Reflexões
sobre o avesso do sentimento humano
Por
Alessandra Leles Rocha
Disposta a tentar compreender o
ódio que se espalha pelo mundo, não pude deixar de observar como o poder se
distribuiu entre duas formas. Bem, há os que, de fato, detêm o poder. A ínfima
minoria que ocupa o ápice da pirâmide social.
No entanto, há uma legião,
distribuída pelas demais camadas da pirâmide, que padece da chamada Síndrome do
Pequeno Poder. Essas pessoas, então, assumem um comportamento autoritário e/ou
opressivo, quando ocupam algum espaço de importância ou de destaque social.
Independentemente do grupo, está
na questão do poder o foco de análise. Afinal, a historicidade humana se
constituiu a partir dele. Ter e exercer o poder estabelece uma aura de
distinção social extremamente cobiçada. Pelo menos em tese.
Porque esse suposto “passaporte
para a felicidade”, que resolve todos os problemas, que abre todas as
portas, que satisfaz todos os desejos, que influencia de diversas maneiras, dá
sinais, na contemporaneidade, de ter exaurido a sua força.
Ainda que muitos aspirem por essa
dádiva, o poder já não surte um efeito extasiante pleno. Infelizmente, vivemos
uma realidade em que o ser humano parece, cada vez mais, incapaz de lidar com
suas frustrações. Há um fastio pairando sobre a população, que não a permite se
satisfazer e manifestar os melhores sentimentos e emoções.
O resultado disso tem sido a
exacerbação do ódio e de outros sentimentos correlatos, tais como a antipatia,
a aversão, a cólera, a covardia, o desconforto, a fúria, a impaciência, a ira,
o nojo, a raiva, a repulsa, na maioria das vezes, expressos por indivíduos
pertencentes a um ou ao outro grupo que detém algum tipo de poder.
Isso nos leva a pensar que o
poder não supre os indivíduos. O fato de viverem uma condição social de
destaque, sob diferentes aspectos, não preenche mais as suas lacunas
existenciais. De modo que elas padecem de uma constante inquietação,
desassossego, desapontamento, desgosto e/ou insatisfação.
E como não sabem lidar com esses
sentimentos, elas promovem uma transferência para o outro. Ele se torna, então,
o objeto do seu ódio e passam a sofrer todo tipo de ataques, desqualificações
e violências.
Entretanto, é importante
ressaltar que, esse outro, não é um de seus pares diretos. A escolha recai,
quase sempre, sobre alguém que ele considera em posição de desvantagem
social. Muitas vezes, algum membro das
minorias.
O que explica a presença marcante
da aporofobia, da xenofobia, do racismo, da misoginia, do etarismo, ... como
mecanismo de legitimação do ódio ou de quaisquer outros sentimentos correlatos
a ele.
De modo que ao ser disseminado na
sociedade contemporânea, o ódio ultrapassa as fronteiras das polarizações
ideológicas. Por trás desse tipo de estopim social, me parece muito mais
plausível a análise a respeito dos desalinhos e desvios comportamentais dos
indivíduos, ou seja, a má resolução existencial de uns e outros, por aí.
Afinal, como dizia Carl Gustav Jung,
“Tudo o que nos irrita nos outros pode no levar a uma melhor compreensão de
nós mesmos”. Nesse sentido, considerando o tripé - individualismo,
narcisismo e egoísmo - vigente na contemporaneidade, não é de se espantar que a
semente do ódio emerja de uma construção social idealizada.
Como se o indivíduo quisesse
exercer o pleno poder decisório sobre como deve ser o mundo em que ele habita. Assim,
ele não precisaria lidar com seu próprio reflexo, através do outro. Porém, isso
é impossível. Aí o ódio explode. De diferentes formas. Em diferentes situações.
Com diferentes pessoas.
O que a maioria não se dá conta é
de que ao expressar avassaladoramente o seu ódio, revela-se ao mundo o tamanho
de uma incompletude existencial, que parecia não existir, em razão do lustro
garantido pelo poder apropriado. Quem diria?! Além do ódio trazer à tona a real
dimensão do ser humano, há uma franca demonstração da insuficiência do poder,
seja ele de que natureza for.
Desse modo, semeando o ódio daqui e dali, vamos percebendo o encolhimento ético e moral da humanidade, com milhares de seres pequenos, mesquinhos, infelizes, revoltados, ... atormentados em sua própria condição humana. Afinal, nem mesmo o poder foi capaz de blindá-los, protegê-los, salvá-los, de quem habita sua própria pele!