É preciso
atenção às opiniões que se relativizam abruptamente ...
Por
Alessandra Leles Rocha
É de conhecimento público que a Direita e seus matizes, especialmente, a ultradireita,
se utilize de diferentes estratégias de propaganda para alcançar seus
objetivos. No entanto, na Terra Brasilis, o setor cultural não só foi
abandonado, durante o último governo desse espectro político-partidário, como
foi sumariamente desconstruído sob forte fogo cruzado entre ofensas e
acusações. Algo que não só causou repulsa, por parte da população; mas, também,
evidenciou o enorme desconhecimento daquele governo sobre a chamada Economia
Criativa.
Para quem desconhece o
significado, trata-se de um setor da economia nacional voltado a valorizar a
criatividade, o conhecimento e a inovação, promovendo a geração de recursos em termos
econômicos e sociais. Portanto, me refiro às artes plásticas, design, música, moda,
teatro, cinema, ... e demais áreas que
utilizam a criatividade para o desenvolvimento de produtos, serviços e
experiências socio inovadoras.
Segundo dados da Organização das
Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), “O setor cultural
está entre os setores que mais crescem no mundo, respondendo por 6,1% da
economia mundial. A indústrias culturais e criativas produzem um faturamento
anual de US$ 2,25 bilhões e quase 30 milhões de empregos no mundo, e fornecem
trabalho para mais pessoas com idade entre 15 e 29 anos do que qualquer outro
setor” 1.
Daí a imensa surpresa ao me deparar
com a notícia de que um dos players do mercado financeiro, representante da
ultradireita nacional, tem em sua mesa uma proposta para financiar a campanha do
grande sucesso brasileiro, em Cannes 2,
e tentar emplacá-lo no Oscar, em 2026. Bem, não se trata de um eventual “Mea culpa”,
depois dos anos em que se dispuseram a empregar seus discursos em favor de uma avalanche
de ataques ao setor cultural, inclusive, em relação à Lei Rouanet (Lei n.º
8.313/1991), liderada pela Direita e seus matizes mais radicais e extremistas, no
país.
O filme RAÇA (Race) 3, de 2016, baseado na história de Jesse Owens,
o maior representante do atletismo da história, durante o cenário mundial das
Olimpíadas de 1936, na Alemanha nazista, traz um aspecto importante sobre esse
assunto. Na época, o governo alemão, na
figura do Ministro da Propaganda do Terceiro Reich, pretendia transformar aqueles
Jogos Olímpicos em uma vitrine da superioridade ariana, através das lentes de
uma jovem cineasta.
Isso significa a utilização do
setor cultural, no caso o cinema, para servir aos interesses de ampliação da
popularidade governamental junto a uma sociedade. Certos governos; sobretudo,
aqueles de viés autoritário e fascista, enxergam nesse caminho uma estratégia perfeita
para capitalizar apoio e credibilidade à sua ideologia. Não é difícil de entender
que pessoas/empresas dispostas a patrocinar financeiramente produtos ou
serviços desenvolvidos a partir da Economia Criativa, promovem de maneira
objetiva e subjetiva uma percepção muito positiva sobre o seu próprio espectro
político-partidário.
É claro, que o país torce para
mais uma onda de premiações internacionais para o cinema! Para que isso
aconteça, de fato, é necessário a existência dos apoiadores e/ou patrocinadores,
tornando possível essa longa empreitada. Colocar um filme em cenário
internacional competitivo é tarefa hercúlea e onerosa. Mas, não posso deixar de
apontar a minha preocupação quanto ao que possa estar oculto nas entrelinhas
das negociações; sobretudo, considerando uma mudança de opinião tão radical, da
Direita e seus matizes, especialmente, a ultradireita, em relação à Cultura. Afinal,
como diz o provérbio popular, “quando a esmola é demais, o santo desconfia”!
2 https://www.correiobraziliense.com.br/cbradar/o-agente-secreto-vence-premio-cannes-mas-perde-a-palma-de-ouro/
3 Raça | Trailer Oficial (2016) Legendado HD - https://www.youtube.com/watch?v=6lqZmATIq1g