sábado, 28 de dezembro de 2024

Entre chegadas e partidas ... Assim, nos ensina o tempo!

Entre chegadas e partidas ... Assim, nos ensina o tempo!

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Tudo é movimento, é transformação. Os corpos. A vida. Os caminhos. As emoções. Os sentimentos. A criatividade. Enfim... De modo que a dinâmica temporal não poderia ser diferente. Nenhum dia é igual ao outro. Nenhum ano é igual ao outro. Todos deixam seus rastros, suas marcas, seus aprendizados, suas lições, ...

Assim, 2024, com suas 8784 horas não poderia ser diferente, sob essa perspectiva de análise. Entretanto, concordem ou não com as minhas considerações, ele me pareceu bem mais do que um simples ano; mas, um verdadeiro ponto de inflexão para a humanidade.  

Seus 366 dias foram atravessados por acontecimentos metamórficos importantes e significativos. Tudo de uma maneira muito intensa, muito impactante. Não falo apenas de fenômenos ligados aos eventos extremos do clima, os quais foram muitos e diversamente distribuídos pelo planeta; mas, de um conjunto de outros fatos engenhosamente organizados pelas conjunturas da vida.

Daqui e dali fomos sim, surpreendidos pelo inimaginável, pelo insólito. Como se o roteiro da saga humana sobre a Terra fosse revisado a cada instante e trouxesse reviravoltas de deixar qualquer um de queixo caído. Não foram raras as vezes em que tive a sensação de olhar para o mundo sob constante aparo de velhas arestas. O baú da história foi revirado pelo avesso. O que nos permitiu ver e sentir a partir de novos pontos de vista.  

Quem diria, até os indivíduos mais blasé, experenciaram o desconforto de se ver à flor da pele! Afinal, descobrimos pelos fatos e acontecimentos as fragilidades e as vulnerabilidades de uma historicidade mal contada. Todo o verniz empregado para garantir uma pseudoperfeição às imagens, não resistiu ao tempo. Esfacelou, craquelou, desnudou as imperfeições, camada por camada. Nos obrigando a um movimento de análise crítico-discursiva capaz de promover um verdadeiro resgate histórico.

O que não é pouca coisa! As personagens, as máscaras, o teatro, de repente, se desfizeram! A vida como ela é, de fato, apareceu sem retoques. Com todas as suas faces, suas virtudes e seus defeitos. E até mesmo, antes de considerarmos esse processo digerível ou não, fomos subitamente questionados sobre o nosso papel, a nossa participação, a respeito. Fomos retirados de nossas pseudo zonas de conforto!

Distante de acasos ou coincidências, fato é que 2024, o ano em que se relembra as duas décadas do fatídico deslocamento de placas tectônicas debaixo do Oceano Índico, que atingiu a Indonésia, a Tailândia e a Índia, dada a formação de uma Tsunami que matou mais de 227 mil pessoas na Ásia, a humanidade teve que lidar com questões ligadas à sua sobrevivência. De diferentes maneiras foi sim, um ano catártico!

Uma breve retrospectiva para se perceber a convergência dos assuntos para o desequilíbrio vigente entre o Ser e o Ter. A dinâmica social da raça humana foi colocada em xeque, a partir de pontos de vista bastante coletivos. O consumo. O empobrecimento. O adoecimento. O envelhecimento. O meio ambiente. O clima. A desigualdade. A violência. Os preconceitos. ...

E se não me engano, a apatia, os silêncios, as omissões, em torno desses cenários desapareceu. Como se o jogo tivesse mudado de lado, o instinto de sobrevivência voltou a pulsar. A mobilização social esteve presente em diversos momentos e lugares, fazendo pressão para as mudanças, as transformações, a defesa dos direitos humanos. Milhares de pessoas fizeram valer o seu protagonismo cidadão e humanitário.

Então, não me parece equivocado pensar que 2024 foi o primeiro ano do resto de nossas vidas.  Um aceno alvissareiro para novos tempos. Tudo bem, que não me iludo em pensar que o futuro será em mares de calmaria! Há muito por fazer, por transformar, por construir; mas, as possibilidades apontam para novas bases, novos fundamentos, novos valores, a guiar e a embalar a humanidade.  

