Verborragia
beligerante ou liberdade de expressão?
Por
Alessandra Leles Rocha
Na onda da “verborragia beligerante” há quem pense que possa se redimir dos
excessos sob a alegação de “liberdade de
expressão”, para ver se cola. Só que não. Jamais, expressar uma opinião deu
direito, a quem quer que seja, de ultrapassar os limites da civilidade, ou de
proferir ameaças, ou de ofender a dignidade humana. Qualquer ideia pode ser
manifesta sem perder o decoro, ainda que as opiniões sejam divergentes, não é o
extremismo radical, nem a baixaria, que permite encontrar um denominador comum.
O problema da contemporaneidade é
que as pessoas querem se sobrepor no grito, na força, na brutalidade, na deselegância.
Todo mundo quer ter razão; mas, ninguém se dispõe a ouvir e a tecer bons
argumentos. Então, quaisquer encontros se transformam em tormentas de “verdades”, despejadas sem critério, que
acabam não resultando em nada produtivo, pois as ideias se perdem em meio ao volume.
Como
escreveu Rubem Alves, “Sempre vejo anunciado cursos de oratória. Nunca vi
anunciado curso de escutatória. Todo mundo quer aprender a falar. Ninguém quer
aprender a ouvir. [...] Escutar é complicado e sutil ... Parafraseando o
Alberto Caeiro: “Não é bastante ter ouvidos para ouvir o que é dito; é preciso
também que haja silêncio dentro da alma”. Daí a dificuldade: a gente não
aguenta ouvir o que o outro diz sem logo dar um palpite melhor, sem misturar o
que ele diz com aquilo que a gente tem a dizer... Nossa incapacidade de ouvir é
a manifestação mais constante e sutil de nossa arrogância e vaidade: no fundo,
somos os mais bonitos...” 1.
E nada tem sido mais
representativo dessas palavras, do que as relações políticas no Brasil e os
mecanismos que elas têm utilizado para falar sem ouvir. O país se transformou
em uma mescla de ruídos ofensivos, desnecessários e improducentes. Os discursos
e as narrativas são sempre ferinos e voltados para a desqualificação e
invisibilização dos outros, tidos como inimigos, rivais ou opositores. E por
mais que queiram defender seus interesses próprios, a animosidade, com a qual
se revestem as palavras proferidas, faz tudo cair no vazio do mais profundo
descrédito e insucesso.
Essa verborragia institucionalizada
cria labirintos de total desconexão entre o verbo e o fato. Sabe aquela velha
história de “quem conta um conto aumenta
um ponto”? Pois é. A verborragia é sempre enviesada, distorcida, não se
preocupa em ser entendida, em elucidar os acontecimentos, os fatos, apenas em
fazer barulho. Porque assim, ocupam espaços, parecendo coisas grandes,
importantes; mesmo que, quando devidamente apuradas, não restem mais do que
palavras amassadas pelos redemoinhos da aflição.
São quase 8 bilhões de viventes
nesse mundo e isso tende a trazer alguma compreensão sobre esse processo. A comunicação
vem a ser um jeito próprio de defender e demarcar o território particular de
cada um, de se fazer presente entre tantos outros. Por isso falar se
transformou em palavra de ordem, de sobrevivência, não importando como, quando,
onde, com quem e, nem tampouco, se trazendo à tona a verdade nua e crua ou alguma
pré-fabricada (Fake News).
E com o advento das Tecnologias
da Informação e Comunicação (TICs), agora, a humanidade se sente no direito e
no dever de ter opinião sobre tudo e todos, ainda que sejam absurdas, frágeis e
controversas. O único problema é que esse movimento transita por uma linha tênue
e perigosa que pode alcançar os chamados crimes cibernéticos. Afinal de contas,
o mundo virtual é feito por pessoas reais; assim, seus atos e comportamentos
não mudam de sentido só porque acontecem em um ambiente tecnológico.
Portanto, é esse o limite para a
liberdade de expressão. Isso quer dizer, por exemplo, que determinadas
manifestações que façam apologia ao crime organizado, a incitação à violência
de qualquer natureza, não podem ser definidas no campo da liberdade de
expressão porque excedem e contrariam uma legislação criminal existente no país.
Do mesmo modo que difamar, denegrir, constranger, humilhar pessoas e/ou
instituições pode ser enquadrado no campo dos crimes contra a honra.
Por isso, eu considero
sensacional a seguinte citação de Ernest Hemingway, “São precisos dois anos para aprender a falar e sessenta para aprender
a calar”. Afinal, as linguagens são um bem muito precioso para se desperdiçar
em usos inapropriados ou equivocados, como tem acontecido tão amiúde na contemporaneidade.
A verborragia que se vê em cada esquina, parece mais uma exacerbação de uma
inquietude interior, que nada consegue controlar, como se as pessoas estivessem
em guerra e conflito constante consigo mesmas.
Então, quando elas regurgitam
suas ideias e opiniões deflagrando a sua beligerância com o mundo, um êxtase de
paz parece lhes consumir de satisfação. Talvez, por isso, elas não consigam
perceber exatamente os descaminhos que escolheram percorrer e, nem tampouco,
dimensionar as consequências e desdobramentos que possam resultar disso. Pois,
nem todo mundo tem paciência e abnegação suficientes para conviver com esse
tipo de situação. Há sempre o dia em que a corda arrebenta.
1 Texto de Rubem Alves: “A Escutatória”. - https://amominhaidade.com.br/saude/texto-de-rubens-alves-a-escutatoria-que-traz-uma-visao-sabia-e-muito-pertinente-para-os-dias-de-hoje-sobre-a-arte-de-escutar/