De
um jeito ou de outro, tem sempre um plano B, C, ...
Por
Alessandra Leles Rocha
Lamento; mas, não é da natureza
humana se lançar por aí sem redes de proteção. Cada vez mais fica evidente como
as pessoas, de um jeito ou de outro, têm sempre um plano B, C, ... afinal, ninguém
gosta de perder; sobretudo, dinheiro. O recente caso, denominado “Pandora Papers”, o qual refere-se a uma
investigação sobre offshores realizada
pelo Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ) que contou com
615 jornalistas de 149 veículos de comunicação em 117 países, dimensiona bem essa
questão.
Essa descoberta revelou offshores ligadas a centenas de
bilionários, incluindo políticos e celebridades, em mais de 40 países. Dentre
os nomes brasileiros, que constam da lista, estavam o Ministro da Economia e o
Presidente do Banco Central, ou seja, o mais acintoso “conflito de interesses” existente na atual gestão federal e que
possibilita uma desintegração de credibilidade da gestão econômica nacional,
mundo afora.
Sem que viesse a público, eles
tinham seus próprios “planos B”,
diante do equivocado projeto econômico brasileiro. Então, a recém-descoberta de
suas empresas e contas abertas em “paraísos
fiscais” retratam o modo como mantinham seguros os seus capitais e investimentos
contra eventuais prejuízos ocasionados pela dinâmica da economia brasileira. O que
significa que sua prática era contraditória ao discurso propagado internacionalmente,
no qual pregava a crença no desenvolvimento econômico do Brasil e no potencial
de investimentos existente por aqui.
Enquanto a combinação perversa de
estagnação do crescimento econômico, desemprego e inflação alta fazem o
panorama de miséria e pobreza avançarem sobre o país, parte do patrimônio dos
principais responsáveis por conduzir a política econômica nacional encontrava-se
sã e salva de quaisquer sobressaltos, investida no exterior. Aliás, segundo
reportagem do El País, “Brasileiros com ‘offshores’
nos ‘Pandora Papers’ devem à União 16 bilhões de reais em impostos. 66 dos
maiores devedores brasileiros de impostos, muitos investigados por esquemas de
corrupção, mantêm milhões depositados fora do Brasil, em paraísos fiscais” 1.
É chocante pensar que pessoas
assim, com esse cacife todo, conseguem ainda inebriar e arrebanhar muita gente,
fazendo-as acreditar convictamente nos discursos da direita brasileira sobre liberalismo
econômico, economia de mercado, direito à propriedade, estado mínimo,
conservadorismo e outras questões do gênero. Tendo em vista que a realidade do
país se apresenta cada vez mais mergulhada no caos e na efervescência de
problemas; muitos deles desenhados há séculos e cronificados por esse “modus operandi” equivocado e
ineficiente.
Talvez, seja culpa da
contemporaneidade que trouxe a falsa ilusão de acreditar que o sucesso humano
só pode ser materializado por inúmeros maços de dinheiro acumulados, como nas
histórias da personagem Tio Patinhas. O ilustre morador de “Patópolis” e considerado “o
pato mais rico do mundo”. É isso o que move as pessoas a correrem atrás da
fama, a desejarem ser bem-sucedidas financeiramente, seja por qual caminho for.
Por isso vigora com tanta pujança a célebre citação de que “os fins justificam os meios”. É esse o modelo de influência
exercido e disseminado pelas sociedades alinhadas a essa ideologia.
Enquanto milhões de brasileiros
constituem seu cardápio diário com ossos de boi e arroz com feijão de terceira,
o topo da pirâmide se enriquece um pouco mais e guarda a sete-chaves o “pulo do gato” do seu “sucesso”. Diante do que se vê, a tendência
é que as desigualdades se aprofundem a tal ponto de impossibilitar qualquer
movimento em direção à dignidade cidadã. O que se vislumbra no horizonte é um
cenário tão adverso, que o Programa de Educação Financeira nas Escolas 2 pode ser considerado um verdadeiro
escárnio, para um país cujo salário mínimo é de R$1.100,00, valor incapaz de
suprir as demandas básicas do cidadão; mas, que favorece a sua elite de 6% da população
desfrutar dos benefícios de seu
enriquecimento através de offshores.
Mahatma Gandhi dizia que “há riqueza bastante no mundo para as
necessidades do homem, mas não para a sua ambição”. O “Pandora Papers” é só mais um exemplo de um poço sem fundo dessa
ambição que assola o planeta e, particularmente, o Brasil. Porque aqui, o ranço
das más práticas coloniais ainda é muito robusto, de modo que acaba por
constituir uma sociedade cuja “estratificação
social separa e opõe, assim, os brasileiros ricos e remediados dos pobres, e
todos eles dos miseráveis, mais do que corresponde habitualmente a esses
antagonismos. Nesse plano, as relações de classes chegam a ser tão
infranqueáveis que obliteram toda a comunicação propriamente humana entre a
massa do povo e a minoria privilegiada, que a vê e a ignora, a trata e a
maltrata, a explora e a deplora, como se esta fosse uma conduta natural” (Darcy
Ribeiro – O Povo Brasileiro: A Formação e o Sentido do Brasil, 1995).
Tudo isso, portanto, explica muito
bem porque “O Brasil, último país a
acabar com a escravidão tem uma perversidade intrínseca na sua herança, que
torna a nossa classe dominante enferma de desigualdade, de descaso” (Darcy
Ribeiro). De modo que “só há duas opções
nessa vida: se resignar ou se indignar. E eu não vou me resignar nunca” (Darcy
Ribeiro 3).
1 https://brasil.elpais.com/pandora-papers/2021-10-04/brasileiros-com-offshores-no-pandora-papers-devem-a-uniao-16-bilhoes-de-reais-em-impostos.html
2 https://agenciabrasil.ebc.com.br/radioagencia-nacional/educacao/audio/2021-08/programa-do-mec-quer-levar-educacao-financeira-para-escolas-publicas
3 Citado em “Conceitos
e Verdades”, de Lúcio Gusmão Lôbo, Thesaurus Editora, 2001, p.7.