Sobre
leões, cordeiros e avestruzes...
Por
Alessandra Leles Rocha
Todos contra ele. Pelo menos,
todos aqueles que realmente “importam” no mundo, enquanto cenário geopolítico
estratégico. Todos os que têm a real dimensão do que significou a invasão do
Capitólio, casa representativa da democracia norte-americana e, de certo modo,
espelho para outras democracias. Afinal, dessa vez os inimigos moravam ao lado.
Foi um “fogo amigo” deliberado de maneira premeditada e consciente. Por isso,
as principais nações do mundo contemporâneo manifestaram publicamente o seu
repúdio, a sua indignação e a sua preocupação diante do ocorrido.
Esse foi um ato que ficará
marcado para sempre na história norte-americana porque feriu em cheio o seu
orgulho patriótico. Basta ler a respeito da história deles para estimar o que
isso significa no contexto da sua dinâmica estrutural sociopolítica. A polarização
que vinha se arrastando no país pode, agora, encontrar uma razão para se
degradar, dado o impacto devastador que essa infâmia truculenta impingiu sobre
pilares estruturantes dos valores norte-americanos.
Aliás, é importante não se
enganar diante da história. Tudo isso só acontece porque “as multidões nunca tiveram sede de
verdades. Diante das evidências que lhes desagradam, desviam-se, preferindo edificar
o erro se este as seduzir. Quem sabe iludi-las facilmente torna-se seu mestre,
quem tenta desiludi-las é sempre sua vítima” (Gustave Le Bon – psicólogo social francês). Desse modo, “o fato de que muitos políticos de sucesso
sejam mentirosos não é exclusivamente um reflexo da classe política, é também
um reflexo do eleitorado. Quando as pessoas querem o impossível, somente
mentirosos podem satisfazê-las” (Thomas
Sowell – economista norte-americano).
Assim, a velha máxima de “pagar
para ver” cobrou, então, mais uma vez o seu preço, como tinha que ser. A apatia
dos republicanos cometeu um erro de cálculo sem precedentes. Abriu-se,
portanto, um flanco de vulnerabilidade envergonhada no país, o qual sempre se
entendeu como o mais poderoso do mundo. Eles menosprezaram os discursos de
ódio, de intolerância, de violência, de isolamento que vieram sendo tecidos ao longo
dos últimos anos pela atual gestão. Eles fragmentaram a unidade cívica,
constitucionalmente instituída, que sempre respeitou e conduziu a nação. O
conservadorismo mostrou-se incapaz de impedir e conter os excessos
destemperados e irracionais.
Surpresos e cheios de uma
indignação indigesta, eles curam as recentes feridas. Mas, logo terão que se
desdobrar em esforços e bravura para provar para si e ao mundo que os bons
continuam sendo a maioria. Que sua verdadeira nação, apesar de ferida na alma,
é capaz de ficar de pé e seguir em frente. Mas, para isso, ainda que à revelia
de uns e outros, a união terá que prevalecer em detrimento das fraturas, das discordâncias,
do sectarismo ideológico. Os EUA terão que se mostrar coerentes ao seu espírito
cidadão na busca de uma tecitura resistente capaz de os realinhar as demandas
do mundo contemporâneo.
E vendo as barbas do vizinho
pegando fogo, coloquemos as nossas de molho. A estupidez radicalizada está mais
presente no mundo do que podemos imaginar. Há brasas encobertas de cinza por
todo canto, esperando que ventos favoreçam a propagação das labaredas. O mundo
é constantemente observado por aves de rapina; por isso, tudo são aparências,
nada é exatamente o que parece ser. Só de longe, na imensidão escura do espaço,
a Terra é um ponto flutuante azul e pacífico. Parafraseando Nelson Rodrigues,
de perto NADA é normal. A vida está cada vez mais complexa. De modo que, a continuar
a realidade como está, os avestruzes vão sofrer muito.