Afinal, como escreveu Heráclito de Éfeso, “Nenhum homem pode banhar-se duas vezes no mesmo rio ... pois na segunda vez o rio já não é o mesmo, nem tão pouco o homem! ...”. A metamorfose da humanidade está em curso, não pode parar, não há como parar. O que vimos, vivemos, experenciamos, evoluímos, desconstruímos, ..., em 2024, segue conosco pela estrada da vida, em todos os próximos anos que estão reservados a nós.

Desse modo, quando olhar para 2025, lembre-se: “Diz-se que, momentos antes de um rio cair no oceano ele treme de medo. Olha para trás, para toda a jornada, os cumes, as montanhas, o longo caminho sinuoso através das florestas, através dos povoados, e vê à sua frente um oceano tão vasto que entrar nele nada mais é do que desaparecer para sempre. Mas não há outra maneira. O rio não pode voltar. Ninguém pode voltar. Voltar é impossível na existência. Podemos apenas ir em frente. O rio precisa se arriscar e entrar no oceano. E somente quando ele entra no oceano é que o medo desaparece. Porque apenas então o rio compreende que não se trata de desaparecer no oceano, mas tornar-se oceano. Por um lado é desaparecimento e por outro lado é renascimento” (Gibran Khalil Gibran). Feliz Ano Novo!!! 

segunda-feira, 23 de dezembro de 2024

Dezembros ...

Dezembros...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Todo Dezembro é assim, muitas promessas de amor, de paz, de união, de fraternidade, ... Acontece que palavras sem atitude, sem transformação íntima, se perdem no vento.

Vejam, são onze meses de preparação até a chegada de Dezembro. Para muitos, pode parecer pouco. Mas, na verdade, não é.  Esse  tempo é suficiente para transmutar nossas arestas humanas e tornar-nos seres melhores, em diferentes sentidos.

Ainda que complexa e aparentemente difícil, essa não é uma tarefa nova. Afinal de contas, evoluir é parte integrante do desenvolvimento humano. Construir, desconstruir, ressignificar, são movimentos intrínsecos à nossa existência eternamente inacabada.

Sim, temos que aprender a aceitar que somos seres incompletos. Passamos uma vida inteira à procura de uma tal perfeição e ela jamais é atingida. Nem mesmo os mártires, os santos, foram perfeitos.

Daí a necessidade de fazer de Dezembro o marco, o ponto de partida, das nossas metamorfoses. Um passo de cada vez, de Dezembro a Dezembro, rumo a uma existência de luz, de novas práxis, de novos paradigmas, de novos olhares sobre o mundo e sobre nós mesmos.

Não é à toa que Dezembro nos conclama a renascer. Ora, para isso é preciso desapegar das velhas amarras, lançar fora tudo o que não acrescenta mais às nossas vidas, reestabelecer uma ordem de prioridades que seja efetivamente consciente, assumindo um compromisso real com a nossa própria missão existencial.

Por isso, Dezembro é um tempo de fé, o qual ultrapassa os limites da religiosidade. Independentemente da crença de cada indivíduo, Jesus Cristo é sim, um símbolo do renascimento humano, o qual cada pessoa pode se inspirar e abstrair grandes e valiosas lições.

A saga do menino Nazareno nos transporta para um resgate de valores e de princípios, à revelia das nossas próprias convicções. Em plena contemporaneidade, quando honestidade, respeito, responsabilidade, tolerância, humildade, empatia, igualdade, solidariedade, gratidão, diversidade, têm estado tão esquecidos e negligenciados, Ele surge silenciosamente para nos relembrar.

Basta pensar Nele! Seja em reflexão ou em prece. De repente, somos conduzidos a um processo de análise quanto ao nosso papel no mundo. Quem somos? Que sementes temos plantado pelo caminho?  Que melhorias conseguimos apurar em nossa evolução? Que valores têm preenchido os nossos dias? ...

