quinta-feira, 10 de outubro de 2024

A construção do poder dos pseudotiranos

A construção do poder dos pseudotiranos

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Rui Barbosa, na atemporalidade de suas palavras, escreveu: “O povo não tem representante porque as maiorias partidárias, reunidas nas duas casas do Congresso, distribuem a seu bel-prazer as cadeiras de uma e de outra casa, conforme os interesses das facções a que pertencem. O povo sabe que não tem justiça; o povo tem certeza de que não pode contar com os tribunais; o povo vê que todas as leis lhe falham como abrigo no momento em que delas precise, porque os governos seduzem os magistrados, os governos os corrompem, e, quando não podem dominar e seduzir, os desrespeitam, zombam das suas sentenças, e as mandam declarar inaplicáveis, constituindo-se desta arte no juiz supremo, no tribunal da última instância, na última corte de revisão das decisões da justiça brasileira1.

Veja, caro (a) leitor (a), se não é essa a melhor definição para o confronto que se estabeleceu entre o Legislativo Federal e o Supremo Tribunal Federal (STF). Um grupo de pseudotiranos, legisladores da República, tentam construir um poder absoluto, no país, desconstruindo quaisquer possibilidades para o contraditório, a divergência, a discordância, o antagonismo. Quem não se lembra da personagem Rainha de Copas, no filme Alice no País das Maravilhas (2010), dirigido por Tim Burton? Nada mais nada menos do que a personificação do autoritarismo opressor.

Exatamente o que pretendem manifestar certos legisladores, no Congresso Nacional. Tomados pelo ideário ultradireitista, com suas expressões ultraconservadoras, tirânicas, ufanistas, anticomunistas e nativistas, eles almejam consolidar seus poderes atuando contra quaisquer forças opositoras, inclusive, se necessário, alterando a legislação vigente, segundo os seus interesses e propósitos.

Por isso, seus alvos preferenciais são as instituições e a mídia, na medida em que podem exercer, a partir do seu papel social, uma resistência importante contra as suas arbitrariedades, a sua rejeição às regras do jogo democrático. A ultradireita tem como um de seus pilares principais a constante contestação do sistema, porque seu objetivo maior é implantar uma realidade idealizada, segundo suas crenças, valores e princípios.

Mas, apesar de todo o burburinho que vem causando essa queda de braços entre o Legislativo Federal e o Supremo Tribunal Federal (STF), a capacidade de tornar a deliberação parlamentar uma realidade factual não se sustenta, pelo fato de ferir a constitucionalidade e a independência dos Poderes. No entanto, o midiatismo que envolve a situação representa, para os parlamentares, algum benefício em termos de popularidade e visibilidade.

Na era dos recortes, eles fazem da sua participação parlamentar um instrumento de mobilização dos seus seguidores, nas mídias sociais, reverberando o assunto e contribuindo para eventuais distorções e manipulação discursiva. De modo que eles contribuem para uma formação de opinião desvirtuada da realidade, acentuando o radicalismo e o extremismo das posições político-partidárias polarizadas. O que demonstra um visível descompromisso com a ordem e a civilidade; sobretudo, em relação ao Estado Democrático de Direito.

Pablo Neruda já dizia, “Você é livre para fazer suas escolhas, mas é prisioneiro das consequências”. Pena, que muitos se esquecem disso! Daí a necessidade de uma análise mais crítica e reflexiva da população brasileira em relação às suas escolhas representativas. Votar é coisa muito séria. O voto é a legitimação dessas pessoas e, por consequência, de suas intenções e pretensões. É uma carta branca outorgada pelo eleitor.

Assim, prestemos atenção às seguintes palavras de Bertolt Brecht, “Desconfiai do mais trivial, na aparência singelo. E examinai, sobretudo, o que parece habitual. Suplicamos expressamente: não aceiteis o que é de hábito como coisa natural, pois em tempo de desordem sangrenta, de confusão organizada, de arbitrariedade consciente, de humanidade desumanizada, nada deve parecer natural nada deve parecer impossível de mudar”.



1 Obras completas – p.81, de Rui Barbosa – Publicado por Ministério da Educação e Saúdem 1942.