terça-feira, 5 de outubro de 2021

De um jeito ou de outro, tem sempre um plano B, C, ...


De um jeito ou de outro, tem sempre um plano B, C, ...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Lamento; mas, não é da natureza humana se lançar por aí sem redes de proteção. Cada vez mais fica evidente como as pessoas, de um jeito ou de outro, têm sempre um plano B, C, ... afinal, ninguém gosta de perder; sobretudo, dinheiro. O recente caso, denominado “Pandora Papers”, o qual refere-se a uma investigação sobre offshores realizada pelo Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ) que contou com 615 jornalistas de 149 veículos de comunicação em 117 países, dimensiona bem essa questão.  

Essa descoberta revelou offshores ligadas a centenas de bilionários, incluindo políticos e celebridades, em mais de 40 países. Dentre os nomes brasileiros, que constam da lista, estavam o Ministro da Economia e o Presidente do Banco Central, ou seja, o mais acintoso “conflito de interesses” existente na atual gestão federal e que possibilita uma desintegração de credibilidade da gestão econômica nacional, mundo afora.

Sem que viesse a público, eles tinham seus próprios “planos B”, diante do equivocado projeto econômico brasileiro. Então, a recém-descoberta de suas empresas e contas abertas em “paraísos fiscais” retratam o modo como mantinham seguros os seus capitais e investimentos contra eventuais prejuízos ocasionados pela dinâmica da economia brasileira. O que significa que sua prática era contraditória ao discurso propagado internacionalmente, no qual pregava a crença no desenvolvimento econômico do Brasil e no potencial de investimentos existente por aqui.

Enquanto a combinação perversa de estagnação do crescimento econômico, desemprego e inflação alta fazem o panorama de miséria e pobreza avançarem sobre o país, parte do patrimônio dos principais responsáveis por conduzir a política econômica nacional encontrava-se sã e salva de quaisquer sobressaltos, investida no exterior. Aliás, segundo reportagem do El País, “Brasileiros com ‘offshores’ nos ‘Pandora Papers’ devem à União 16 bilhões de reais em impostos. 66 dos maiores devedores brasileiros de impostos, muitos investigados por esquemas de corrupção, mantêm milhões depositados fora do Brasil, em paraísos fiscais” 1.

É chocante pensar que pessoas assim, com esse cacife todo, conseguem ainda inebriar e arrebanhar muita gente, fazendo-as acreditar convictamente nos discursos da direita brasileira sobre liberalismo econômico, economia de mercado, direito à propriedade, estado mínimo, conservadorismo e outras questões do gênero. Tendo em vista que a realidade do país se apresenta cada vez mais mergulhada no caos e na efervescência de problemas; muitos deles desenhados há séculos e cronificados por esse “modus operandi” equivocado e ineficiente.

Talvez, seja culpa da contemporaneidade que trouxe a falsa ilusão de acreditar que o sucesso humano só pode ser materializado por inúmeros maços de dinheiro acumulados, como nas histórias da personagem Tio Patinhas. O ilustre morador de “Patópolis” e considerado “o pato mais rico do mundo”. É isso o que move as pessoas a correrem atrás da fama, a desejarem ser bem-sucedidas financeiramente, seja por qual caminho for. Por isso vigora com tanta pujança a célebre citação de que “os fins justificam os meios”. É esse o modelo de influência exercido e disseminado pelas sociedades alinhadas a essa ideologia.

Enquanto milhões de brasileiros constituem seu cardápio diário com ossos de boi e arroz com feijão de terceira, o topo da pirâmide se enriquece um pouco mais e guarda a sete-chaves o “pulo do gato” do seu “sucesso”. Diante do que se vê, a tendência é que as desigualdades se aprofundem a tal ponto de impossibilitar qualquer movimento em direção à dignidade cidadã. O que se vislumbra no horizonte é um cenário tão adverso, que o Programa de Educação Financeira nas Escolas 2 pode ser considerado um verdadeiro escárnio, para um país cujo salário mínimo é de R$1.100,00, valor incapaz de suprir as demandas básicas do cidadão; mas, que favorece a sua elite de 6% da população  desfrutar dos benefícios de seu enriquecimento através de offshores.

Mahatma Gandhi dizia que “há riqueza bastante no mundo para as necessidades do homem, mas não para a sua ambição”. O “Pandora Papers” é só mais um exemplo de um poço sem fundo dessa ambição que assola o planeta e, particularmente, o Brasil. Porque aqui, o ranço das más práticas coloniais ainda é muito robusto, de modo que acaba por constituir uma sociedade cuja “estratificação social separa e opõe, assim, os brasileiros ricos e remediados dos pobres, e todos eles dos miseráveis, mais do que corresponde habitualmente a esses antagonismos. Nesse plano, as relações de classes chegam a ser tão infranqueáveis que obliteram toda a comunicação propriamente humana entre a massa do povo e a minoria privilegiada, que a vê e a ignora, a trata e a maltrata, a explora e a deplora, como se esta fosse uma conduta natural” (Darcy Ribeiro – O Povo Brasileiro: A Formação e o Sentido do Brasil, 1995).

Tudo isso, portanto, explica muito bem porque “O Brasil, último país a acabar com a escravidão tem uma perversidade intrínseca na sua herança, que torna a nossa classe dominante enferma de desigualdade, de descaso” (Darcy Ribeiro). De modo que “só há duas opções nessa vida: se resignar ou se indignar. E eu não vou me resignar nunca” (Darcy Ribeiro 3).