Talvez, isso explique as razões dos Dezembros terem um cenário, de algum modo, melancólico. Um céu nublado e sisudo. Dias de chuva intensa. Um ar mais frio para rebater o calor tropical. Um sentimento de introspecção nos olhos e na alma. Uma certa emotividade à flor da pele.

Porque os Dezembros são convites para o amanhã. Depois dele, um novo ciclo recomeça. E precisa vir embalado pela transformação. Afinal, ninguém quer mais do mesmo! Mas, não se trata apenas de uma mudança externa. É fundamental mudar por dentro, nas entranhas, no mais profundo do (in)consciente.

Somente dessa forma, os Dezembros valem a pena, fazem sentido. Essa é a verdadeira festa! Ela transborda a alma e contagia o mundo ao redor. Dezembros são trinta e um dias para nos permitirmos ofertar o melhor que existe em nós, pequenos gestos, palavras edificantes, sorrisos genuínos, abraços fraternos, lágrimas de gratidão, ...

Portanto, antes que esse Dezembro se despeça, não deixe que ele escape sem que você tenha descoberto uma nova perspectiva de vivê-lo, uma nova face de si mesmo. No fundo, Dezembros marcantes são aqueles em que se consegue entender que “... a felicidade é um sentimento simples, você pode encontrá-la e deixá-la ir embora por não perceber sua simplicidade” (Martha Medeiros – Felicidade Realista). 

sábado, 21 de dezembro de 2024

Reflexões sobre o avesso do sentimento humano


Reflexões sobre o avesso do sentimento humano

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Disposta a tentar compreender o ódio que se espalha pelo mundo, não pude deixar de observar como o poder se distribuiu entre duas formas. Bem, há os que, de fato, detêm o poder. A ínfima minoria que ocupa o ápice da pirâmide social.

No entanto, há uma legião, distribuída pelas demais camadas da pirâmide, que padece da chamada Síndrome do Pequeno Poder. Essas pessoas, então, assumem um comportamento autoritário e/ou opressivo, quando ocupam algum espaço de importância ou de destaque social.

Independentemente do grupo, está na questão do poder o foco de análise. Afinal, a historicidade humana se constituiu a partir dele. Ter e exercer o poder estabelece uma aura de distinção social extremamente cobiçada. Pelo menos em tese.

Porque esse suposto “passaporte para a felicidade”, que resolve todos os problemas, que abre todas as portas, que satisfaz todos os desejos, que influencia de diversas maneiras, dá sinais, na contemporaneidade, de ter exaurido a sua força.

Ainda que muitos aspirem por essa dádiva, o poder já não surte um efeito extasiante pleno. Infelizmente, vivemos uma realidade em que o ser humano parece, cada vez mais, incapaz de lidar com suas frustrações. Há um fastio pairando sobre a população, que não a permite se satisfazer e manifestar os melhores sentimentos e emoções.

O resultado disso tem sido a exacerbação do ódio e de outros sentimentos correlatos, tais como a antipatia, a aversão, a cólera, a covardia, o desconforto, a fúria, a impaciência, a ira, o nojo, a raiva, a repulsa, na maioria das vezes, expressos por indivíduos pertencentes a um ou ao outro grupo que detém algum tipo de poder.

Isso nos leva a pensar que o poder não supre os indivíduos. O fato de viverem uma condição social de destaque, sob diferentes aspectos, não preenche mais as suas lacunas existenciais. De modo que elas padecem de uma constante inquietação, desassossego, desapontamento, desgosto e/ou insatisfação.

E como não sabem lidar com esses sentimentos, elas promovem uma transferência para o outro. Ele se torna, então, o objeto do seu ódio e passam a sofrer todo tipo de ataques, desqualificações e violências.

Entretanto, é importante ressaltar que, esse outro, não é um de seus pares diretos. A escolha recai, quase sempre, sobre alguém que ele considera em posição de desvantagem social.  Muitas vezes, algum membro das minorias.

O que explica a presença marcante da aporofobia, da xenofobia, do racismo, da misoginia, do etarismo, ... como mecanismo de legitimação do ódio ou de quaisquer outros sentimentos correlatos a ele.

