segunda-feira, 26 de maio de 2025

É preciso atenção às opiniões que se relativizam abruptamente ...


É preciso atenção às opiniões que se relativizam abruptamente ...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

É de conhecimento público que a Direita e seus matizes, especialmente, a ultradireita, se utilize de diferentes estratégias de propaganda para alcançar seus objetivos. No entanto, na Terra Brasilis, o setor cultural não só foi abandonado, durante o último governo desse espectro político-partidário, como foi sumariamente desconstruído sob forte fogo cruzado entre ofensas e acusações. Algo que não só causou repulsa, por parte da população; mas, também, evidenciou o enorme desconhecimento daquele governo sobre a chamada Economia Criativa.

Para quem desconhece o significado, trata-se de um setor da economia nacional voltado a valorizar a criatividade, o conhecimento e a inovação, promovendo a geração de recursos em termos econômicos e sociais. Portanto, me refiro às artes plásticas, design, música, moda, teatro, cinema, ...  e demais áreas que utilizam a criatividade para o desenvolvimento de produtos, serviços e experiências socio inovadoras.

Segundo dados da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), “O setor cultural está entre os setores que mais crescem no mundo, respondendo por 6,1% da economia mundial. A indústrias culturais e criativas produzem um faturamento anual de US$ 2,25 bilhões e quase 30 milhões de empregos no mundo, e fornecem trabalho para mais pessoas com idade entre 15 e 29 anos do que qualquer outro setor” 1.

Daí a imensa surpresa ao me deparar com a notícia de que um dos players do mercado financeiro, representante da ultradireita nacional, tem em sua mesa uma proposta para financiar a campanha do grande sucesso brasileiro, em Cannes 2, e tentar emplacá-lo no Oscar, em 2026. Bem, não se trata de um eventual “Mea culpa”, depois dos anos em que se dispuseram a empregar seus discursos em favor de uma avalanche de ataques ao setor cultural, inclusive, em relação à Lei Rouanet (Lei n.º 8.313/1991), liderada pela Direita e seus matizes mais radicais e extremistas, no país.   

O filme RAÇA (Race) 3, de 2016, baseado na história de Jesse Owens, o maior representante do atletismo da história, durante o cenário mundial das Olimpíadas de 1936, na Alemanha nazista, traz um aspecto importante sobre esse assunto.  Na época, o governo alemão, na figura do Ministro da Propaganda do Terceiro Reich, pretendia transformar aqueles Jogos Olímpicos em uma vitrine da superioridade ariana, através das lentes de uma jovem cineasta.

Isso significa a utilização do setor cultural, no caso o cinema, para servir aos interesses de ampliação da popularidade governamental junto a uma sociedade. Certos governos; sobretudo, aqueles de viés autoritário e fascista, enxergam nesse caminho uma estratégia perfeita para capitalizar apoio e credibilidade à sua ideologia. Não é difícil de entender que pessoas/empresas dispostas a patrocinar financeiramente produtos ou serviços desenvolvidos a partir da Economia Criativa, promovem de maneira objetiva e subjetiva uma percepção muito positiva sobre o seu próprio espectro político-partidário.

É claro, que o país torce para mais uma onda de premiações internacionais para o cinema! Para que isso aconteça, de fato, é necessário a existência dos apoiadores e/ou patrocinadores, tornando possível essa longa empreitada. Colocar um filme em cenário internacional competitivo é tarefa hercúlea e onerosa. Mas, não posso deixar de apontar a minha preocupação quanto ao que possa estar oculto nas entrelinhas das negociações; sobretudo, considerando uma mudança de opinião tão radical, da Direita e seus matizes, especialmente, a ultradireita, em relação à Cultura. Afinal, como diz o provérbio popular, “quando a esmola é demais, o santo desconfia”!