segunda-feira, 16 de setembro de 2024

Hostilidade e beligerância eleitoral

Hostilidade e beligerância eleitoral

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

A hostilidade e a beligerância sempre marcaram as disputas eleitorais no Brasil. No entanto, com o advento das Tecnologias da Informação e da Comunicação (TICs), a escalada desse movimento vem atingindo patamares cada vez mais perigosos e antiproducentes ao verdadeiro debate de ideias.

Recortes midiáticos, Fake News e outras estratégias, então, favorecem ao profundo esgarçamento da proposição dos planos de governo. A busca por likes e compartilhamentos parece ser o objeto central das campanhas eleitorais em detrimento da discussão sobre as demandas sociais.

Mas, não bastasse isso, uma certa omissão silenciosa, por parte da Justiça Eleitoral, em relação às condutas de certos candidatos e seus históricos pregressos, recheados por práxis delituosas, precisa ser questionada. Afinal, tal flexibilização permissiva do judiciário brasileiro contribui sim, para a consolidação de verdadeiras arenas de vale-tudo.

Começam pela violência verbal e atingem as vias de fato em um piscar de olhos. Assim, ao invés de promover suas plataformas de governo, o que explode em suas redes sociais é a visualização da verborragia e de todos os tipos de manifestações de vulgaridade. De modo que a campanha eleitoral tem se transformado em monetização do absurdo, da irracionalidade, do despautério.

O que, infelizmente, acontece pelo excesso de cautela da Justiça brasileira para punir candidatos e respectivos partidos políticos. Aliás, os veículos de comunicação e de informação trouxeram, no fim de semana, a notícia de que três procurados da Justiça, pelos atos criminosos em 08 de janeiro de 2023, se lançaram candidatos e faziam campanha sem serem presos. Antes disso, circularam notícias a respeito de organizações criminosas que vêm trabalhando para eleger representantes no cenário-político partidário.

Pois é, essa é a tecitura representativa que o país vem construindo. Ela acentua os piores valores e princípios existentes. Está fazendo uma aposta perigosa no “quanto pior melhor”. Algo que escancara a despreocupação total com a solução dos problemas que afetam milhares de pessoas todos os dias. Enquanto, uns e outros, por aí, focam na exaltação dos seus próprios interesses.

Tão atuais as palavras de Rui Barbosa, quando escreveu que “Creio que a ordem não pode florescer, senão no seio da estabilidade e da justiça. Mas vejo os depositários da ordem respirarem deliciosamente na agitação, animando-a, promovendo-a, propagando-a, e sinto empolarem-se, cada vez mais acirradas, as paixões políticas, em que a vida oficial parece comprazer-se” 1. Afinal, é exatamente isso o que temos bem diante dos olhos.

Há alguns anos que a sociedade vem falando a respeito da fragilização democrática, justamente, porque as “Democracias podem morrer não nas mãos de generais, mas de líderes eleitos – presidentes ou primeiros-ministros que subvertem o próprio processo que os levou ao poder” (Steven Levitsky – Como as Democracias Morrem, 2018).  Daí a necessidade de atenção ao contexto político-eleitoral em todos os seus níveis de organização. Todos têm responsabilidade com a defesa da Democracia, do Estado de Direito, da Cidadania.



1 Obras completas – página 76, de Rui Barbosa – Publicado por Ministério da Educação e Saúde, 1942. 

domingo, 15 de setembro de 2024

Impactos da Inteligência Artificial (I.A.) no Meio Ambiente


Ilhas de Calor (Heat Islands)


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sexta-feira, 13 de setembro de 2024

Autoridade Climática – reflexões

Autoridade Climática – reflexões

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Nem sempre a iniciativa do fazer representa algo positivo. A recente notícia de que o governo federal pretende criar uma Autoridade Climática me parece um bom exemplo, nesse sentido.

Recapitulando maio de 2023, o Congresso Nacional promoveu um verdadeiro esvaziamento nas pastas de Meio Ambiente e Mudança do Clima e dos Povos Indígenas, a partir da interferência flagrante na Medida Provisória que propunha a reestruturação ministerial.