De modo que ao ser disseminado na sociedade contemporânea, o ódio ultrapassa as fronteiras das polarizações ideológicas. Por trás desse tipo de estopim social, me parece muito mais plausível a análise a respeito dos desalinhos e desvios comportamentais dos indivíduos, ou seja, a má resolução existencial de uns e outros, por aí.

Afinal, como dizia Carl Gustav Jung, “Tudo o que nos irrita nos outros pode no levar a uma melhor compreensão de nós mesmos”. Nesse sentido, considerando o tripé - individualismo, narcisismo e egoísmo - vigente na contemporaneidade, não é de se espantar que a semente do ódio emerja de uma construção social idealizada.

Como se o indivíduo quisesse exercer o pleno poder decisório sobre como deve ser o mundo em que ele habita. Assim, ele não precisaria lidar com seu próprio reflexo, através do outro. Porém, isso é impossível. Aí o ódio explode. De diferentes formas. Em diferentes situações. Com diferentes pessoas.

O que a maioria não se dá conta é de que ao expressar avassaladoramente o seu ódio, revela-se ao mundo o tamanho de uma incompletude existencial, que parecia não existir, em razão do lustro garantido pelo poder apropriado. Quem diria?! Além do ódio trazer à tona a real dimensão do ser humano, há uma franca demonstração da insuficiência do poder, seja ele de que natureza for.

Desse modo, semeando o ódio daqui e dali, vamos percebendo o encolhimento ético e moral da humanidade, com milhares de seres pequenos, mesquinhos, infelizes, revoltados, ... atormentados em sua própria condição humana. Afinal, nem mesmo o poder foi capaz de blindá-los, protegê-los, salvá-los, de quem habita sua própria pele!  

sexta-feira, 20 de dezembro de 2024

Uma breve linha do tempo ...

Uma breve linha do tempo ...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Na vida, certos acontecimentos se mostram muito mais profundos do que aparentam ser. As discussões em torno dos recentes atos de golpismo de Estado, no Brasil, apresentam tantas camadas, que acaba por ser inevitável enxergar a sua total dimensão.

Pensando a respeito e observando as oscilações do dólar, segundo os humores do mercado financeiro, comecei a estabelecer uma linha do tempo dos acontecimentos, bastante interessante. Afinal, como é fácil constatar, o frame presente não faz jus à história em si!

Vejam. A gestão federal, entre 2019 e 2022, fragmentou as estruturas de governo sob o pretexto da transformação sem, no entanto, trazer quaisquer propostas substitutivas. Foi, simplesmente, estabelecer obstáculos para a gestão do que estava funcionando.

Mas, por quê? Esse tipo de pensamento já se mostrava um tipo de plano alternativo, caso o projeto de reeleição não lograsse êxito. Sim, porque aquele que assumisse o país, a partir de um cenário, praticamente, de “terra arrasada”, não conseguiria colocar em prática a sua plataforma de governo e se tornaria alvo de críticas e cobranças dos eleitores. Um contexto que favoreceria imensamente uma eventual retomada da Direita e seus matizes, nas eleições de 2026.

Entretanto, não para por aí. No campo econômico, a escolha do Presidente do Banco Central foi feita a dedo. Ora, fosse a reeleição bem sucedida, ter uma figura simpatizante e aliada aos interesses direitistas demonstrava uma boa estratégia.

Mas, em caso de não reeleição, haveria uma infinidade de possibilidades capazes de construir obstáculos, os quais minariam, de forma contundente, as perspectivas de sucesso do projeto de gestão progressista, para o país.

Dito isso, basta uma recapitulação das matérias publicadas pelo mais amplo espectro nacional e internacional de mídia, para se deparar com o árduo trabalho do Presidente do Banco Central, que agora se despede, para descredibilizar e implantar um cenário nacional de instabilidade econômica para o mercado financeiro global. Isso, sem contar, a política perversa de juros e a inação do Banco central (BC) diante da ocorrência dos episódios de elevação do dólar.

