quinta-feira, 14 de novembro de 2024

Promessas ...

Promessas ...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Promessas não representam garantias. O mundo contemporâneo não se cansa de fazê-las, esquecendo-se voluntariamente da responsabilidade que isso implica. Vendendo a máxima de que qualquer sonho pode ser satisfeito através do consumo de um bem, produto ou serviço, bastando apenas o dinheiro para adquiri-lo, a contemporaneidade é o poço das ilusões.

Afinal, a teoria é uma. A prática é bem outra. Não, não se pode esquecer de que a historicidade humana é marcada pelas desigualdades sociais, o que torna essa dinâmica distante de qualquer igualdade, de qualquer equidade.

E enquanto o frenesi contemporâneo não para, a raça humana vai deteriorando, de maneira intensa e ininterrupta, a sua saúde mental, através de uma luta inglória imposta por tantas promessas sem garantias.

Bem, se engana quem pensa que a saúde mental diz respeito somente ao estresse, à fadiga, à ansiedade, à depressão, aos distúrbios do sono, aos pensamentos suicidas, ...

Todos esses sintomas e manifestações constroem uma dinâmica psico-comportamental demasiadamente fragilizada e vulnerabilizada. O que faz o indivíduo perder o seu balizamento em relação à satisfação pessoal, ao seu bem-estar, às suas capacidades, às suas realizações.

E quanto mais ele se distancia das suas esperanças, das suas expectativas, das suas perspectivas, mais ele se torna um alvo dos discursos e manipulações ideológicas, cujo viés objetiva enredá-lo a um contexto de mais promessas.

Na medida em que elas são construídas exatamente para satisfazer às suas frustrações, decepções, angústias, perdas, o ser humano vai se permitindo alienar, a tal ponto em que desenvolve um fanatismo, uma obsessão, em torno de certas ideias.

Ora, as promessas funcionam como verdadeiras boias de salvação, um porto seguro em meio a um mar de incertezas. De modo que, inadvertidamente, o ser humano acaba sendo induzido a se render a elas. Como um analgésico de efeito imediato e polivalente, capaz de aliviar os sofrimentos que lhe habitam o consciente e o inconsciente.

Mas, como toda medicação, seu efeito colateral mais importante é a destruição identitária. O indivíduo perde a manifestação do seu protagonismo identitário e passa a ser mais um, no chamado efeito manada.

O fanático é um ser despojado da sua personalidade, da sua identidade. Ele é um ser submisso, dependente, dominado, serviçal, ao que uma realidade paralela seja capaz de lhe oferecer em termos de satisfação pessoal. Porque essa promessa idealizada é o que parece lhe trazer sentido existencial.

O fanatismo, no fundo, é uma experienciação daquilo que não se é; mas, gostaria de ser. Quem não se lembra dos Kamikaze, os pilotos dos aviões japoneses, durante a Segunda Guerra Mundial, que realizaram ataques suicidas contra os navios dos Aliados? Eles se voluntariavam sob a justificativa patriótica de se sacrificar pelo imperador japonês. Uma demonstração de nacionalismo heroico.

Como escreveu Umberto Eco, em O Nome da Rosa (1980), “Teme, Adso, os profetas e os que estão dispostos a morrer pela verdade, pois de hábito levam à morte muitíssimos consigo, frequentemente antes de si, às vezes em seu lugar”.

Portanto, a análise a se fazer é de natureza ética e moral. Não é sobre o fanático; mas, aquele, cuja promessa, o induz ao fanatismo, à obsessão.  Afinal, aproveitando-se da fragilidade e da vulnerabilidade existencial humana, impõe-se uma pseudoverdade até as últimas consequências.

O que significa que as promessas contemporâneas estão banhadas pela perversidade, pela crueldade, pelo desrespeito ao ser humano. Elas têm objetificado cada vez mais os indivíduos, para que sirvam de instrumento para a realização dos interesses de outros.

As promessas tornaram-se expressões máximas da violência. Por trás de suas diferentes formas e conteúdos estão massas de manobra dispostas em diversos cantos do planeta. Promessas políticas. Promessas religiosas. Promessas de prosperidade. Promessas de poder. Promessas de liberdade. ...

Desse modo, não vejo outro caminho a não ser concordar com Eduardo Galeano, quando escreveu que “No manicômio global, entre um senhor que julga ser Maomé e outro que acredita ser Buffalo Bill, entre o terrorismo dos atentados e o terrorismo da guerra, a violência está nos arruinando”.