domingo, 13 de outubro de 2024

As aparências enganam...

As aparências enganam...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

A atipicidade antidemocrática que afetou o Brasil nos últimos anos comprometeu a percepção real dos acontecimentos. A crença de que o país havia se pacificado e restaurado a Democracia depois dos longos Anos de Chumbo, entre 1964 e 1985, parecia verdadeira.

Afinal, a brutalidade daqueles 21 anos foi tamanha que conseguiu agregar sob a bandeira da defesa democrática, uma Frente Ampla formada por políticos, artistas, intelectuais e gente do povo. Tomados pela exaustão sofrida, o senso comum os uniu.

Acontece que os Anos de Chumbo, na verdade, não expressavam necessariamente os interesses representativos daquele recorte temporal; mas, de uma herança bem mais antiga, iniciada nos tempos coloniais.

O que se entende como as elites nacionais refere-se à descendência direta de uma monarquia e de uma burguesia que firmou moradia, por aqui, instaurando um modelo social voltado à manutenção de suas regalias e privilégios.

Portanto, esse período histórico teve como pano de fundo a defesa dos interesses dos descendentes dessas elites, com base no suporte das forças militares. Quaisquer ameaças a essa estabilidade histórica deveria ser repelida a qualquer preço.

De modo que o encerramento de tal período não foi bem recebido por muitos. O gosto amargo do fim acirrou os ânimos, no sentido de recrudescer a vigilância quanto às eventuais tentativas de afirmação das correntes progressistas, no país.

E esse tipo de sentimento arraigado não desaparece com o passar do tempo. Então, esse é o ponto de partida para a reflexão. Afinal, desde 1985, queiram admitir ou não, a democracia brasileira se equilibra diante das afrontas e investidas da Direita e de seus matizes; sobretudo, os mais radicais e extremistas.

Nesse contexto, entre 2019 e 2022, pode-se dizer que o país viveu o ápice da antidemocracia. A tal ponto que a sucessão presidencial se viu seriamente ameaçada, exigindo, então, da oposição progressista, uma base de apoio mais abrangente, como se viu no Movimento das Diretas Já.

Apesar de uma ideia interessante, o cenário conjuntural brasileiro era completamente diferente. Membros, apoiadores e simpatizantes da Direita e de seus matizes; sobretudo, os mais radicais e extremistas, ruminavam saudosistas e inconformados, há 37 anos, pelo fim dos Anos de Chumbo.

E na tentativa de conter o sucesso eleitoral da oposição progressista, em 2022, alguns deles decidiram se unir ao projeto de uma Frente Ampla. Era, simplesmente, uma maneira de não se distanciarem do poder e de não permitirem uma reafirmação do ideário progressista.

Algo que ficou claramente evidenciado, já na formação do governo eleito. De certa forma, essa Frente Ampla tornou-se uma ponte com o Legislativo federal, o qual, em sua maioria, consiste em membros da Direita e de seus matizes. O que naturalmente dificulta a implantação das propostas do governo eleito.

A crença de que o país havia se pacificado e restaurado a Democracia ruiu. De fato, em política não há amigos. Há, no máximo, aliados eventuais. E nesse rol está o atual Ministro da Defesa 1, que desde sua escolha, não deixa dúvidas quanto à sua parcialidade simpatizante aos interesses da Direita e de seus matizes; sobretudo, os mais radicais e extremistas.

Em discurso 2 recente, na Confederação Nacional da Indústria (CNI), ele cruza a ética hierárquica do governo e tece flagrantes contestações às decisões do Presidente da República, alicerçadas por posicionamentos diplomáticos em relação a Israel.

O referido Ministro é exatamente um elemento, dentro da ideia da Frente Ampla de 2022, na medida em que ele é a ponte para que as forças militares, envolvidas nas manifestações antidemocráticas, que culminaram no 8 de janeiro de 2023, não se distanciem do poder e não sejam punidas ou responsabilizadas por sua participação em tais eventos.    

Seu papel não é de pacificador de coisa alguma. Ele foi recebido sem reclamações pelas forças militares, porque ele está no papel de atender aos interesses da Direita e de seus matizes. E isso é muito grave, considerando que a realidade brasileira é, ainda, um monte de brasas encobertas por cinza.

Lamento, mas as palavras discursadas não traduzem plenamente a dimensão do papel que o Ministro tem desempenhado nos bastidores do governo. Elas me parecem apenas a ponta de um imenso iceberg, que pode causar sérios estragos ao país, a qualquer momento. Como dizia Nicolau Maquiavel, “Todos veem o que você parece ser, mas poucos sabem o que você realmente é” (O Príncipe, 1532).