Isso significa que, em todo esse recorte temporal, uma construção dialógica especulativa vem pairando sobre a política econômica nacional. Com o objetivo de deteriorar a gestão vigente e abrir espaços para uma campanha depreciativa, junto à opinião pública, a fim de favorecer o retorno da Direita e seus matizes, nas eleições de 2026.

Aliás, vale lembrar que, ao se falar em mercado financeiro, ele é constituído justamente por indivíduos pertencentes ou simpatizantes do espectro político-partidário de Direita. Portanto, todo o tensionamento e instabilidade que seus comportamentos desencadeiam na economia tem sim, um propósito muito bem definido aos seus interesses de poder.

Mas, não se engane ao pensar que tudo isso é privilégio brasileiro! Porque não é. Como já devem ter ouvido, o movimento expansionista da ultradireita, em todo o mundo, tem buscado minar os projetos progressistas de governança, a partir desse mesmo modus operandi.

De certa forma, o que eles buscam não difere, em praticamente nada, das bases ideológicas que sustentaram o Colonialismo, entre os séculos XVI e XIX. Além do poder político em si, essas pessoas buscam se reapropriar de outras formas de poder, ou seja, econômico, social, cultural, religioso, para exercerem as suas práxis de dominação e controle.

Daí a precarização da economia e do trabalho ser tão importante aos seus objetivos, na medida em que ela recrudesce a obstaculização das pretensões de ascensão e de mobilidade social. Em linhas gerais, isso representa a reafirmação das desigualdades socioeconômicas concomitantemente à ampliação dos interesses das elites dominantes.

Algo que se explica, por exemplo, pela manifestação de comportamentos racistas, aporofóbicos, xenofóbicos, misóginos, ... dentro de contextos, cada vez mais, constituídos por fundamentos necropolíticos.  Portanto, um claro contraponto à visão progressista de governança.

E assim, de repente, somos capazes de perceber a tecitura dos processos golpistas. Ao contrário do que muitos acreditam, tudo começa pela corrosão da estabilidade, da capacidade de gestão e da materialização das plataformas de governo.  Há uma flagrante utilização da depreciação discursiva, por parte das instituições em parceria com os veículos de comunicação e de informação, para criar um movimento de oposição por parte da opinião pública.

Como bem escreveu Steven Levitsky, “Os cidadãos muitas vezes demoram a compreender que sua democracia está sendo desmantelada – mesmo que isso esteja acontecendo bem debaixo do seu nariz” (Como as democracias morrem, 2018). Acontece que essa demora pode custar caro.

Portanto, lembre-se do que dizia o filósofo Platão, “... Cada um de nós é como um homem que vê as coisas em um sonho e acredita conhecê-las perfeitamente, e então desperta para descobrir que não sabe nada ...!”. Não é à toa, que seja tão fundamental abrir os olhos e a mente, para dedicar-se a uma análise crítico-reflexiva dos acontecimentos contemporâneos que nos cercam.

segunda-feira, 16 de dezembro de 2024

O ineditismo ...


O ineditismo ...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Não se engane, o ineditismo é sempre a ponta de um imenso iceberg. Uma parcela significativa do Brasil está perplexa pela ousadia da construção golpista que se estabeleceu nos últimos anos. Mas, em relação ao alcance de membros da alta cúpula militar na recente tentativa de Golpe de Estado, é preciso olhar além da superfície.

Seria mais um equívoco terrível da história nacional, sustentar a tese de que um movimento golpista seria uma questão pontual dentro das Forças Armadas. A partir do fato de que elementos do generalato, o mais alto cargo da hierarquia do Exército, estão presos e que o trabalho de persuasão para apoiar a eleição do ex-Presidente da República se deu dentro de centros de formação militar, em atividades festivas para as quais ele era convidado a participar e, algumas vezes, discursar, é fundamental apurar a dimensão corrosiva trazida pela ideologização política radical e extremista dentro das instituições militares, como um todo.

