Promessas
...
Por Alessandra
Leles Rocha
Promessas não representam
garantias. O mundo contemporâneo não se cansa de fazê-las, esquecendo-se
voluntariamente da responsabilidade que isso implica. Vendendo a máxima de que
qualquer sonho pode ser satisfeito através do consumo de um bem, produto ou serviço,
bastando apenas o dinheiro para adquiri-lo, a contemporaneidade é o poço das
ilusões.
Afinal, a teoria é uma. A prática
é bem outra. Não, não se pode esquecer de que a historicidade humana é marcada
pelas desigualdades sociais, o que torna essa dinâmica distante de qualquer
igualdade, de qualquer equidade.
E enquanto o frenesi contemporâneo
não para, a raça humana vai deteriorando, de maneira intensa e ininterrupta, a
sua saúde mental, através de uma luta inglória imposta por tantas promessas sem
garantias.
Bem, se engana quem pensa que a
saúde mental diz respeito somente ao estresse, à fadiga, à ansiedade, à
depressão, aos distúrbios do sono, aos pensamentos suicidas, ...
Todos esses sintomas e manifestações
constroem uma dinâmica psico-comportamental demasiadamente fragilizada e
vulnerabilizada. O que faz o indivíduo perder o seu balizamento em relação à
satisfação pessoal, ao seu bem-estar, às suas capacidades, às suas realizações.
E quanto mais ele se distancia
das suas esperanças, das suas expectativas, das suas perspectivas, mais ele se
torna um alvo dos discursos e manipulações ideológicas, cujo viés objetiva
enredá-lo a um contexto de mais promessas.
Na medida em que elas são construídas
exatamente para satisfazer às suas frustrações, decepções, angústias, perdas, o
ser humano vai se permitindo alienar, a tal ponto em que desenvolve um fanatismo,
uma obsessão, em torno de certas ideias.
Ora, as promessas funcionam como
verdadeiras boias de salvação, um porto seguro em meio a um mar de incertezas. De
modo que, inadvertidamente, o ser humano acaba sendo induzido a se render a
elas. Como um analgésico de efeito imediato e polivalente, capaz de aliviar os
sofrimentos que lhe habitam o consciente e o inconsciente.
Mas, como toda medicação, seu
efeito colateral mais importante é a destruição identitária. O indivíduo perde
a manifestação do seu protagonismo identitário e passa a ser mais um, no
chamado efeito manada.
O fanático é um ser despojado da
sua personalidade, da sua identidade. Ele é um ser submisso, dependente,
dominado, serviçal, ao que uma realidade paralela seja capaz de lhe oferecer em
termos de satisfação pessoal. Porque essa promessa idealizada é o que parece
lhe trazer sentido existencial.
O fanatismo, no fundo, é uma
experienciação daquilo que não se é; mas, gostaria de ser. Quem não se lembra
dos Kamikaze, os pilotos dos aviões japoneses, durante a Segunda Guerra
Mundial, que realizaram ataques suicidas contra os navios dos Aliados? Eles se
voluntariavam sob a justificativa patriótica de se sacrificar pelo imperador japonês.
Uma demonstração de nacionalismo heroico.
Como escreveu Umberto Eco, em O Nome
da Rosa (1980), “Teme, Adso, os profetas e os que estão dispostos a morrer
pela verdade, pois de hábito levam à morte muitíssimos consigo, frequentemente
antes de si, às vezes em seu lugar”.
Portanto, a análise a se fazer é
de natureza ética e moral. Não é sobre o fanático; mas, aquele, cuja promessa,
o induz ao fanatismo, à obsessão. Afinal,
aproveitando-se da fragilidade e da vulnerabilidade existencial humana, impõe-se
uma pseudoverdade até as últimas consequências.
O que significa que as promessas contemporâneas
estão banhadas pela perversidade, pela crueldade, pelo desrespeito ao ser
humano. Elas têm objetificado cada vez mais os indivíduos, para que sirvam de
instrumento para a realização dos interesses de outros.
As promessas tornaram-se
expressões máximas da violência. Por trás de suas diferentes formas e conteúdos
estão massas de manobra dispostas em diversos cantos do planeta. Promessas políticas.
Promessas religiosas. Promessas de prosperidade. Promessas de poder. Promessas
de liberdade. ...
Desse modo, não vejo outro caminho a não ser concordar com Eduardo Galeano, quando escreveu que “No manicômio global, entre um senhor que julga ser Maomé e outro que acredita ser Buffalo Bill, entre o terrorismo dos atentados e o terrorismo da guerra, a violência está nos arruinando”.