Executivo Federal e nem pelo Congresso Nacional. O que
piora ainda mais a situação de reconstrução.
Além disso, temos uma dívida
pública robusta que cria severos obstáculos para gerir o país e cumprir as
responsabilidades; sobretudo, as mais urgentes. Daí a necessidade de saber se
as pessoas estão realmente cientes e conscientes de tudo isso ou preferem se
iludir na expectativa de uma mágica surpreendente.
Sinto muito; mas, estamos
cobertos por um manto remendado de fracassos. Estamos distantes, anos luz, de
um lampejo de sucesso. A destruição chegou de maneira objetiva, materializada
por ações; mas, também, subjetiva, materializada por ideologias retrógradas e desalinhadas
ao tempo e ao espaço. Por isso, não vai ser em um piscar de olhos que vamos renascer
das cinzas.
O momento que se impõe, para
todos nós, sem exceção, não faz outra coisa senão gritar o refrão, “[...] Reconhece a queda / E não desanima /
Levanta, sacode a poeira / Dá a volta por cima” 3.
Mas, para isso não pode ter preguiça, não pode ter hesitação. Como dizia João
Guimarães Rosa, “O correr da vida
embrulha tudo, a vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega
e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem” (Grande Sertão:
Veredas). No entanto, coragem pede atenção, pede sabedoria, pede consciência,
pede reflexão.
Desse modo, caro (a) leitor (a), prezado
(a) cidadão (a), parafraseando Drummond, não
sejamos poetas de um mundo caduco, que se esquece do hoje para cantar o mundo
futuro. Temos que nos prender à vida e olhar nossos companheiros, porque eles estão
calados mas nutrem grandes esperanças. Neles está a nossa perspectiva da
realidade. Afinal, ainda que o presente seja algo tão grande, não podemos nos afastar,
nos desagregar. Precisamos e devemos seguir de mãos dadas 4.
1
Planos econômicos fracassaram em derrotar a superinflação até a chegada do Real
- https://www.bcb.gov.br/detalhenoticia/355/noticia
2 Receita de
Ano Novo – Carlos Drummond de Andrade.
3 Volta por
cima (Paulo Vanzolini) - https://www.letras.mus.br/beth-carvalho/191125/
4 Mãos dadas – Carlos Drummond de Andrade.