É importante ressaltar que tal conjuntura prosperou porque encontrou condições favoráveis. A redemocratização brasileira, na década de 1980, não trouxe consigo uma reformulação de crença, valores e princípios aos segmentos militares do país. A anistia brasileira se transformou em processo de silenciamento histórico e um grande impeditivo para uma reflexão dos acontecimentos. Assim, os processos de formação militar permaneceram fundamentados ideologicamente por velhos e obsoletos paradigmas globais, construindo uma realidade paralela e contrária ao desenvolvimento e ao progresso social do país.

Parece absurdo, mas não é! O ódio destilado pelos matizes mais radicais e extremistas da Direita, dentro do núcleo militar, reflete a disseminação contemporânea de questões totalmente fora de propósito. Eles parecem presos na sua trajetória histórica, ampla e profundamente manipulada pelos interesses internacionais, a certas ideias tais como a Guerra Fria, o combate ao Comunismo e quaisquer ideologias de caráter progressista. Estão entrincheirados numa guerra contra inimigos imaginários, os quais foram convencidos sobre uma eventual periculosidade, quase, letal.

Acontece que esse pensamento, transitando de dentro para fora e de fora para dentro dos quartéis, inevitavelmente, se torna nocivo à manutenção democrática. A verdade é que não estamos falando apenas de ideias; mas, de um conceito próprio de realidade, capaz de afetar as relações sociais em diferentes níveis. Acostumados a uma condição de obediência hierarquizada, a construção do pensamento militar passa por uma limitação da consciência crítica e reflexiva, dentro de um condicionamento de aceitação e não contestação.

Daí é fácil entender porque razão, gerações e gerações de militares, permanecem olhando e entendendo o mundo a partir de uma mesma perspectiva. A caserna não acompanhou a evolução da própria sociedade. De modo que ela enxerga os equívocos, os erros, os absurdos, na figura do outro, aquele que não pertence à sua realidade. Uma construção histórica que permitiu os colocar em uma posição de superioridade absoluta e incontestável, a qual lhes garantiu também um conjunto de regalias, privilégios e poderes que não estão dispostos a negociar jamais.

Por isso, ainda que não haja uma unanimidade ideológica golpista dentro das Forças Armadas, não se pode relativizar e dizer que ela é pontual, dada a sua organização hierárquica e a permissividade com que certas fraturas protocolares se estabeleceram dentro das unidades de comando. Começando por essa aglutinação político-militar, a qual afronta diretamente a atemporalidade do Estado, ou seja, governos mudam e o Estado permanece, cabendo às forças militares servirem aos interesses do Estado e não, de pessoas.   

É preciso compreender que a responsabilização dos envolvidos na tentativa recente de Golpe de Estado, inclusive militares, é algo inegociável na perspectiva da manutenção democrática nacional. Mas, não é tudo. Se não houver uma mensuração do grau de disseminação golpista nas Forças Armadas, se não houver uma mudança paradigmática e curricular dos militares, se não houver uma ruptura definitiva com essa aglutinação político-militar, a presença de elementos golpistas persistirá nessas instituições e o risco ao qual a Democracia estará submetida, será de inteira responsabilidade da inação e da negligência das autoridades brasileiras. 

terça-feira, 10 de dezembro de 2024

O filme “Ainda Estou Aqui” e Fernanda Torres garantiram indicações para o Brasil no Globo de Ouro 2025.

Ainda estou aqui (I'M STILL HERE) | Official Trailer (2025)

10 de Dezembro - Dia Internacional dos Direitos Humanos (Human Wrights Day)



Dia Internacional dos Direitos Humanos

Dia Internacional dos Direitos Humanos

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Há tempos venho me questionando sobre quais os motivos que levam os Direitos Humanos a causarem tamanho desconforto e mal-estar entre muita gente, por aí. Até que, de repente, entendi que falar sobre tais direitos é um ato que expõe a dimensão do nosso fracasso civilizatório.

Sim, porque apesar de todas as tentativas de domesticação e civilização, o Homo sapiens permanece o bárbaro, o primitivo, de sempre. Com especial atenção para a contemporaneidade, quando ele encontrou um discurso de legitimação para o seu individualismo, o seu egoísmo, o seu narcisismo e a sua ânsia por liberdade sem limites.

