domingo, 25 de fevereiro de 2018

#Vamospensar

Roubaram o futuro?




Por Alessandra Leles Rocha




Não, estão roubando o presente. É justamente por postergar a vida que a coisa está como está. Ao se deixar envolver pelas asas de uma esperança que espera sem limites, o ser humano se abstém da sua responsabilidade diária enquanto cidadão.
Também é bom lembrar que se estão roubando é porque alguém está permitindo, fechando os olhos, fazendo “ouvidos de mercador” e silenciando, como se beneficiasse a si mesmo, ainda que em prejuízo dos demais. Pena, porque é no agora que a vida acontece. Enquanto abdicamos voluntariamente, ou não, do nosso protagonismo no mundo, mais um pedacinho do presente se esvai como fumaça.
Pois é, já passou da hora, então, de estabelecer as conexões que nos permitem entender como a vida é um imenso emaranhado inter e intradependente de fatos e histórias. Nada é por um acaso. Nada é sem razão. Por mais ilógico que possa nos parecer há uma lógica regendo as linhas e as entrelinhas do cotidiano.
Eu até compreendo a sensação de cansaço que muitas pessoas manifestam diante desse assunto, em virtude da luta atroz do dia a dia a lhes consumir os parcos fiapos de vitalidade física e moral. Mas, infelizmente, se o cidadão não se posiciona deixa um espaço aberto a ser preenchido por alguém cuja esperteza ardilosa é a qualidade humana mais evidente.
O pior de tudo é que essa é uma questão mundial. O mundo parece sofrer um franco processo de esfacelamento sobre a cabeça da humanidade. Instabilidade econômica, guerras e conflitos bélicos, refúgio forçado, miséria e subnutrição, epidemias, a violência sob diferentes faces... estão roubando o presente de milhões de vidas.
E esse roubo doloso, meticulosamente premeditado ao longo de décadas de omissão e negligência, se não aponta cenários favoráveis ao agora, desabona quaisquer perspectivas de futuro. Porque os impactos desse roubo afetam diretamente aos seres humanos, na medida em que eles estão sendo expostos a uma sucessão de desconstruções da sua identidade e de seus valores, cujos desdobramentos são sempre uma incógnita, especialmente no que diz respeito às crianças.
Já se verifica, por exemplo, o aumento da dificuldade das pessoas em lidar com as perdas. Fazê-las acreditar em uma possibilidade bem sucedida de reconstrução parece um desafio intransponível, quando os prognósticos apontam para uma continuidade das rupturas. Para os remanescentes de guerra nos campos de refugiados isso fica bem evidente.
O cerne dessa discussão gira, portanto, em torno da dignidade humana através de todos os atos de irresponsabilidade cometidos contra ela. É na condição de vulnerabilidade do indivíduo que o seu presente é roubado e ninguém, absolutamente ninguém, tem o direito de impedir o ir e vir natural do fluxo da vida alheia; seja pela intromissão direta ou pela sutileza ardilosa das más intenções.
Se assim o fizer, tenha a certeza de que, à revelia de sua vontade, haverá de reconhecer e assumir a responsabilidade de arcar com as consequências. Já dizia Caio Fernando Abreu 1, “Não brinque com os outros, o mundo gira. Hoje você brinca, amanhã é brinquedo!”.





1 Caio Fernando Abreu (1948 - 1996) foi um jornalista, dramaturgo e escritor brasileiro, considerado um dos expoentes de sua geração.

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