quinta-feira, 16 de setembro de 2021

Não, não existem coincidências


Não, não existem coincidências

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Depois de ver a Medida Provisória 1068/21 ser devolvida pelo presidente do Senado Federal, por razões de flagrante inconstitucionalidade, a Presidência da República já anunciou que irá enviar um projeto ao Congresso Nacional, com texto semelhante, para tramitar em caráter de urgência. Considerando-se que não existem coincidências, fato é, que dentro do texto base do novo Código Eleitoral aprovado pela Câmara dos Deputados está manifesto que “as pesquisas eleitorais realizadas em data anterior ao dia das eleições só poderão ser divulgadas até a antevéspera do pleito, admitida sua reprodução ou retransmissão pelo eleitor” 1. Ora, os dois temas em questão conversam intimamente entre si, Fake News e eleições.

Mas se engana quem pensa que fica por aí. Basta acrescentar à discussão, o caloroso debate criado recentemente em torno das urnas eletrônicas, se eram ou não confiáveis, um possível retorno do voto impresso e as inúmeras vezes em que o atual Presidente da República deixou em aberto se aceitaria ou não o resultado das próximas eleições, para se ter a dimensão de uma gigantesca nuvem se formando no horizonte democrático nacional. Afinal, o fato de tais conteúdos e suas respectivas formas estarem transitando em caráter de altíssima celeridade, transmite a impressão de que há mesmo a possibilidade de que algo estranho esteja se arquitetando.

Sei que vivemos em tempos fugazes, cujas informações transmitidas a velocidade da luz nos fogem ao ideal de uma análise mais crítica e reflexiva. No entanto, nem todo imbróglio de ideias é só uma miscelânea que não conecta nada a coisa nenhuma. Quando se trata de política, esses tais imbróglios são sempre a expressão máxima de um requinte que envolve método, sentido, direção e velocidade. Não há fios soltos nesse emaranhado. Aqui, ali e acolá eles se juntam para satisfazer exatamente um objetivo maior.

O que posso dizer é que todos esses fios, ou indícios, nesse momento, levam a crer que o Estado Democrático de Direito corre riscos, depois de 36 anos de sua reconquista. Justamente, por isso, é que parece difícil a muitos cidadãos perceber a extensão e a intensidade das tensões que vem sendo deflagradas no país. A um nível mais superficial, talvez, o que consigam abstrair de imediato sejam os impactos negativos da Política sobre a Economia, porque isso alcança o seu próprio cotidiano. Porém, há muito mais em jogo.

Infelizmente, o ranço colonial criou no brasileiro uma tendência à passividade que não lhe permite se lançar aos questionamentos mais triviais. De modo que a população transita sob um estado de certa subserviência e apatia que resume em viver dentro do clichê de “a vida como ela é”. As decisões, em todas as instâncias, vão sendo empurradas “goela abaixo”, à revelia de eventuais manifestações ou contestações. O que deixa, visível e materializado, como a participação popular no país é relativa.

Você pode votar, eleger seus representantes nas esferas do Legislativo e Executivo municipal, estadual, federal e distrital; mas, e depois, você acompanha de alguma forma o trabalho deles? Se sente satisfeito pela sua escolha representativa? Considera que o trabalho desenvolvido venha obtendo mais êxito do que insucesso? ... essas são algumas perguntas que se fossem respondidas, talvez, iniciassem um movimento de transformação nas relações político-sociais; na medida em que, cada um saberia exatamente o seu papel dentro do exercício cidadão e na manutenção da Democracia.

Esse risco democrático, então, é resultado de uma baixa leitura das linhas e entrelinhas do cotidiano. Uma significativa maioria, com todo o seu repertório de “não estar nem aí”, vem abdicando desse compromisso cidadão e fragilizando o próprio país. Por isso, não surpreende que a construção meticulosa desses imbróglios, visando promover mudanças abruptas e equivocadas na sociedade, aconteça sem sequer obter alguma resistência ou consentimento por parte do eleitor. Isso é tão sério, tão grave, que basta a perspectiva desses meses de Pandemia para construir um panorama dos prejuízos materiais e subjetivos que podem ser imputados a uma população sem que ela se dê conta do que realmente está acontecendo.

Assim, a partir de agora, quando acessar os veículos de comunicação e informação, tenha em mente o seguinte discernimento: “Há coisas que são resolvidas por governos. Há coisas que nenhum governo é capaz de resolver. Seremos nós, com o tempo que nos for concedido, que resolveremos. Por via da nossa cidadania em construção” (Mia Couto – escritor e biólogo moçambicano). O que quer dizer que apesar da contemporaneidade parecer tão leve e tão livre, não fomos isentos de responsabilidade e compromisso conosco e, nem tampouco, com a coletividade. Por trás dos resultados do cotidiano, sempre, haverá as marcas de nossos posicionamentos, gostemos disso ou não.  

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