Razão pela qual estamos diante de uma luta explícita entre a indignidade e os Direitos Humanos. Enquanto ela promove um verdadeiro tsunami de desumanização na sociedade, eles tentam, a duras penas, permanecer o farol de segurança e acolhimento da população; sobretudo, das camadas mais frágeis e vulneráveis, em tempos caóticos.

E isso acontece porque existe uma construção discursiva histórica que obstaculiza a compreensão de que os Direitos humanos significam um direito meu, um direito seu, um direito nosso. Ora, essa ideia desconstrói a possibilidade de se justificar as desigualdades no mundo! Em síntese, ela representa um abalo nas regalias, privilégios e poderes, das classes historicamente dominantes.

Afinal de contas, a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), publicada em 10 de dezembro de 1948, em seus 30 artigos não estabeleceu hierarquias de raça, credo, gênero, escolaridade, status, ... Falou-se estritamente sobre e para os seres humanos. Os indivíduos foram, portanto, igualados na sua condição existencial, porque é isso o que realmente importa. Cada vida que chega a esse mundo tem as mesmas demandas fundamentais para sobreviver, de modo que está nesse contexto o real ponto de análise.

Embora, a DUDH não nasceu para ter força de lei, pelo menos, ela sempre buscou exercer o papel fundamental de delinear um roteiro para que haja uma conscientização social sobre a necessidade da manutenção da dignidade humana. Abordando os direitos e liberdades individuais, sociais, políticos, jurídicos e nacionais dos indivíduos, ela estabelece uma consciência em torno das responsabilidades e compromissos com a coletividade humana.

O que me parece ser um ponto nevrálgico para que diversos espectros dentro da sociedade manifestem tamanho desprezo ou ódio em relação aos Direitos Humanos.  Considerando o grau de importância e desimportância social atribuído a certas parcelas da população, a dignidade, em seus mais diferentes aspectos, se torna uma questão não acessível a todos. Como se ela pudesse ser apropriada por uns em detrimento de outros. Daí ao longo da história nos depararmos com situações de exploração, de trabalho análogo à escravidão, de desumanização.

Algo difícil de compreender e aceitar, na medida que subtrai do ser humano qualquer sinal de empatia, de alteridade, de respeito, que deveriam ser intrínsecos à sua natureza. Mas, infelizmente, tal comportamento está disseminado por todo o planeta, de uma maneira trivializada, banalizada, naturalizada. Trazendo a impressão de que muitos indivíduos estão, de fato, perdendo a capacidade de reconhecer a sua humanidade no outro. O que torna as expressões da desumanização contemporânea cada vez mais aterrorizantes e brutais. Basta se debruçar sobre as notícias estampadas pelos veículos de comunicação e de informação, para se ter a dimensão a respeito.

Como escreveu Carlos Drummond de Andrade, “Os direitos do homem são muitos, e raro o direito de gozar deles. Nem todo homem tem direito a conhecer seus direitos”. Esse é o contexto da reflexão a ser desenvolvida por cada indivíduo. Na análise crítica do seu papel individual sobre o coletivo, no sentido de aceitar, de concordar e, até mesmo, referendar, todo tipo de absurdos cometidos contra os seus semelhantes. Afinal, “A injustiça em qualquer lugar é uma ameaça à justiça em todo lugar” (Martin Luther King Jr.).  

segunda-feira, 2 de dezembro de 2024

O dono da bola


O dono da bola

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Sabe a história do dono da bola, aquele menino que insatisfeito com o jogo, contrário aos seus interesses, pega a bola e vai para casa, acabando com a brincadeira? Esse é o Brasil que, em pleno século XXI, permanece monopolizado pelos interesses, regalias, privilégios e poderes de suas elites dominantes.

Só mesmo uma dose gigantesca de ingenuidade para acreditar que o pior para o progressismo, no país, seria a disputa eleitoral em 2022. Ganhando ou perdendo, o simples fato de a Direita e seus matizes; sobretudo, os mais radicais e extremistas, terem reconquistado o seu espaço social, já sinalizava o que viria pela frente.

