sexta-feira, 13 de agosto de 2021

Verborragia beligerante ou liberdade de expressão?


Verborragia beligerante ou liberdade de expressão?

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Na onda da “verborragia beligerante” há quem pense que possa se redimir dos excessos sob a alegação de “liberdade de expressão”, para ver se cola. Só que não. Jamais, expressar uma opinião deu direito, a quem quer que seja, de ultrapassar os limites da civilidade, ou de proferir ameaças, ou de ofender a dignidade humana. Qualquer ideia pode ser manifesta sem perder o decoro, ainda que as opiniões sejam divergentes, não é o extremismo radical, nem a baixaria, que permite encontrar um denominador comum.

O problema da contemporaneidade é que as pessoas querem se sobrepor no grito, na força, na brutalidade, na deselegância. Todo mundo quer ter razão; mas, ninguém se dispõe a ouvir e a tecer bons argumentos. Então, quaisquer encontros se transformam em tormentas de “verdades”, despejadas sem critério, que acabam não resultando em nada produtivo, pois as ideias se perdem em meio ao volume.

Como escreveu Rubem Alves, “Sempre vejo anunciado cursos de oratória. Nunca vi anunciado curso de escutatória. Todo mundo quer aprender a falar. Ninguém quer aprender a ouvir. [...] Escutar é complicado e sutil ... Parafraseando o Alberto Caeiro: “Não é bastante ter ouvidos para ouvir o que é dito; é preciso também que haja silêncio dentro da alma”. Daí a dificuldade: a gente não aguenta ouvir o que o outro diz sem logo dar um palpite melhor, sem misturar o que ele diz com aquilo que a gente tem a dizer... Nossa incapacidade de ouvir é a manifestação mais constante e sutil de nossa arrogância e vaidade: no fundo, somos os mais bonitos...” 1.

E nada tem sido mais representativo dessas palavras, do que as relações políticas no Brasil e os mecanismos que elas têm utilizado para falar sem ouvir. O país se transformou em uma mescla de ruídos ofensivos, desnecessários e improducentes. Os discursos e as narrativas são sempre ferinos e voltados para a desqualificação e invisibilização dos outros, tidos como inimigos, rivais ou opositores. E por mais que queiram defender seus interesses próprios, a animosidade, com a qual se revestem as palavras proferidas, faz tudo cair no vazio do mais profundo descrédito e insucesso.

Essa verborragia institucionalizada cria labirintos de total desconexão entre o verbo e o fato. Sabe aquela velha história de “quem conta um conto aumenta um ponto”? Pois é. A verborragia é sempre enviesada, distorcida, não se preocupa em ser entendida, em elucidar os acontecimentos, os fatos, apenas em fazer barulho. Porque assim, ocupam espaços, parecendo coisas grandes, importantes; mesmo que, quando devidamente apuradas, não restem mais do que palavras amassadas pelos redemoinhos da aflição.

São quase 8 bilhões de viventes nesse mundo e isso tende a trazer alguma compreensão sobre esse processo. A comunicação vem a ser um jeito próprio de defender e demarcar o território particular de cada um, de se fazer presente entre tantos outros. Por isso falar se transformou em palavra de ordem, de sobrevivência, não importando como, quando, onde, com quem e, nem tampouco, se trazendo à tona a verdade nua e crua ou alguma pré-fabricada (Fake News).

E com o advento das Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs), agora, a humanidade se sente no direito e no dever de ter opinião sobre tudo e todos, ainda que sejam absurdas, frágeis e controversas. O único problema é que esse movimento transita por uma linha tênue e perigosa que pode alcançar os chamados crimes cibernéticos. Afinal de contas, o mundo virtual é feito por pessoas reais; assim, seus atos e comportamentos não mudam de sentido só porque acontecem em um ambiente tecnológico.  

Portanto, é esse o limite para a liberdade de expressão. Isso quer dizer, por exemplo, que determinadas manifestações que façam apologia ao crime organizado, a incitação à violência de qualquer natureza, não podem ser definidas no campo da liberdade de expressão porque excedem e contrariam uma legislação criminal existente no país. Do mesmo modo que difamar, denegrir, constranger, humilhar pessoas e/ou instituições pode ser enquadrado no campo dos crimes contra a honra.

Por isso, eu considero sensacional a seguinte citação de Ernest Hemingway, “São precisos dois anos para aprender a falar e sessenta para aprender a calar”. Afinal, as linguagens são um bem muito precioso para se desperdiçar em usos inapropriados ou equivocados, como tem acontecido tão amiúde na contemporaneidade. A verborragia que se vê em cada esquina, parece mais uma exacerbação de uma inquietude interior, que nada consegue controlar, como se as pessoas estivessem em guerra e conflito constante consigo mesmas.

Então, quando elas regurgitam suas ideias e opiniões deflagrando a sua beligerância com o mundo, um êxtase de paz parece lhes consumir de satisfação. Talvez, por isso, elas não consigam perceber exatamente os descaminhos que escolheram percorrer e, nem tampouco, dimensionar as consequências e desdobramentos que possam resultar disso. Pois, nem todo mundo tem paciência e abnegação suficientes para conviver com esse tipo de situação. Há sempre o dia em que a corda arrebenta.