sexta-feira, 25 de março de 2022

Eu prefiro ser...


Eu prefiro ser...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Nada mais antinatural do que o conservadorismo. Afinal, viver é um movimento de transformação, de evolução, de ressignificação. Ninguém permanece o mesmo ao longo da vida; pois, vamos mudando em forma e em conteúdo.

Não há ser humano que não seja impregnado por acontecimentos, experiências, conhecimentos ao longo da sua existência, trazendo uma coletânea de novas perspectivas e considerações a respeito de si mesmo e do mundo.  

Veja, cada ciclo de 24 horas é marcado por diferenças e novidades, em maior ou menor escala. Enfim, a velha metáfora do livro em branco a ser escrito traduz, portanto, a mais pura verdade sobre a incompatibilidade humana ao conservadorismo.

Sendo assim, por que motivos acreditar que defender a conservação de hábitos, costumes, comportamentos, ideias, é realmente válido, hein?

Bom, todo esse apego, essa resistência, não muda o curso da vida. A Terra continua a girar e os dias a se configurar, segundo as influências das conjunturas. Então, o que se esconde por trás desse pensamento? Indivíduos conservadores acreditam na ilusão de que podem ter o controle das rédeas do mundo em suas mãos.

E a ideia do controle está intimamente relacionada à ideia de poder, que é algo ambicionado por muitos. Ao defender certas pautas, os conservadores buscam, pela manipulação das opiniões, criar estratégias de fortalecimento do controle social, o qual lhes assegura a manutenção de seus interesses político-econômicos.

Conservadores querem, no fundo, manter as suas idealizações em relação à dinâmica do mundo, a fim de minimizar, ao máximo, eventuais perdas que possam interferir nas suas regalias e privilégios. Infelizmente, eles não entendem o mundo na ótica do bem-estar coletivo, em que todos se beneficiam das melhorias, dos avanços, das conquistas.

Para eles tudo poderia permanecer marcado e demarcado pelas linhas das desigualdades, que não haveria problema algum. Afinal de contas, foi sob esse roteiro que suas linhagens genealógicas vieram tecendo uma história de “sucesso”, de “destaque”, de “enriquecimento”, de “glória”.

Mas, o que isso quer dizer de fato? Quer dizer que eles não se constrangem ou perturbam, por exemplo, com a existência e/ou o recrudescimento da pobreza e da miséria, ou das manifestações explícitas do racismo e quaisquer outras formas de preconceito, discriminação e intolerância, ou das inúmeras formas de exploração da mão-de-obra no mercado de trabalho.

Tudo, porque a sua ética é que deve moldar a moral da sociedade, a fim de que uma pseudoestabilidade possa ser capaz de resistir às investidas revolucionárias e progressistas. E isso é tão sério, tão grave, que já consegue extrapolar limites até, então, impensados.

Se por um lado, a sociedade se encanta e inebria com a profusão de novidades high tech, frutos do desenvolvimento e do progresso científico e tecnológico, por outro, ela lidera uma vigorosa marcha negacionista no campo da saúde pública, mais precisamente, da imunização a diversas doenças.

Apegados à ideia de que é melhor para o ser humano construir suas bases imunológicas a partir das próprias doenças, milhões de pessoas estão abdicando do direito de imunização e favorecendo a disseminação de diversos patógenos pelo mundo.

Sem contar, o grau de exposição aos riscos de sequelas importantes e, em muitos casos, da letalidade, considerando que cada organismo responde de maneira bastante específica ao contato com determinada doença.

Valendo-se dos recortes contemporâneos, os conservadores excluem dos seus discursos e narrativas o fato de que a inexistência de vacinas no passado não só levou a ocorrência de epidemias; mas, também, a um número expressivo de mortos e sequelados.

O enviesamento da sua contabilidade aponta apenas para os que se beneficiaram da sorte para sobreviver ilesos às doenças, como se sua teoria negacionista fosse realmente consistente e justificável.

Aliás, a estratégia deles é exatamente essa, ou seja, recortar da história o que lhes interessa, deturpar a interpretação e disseminá-la vigorosamente como verdade inconteste. Afinal, o conservadorismo não oportuniza o contraditório, em nenhuma circunstância, dada a sua consciência sobre a fragilidade argumentativa que dispõe.  

Na verdade, tudo isso não passa de uma estratégia para se esquivar do confronto com a realidade. O conservadorismo atua invertendo a lógica, a importância, a significância dos elementos constituintes da vida.

Nesse sentido, presas a esse passado idealizado e venerado, essas pessoas querem acreditar que estão isentas de resolver os problemas que lhes surgem diante dos olhos, todos os dias, como se eles não existissem ou fossem inexpressivos. Os conservadores não sabem; mas, também, não pretendem aprender a lidar com a imprevisibilidade, com o imponderável.

Quem assistiu ao filme “O Sorriso de Mona Lisa” (Mona Lisa Smile), de 2003 1, tem a exata dimensão desse processo; sobretudo, quando se observa a personagem Nancy Abbey (Marcia Gay Harden), a professora de “etiqueta e boas maneiras” da Wellesley College, em Massachussetts (USA).

Não é à toa, então, que se torna cada dia mais bizarro olhar para o mundo e perceber, aqui, ali e acolá, a presença de gente imbuída em reafirmar as crenças, os valores e as convicções de caráter conservador.  

Simplesmente, porque é como se tivéssemos abertos um portal no tempo e nos fosse permitido olhar através dele para um passado que pensávamos estar guardado nas páginas da história. Não há como aderir tais ideias ao contexto que se tem agora.

São muitas as variáveis impossibilitando se reescrever a vida em cima de transformações já consolidadas, a começar pelo número de gerações que se sucedem ao longo tempo e trazem consigo uma vastidão de informações, de conhecimentos, de perspectivas.

Assim, como diz a canção, “Prefiro ser / Essa metamorfose ambulante / Eu prefiro ser / Essa metamorfose ambulante /  Do que ter aquela velha opinião / Formada sobre tudo [...]” 2. Não por conta da fluidez contemporânea, da instabilidade natural dentro da qual estamos imersos; mas, porque essa é uma forma muito mais equilibrada e sensata de sobreviver as adversidades, que tendem sempre a impor ajustamentos, tantas vezes, amargos e difíceis.

Então, se você se permite seguir o fluxo natural da vida, você se permite minimizar os sofrimentos, as angústias, as frustrações, porque você aprende a encontrar algo de bom que te conforte nas conjunturas. Stephen Hawking dizia que “A inteligência é a capacidade de adaptação à mudança”.

Talvez, seja hora de utilizar melhor nossa inteligência; pois, “Do hábito da resignação nasce sempre a falta de interesse, a negligência, a indolência, a inatividade e quase a imobilidade” (Giacomo Leopardi – poeta e ensaísta italiano), que nada mais é do que a essência do conservadorismo.

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