Como sempre digo, é o ranço colonial brasileiro! Nossos valores monárquicos. Nossos modelos burgueses. Nosso vira-latismo degradante. Nos mostram como a nossa construção identitária de país, não passa de uma caricatura horrenda, uma terrível contradição existencial.

Não é à toa que aceitamos passivamente que parlamentares da Direita e seus matizes; sobretudo, os mais radicais e extremistas, em pleno período de exercício de seus mandatos, viagem ao exterior para difamar e constranger o país.

Que nos curvamos às pautas delirantes e vexatórias que circulam pelo Congresso Nacional, reafirmando o nosso atraso no mundo do século XXI.

Que assistimos aos interesses dos dominadores do capital se sobreporem às lutas seculares contra as desigualdades socioeconômicas do país. ...

Estamos sempre dando um passo à frente e dez atrás na nossa história, porque há uma tendência rançosa à naturalização, à banalização, à trivialização, dos interesses, regalias, privilégios e poderes das elites dominantes, em detrimento da grande massa populacional brasileira.  Como se isso fosse ponto pacífico. Só que não.

Esse é só mais um tipo de anistia que se tenta empurrar goela abaixo da gente trabalhadora e espoliada diariamente nos seus direitos e na sua dignidade, ou seja, uma anistia às desigualdades, como se elas jamais tivessem existido.

O que torna prático e cômodo aos interesses das elites dominantes, pois retira delas o peso da sua responsabilidade, da sua desumanidade, da sua crueldade, ... Algo que reafirma a dimensão do enviesamento e da distorção social brasileira.

Ora, para as parcelas que compõem a base da pirâmide social, em tempo algum da nossa história, houve condescendência, houve empatia, houve humanidade, houve tolerância. Muito pelo contrário. Tiveram sempre que pagar caro por tudo, inclusive pela própria existência.

Foram sempre os mais afetados pelos impostos, pelas ofensas, pelas injúrias, pela criminalização, pelo cárcere injusto, enfim... Mas, ao contrário de clamarem por anistia, inexplicavelmente, sua voz sempre manifestou por justiça. Talvez, Freud explique!

Por isso, apesar do lastimável show de absurdos que tem constituído as atitudes e os comportamentos de membros, apoiadores e simpatizantes da Direita e seus matizes; sobretudo, os mais radicais e extremistas, havemos de agradecê-los.

Afinal, rasgaram as fantasias, tiraram as máscaras, estão desnudos na sua essência, sujeitos ao escrutínio da opinião pública. Suas incongruências, suas dissimulações, suas inverdades, ... nada mais passa desapercebido e inquestionado.

Aliás, se tudo estivesse sob controle, segundo sua perspectiva, o descontrole, a ira, o extremismo, não teriam encontrado guarida. Valer-se de práxis tão antigas, como Golpe de Estado, só mesmo, sentindo-se incapazes de lidar com os reveses da vida!

Em um piscar de olhos, perderam o verniz da civilidade e mostraram todo o seu primitivismo, como era de se esperar. Porque, nesse contexto, foi sempre surpresa zero.  Seus bons modos, assim como, o seu conservadorismo, não passam de fachada.

Tanto é verdade, que as criaturas permanecem indóceis! Seus planos infalíveis já foram descobertos. Alguns membros, apoiadores e simpatizantes já estão no xadrez. Investigações e processos se encontram em análise para desfecho. Mas, ainda permanecem alguns “heróis da resistência”, acreditando que o seu sonho não acabou! Despejam a sua verborragia non sense, por onde passam, enquanto tentam resgatar o ânimo da sua claque.  

De modo que deveríamos ficar atentos. Mais do que a Democracia em risco, é o país em si. Lamento, mas essas pessoas quando tomam o poder não sabem o que fazer com ele.  Metem os pés pelas mãos. Em nome dos seus interesses, prejudicam a população de todas as formas. Fazem péssimo uso do dinheiro público. Desorganizam as estruturas institucionais. E sempre arrumam um bode expiatório para jogar a culpa pelos seus atos e incompetências. Isso, quando não pedem anistia!