Naquele momento, ambas as ministras iniciavam seus desafiadores trabalhos, com sua autoridade, de certo modo, comprometida e fragilizada pela força dessa ruptura dos limites constitucionais, no que diz respeito à Teoria de Freios e Contrapesos que atua sobre os três Poderes da República. Simplesmente, o Poder legislativo decidiu interferir sobre um assunto de competência privativa do Poder Executivo, contrariando o que estabelece o artigo 84 da Constituição Federal de 1988.

Penso eu, então, que diante da gravíssima crise gerada pelos incêndios criminosos, em larga escala, no país, a iniciativa de propor a existência de uma Autoridade Climática sugere, de saída, uma reafirmação de ausência de autoridade por parte do próprio Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima. Mais um mecanismo de fragilização do trabalho institucional em curso.

A composição de um corpo de especialistas, ainda que valiosa, não é uma necessidade, considerando a qualidade e excelência do coletivo técnico que já atua no Ministério. Sem contar que a realidade tecnológica contemporânea nos permite, quase que em tempo real, obter as informações científicas necessárias para a construção das políticas socioambientais sustentáveis para o país.

Além disso, não se pode analisar o extremismo nas mudanças climáticas sob a perspectiva limitada aos fenômenos naturais. A radicalização dos episódios está alicerçada na dinâmica dos processos antrópicos. A ação humana é o grande catalisador dos desdobramentos e repercussões negativas das mudanças climáticas globais. Não bastam estudos e pesquisas se a consciência humana não for reformulada e reumanizada.

Como escreveu Paulo Freire, em Educação e mudança, a “Educação não transforma o mundo. Educação muda as pessoas. Pessoas transformam o mundo”. Mas, para ver esse processo florescer é preciso empenho, vontade, estratégia. De modo que, “É fundamental diminuir a distância entre o que se diz e o que se faz, de tal forma que, num dado momento, a tua fala seja a tua prática” (Paulo Freire - Pedagogia da autonomia).

Portanto, o ponto nevrálgico dessa discussão está nas contradições que vêm se apresentando. As pautas de meio ambiente e sustentabilidade que foram destaques desde o início da campanha eleitoral de 2022, gradual e lentamente, se desconfiguraram em ações práticas, pelo governo eleito, o que têm trazido dúvidas quanto à sua verdadeira prioridade.

Embora sabido que o Brasil do século XXI arraste sua herança colonial, a realidade contemporânea impõe posicionamentos firmes fundamentados pelas informações trazidas pelas ciências ambientais. O tempo do discurso pelo discurso, não cabe mais! A consciência de um mundo globalizado, no sentido de que os acontecimentos em um lugar repercutem sobre os demais, não pode ser desconsiderada.

De modo que a responsabilidade socioambiental e sustentável recai sobre todos os habitantes do planeta indubitavelmente. Como dizia Mahatma Gandhi, “Um homem não pode fazer o certo numa área da vida, enquanto está ocupado em fazer o errado em outra. A vida é um todo indivisível”.

Sendo assim, não há espaços para interpretações a fim de satisfazer interesses contrários às demandas socioambientais e sustentáveis vigentes. Ou estamos de um lado. Ou estamos do outro. Não dá para ficar em cima do muro. A história da humanidade já está pronta para fazer as cobranças devidas sobre todos os atos e todas as omissões, nesse contexto.

É preciso admitir que tentar se justificar pela existência do negacionismo científico não muda os fatos em si. A negação não cria uma realidade diferente. Negar não melhora o ar. Não despolui os rios. Não promove o equilíbrio das chuvas. Não recupera os solos. Não mantém as florestas de pé. Não protege a fauna. Não evita as epidemias. ...

Antes de pensarmos em um confronto entre seres humanos e natureza, ou entre negar ou não negar as ciências, estamos diante de um outro, bem mais desafiador, que se estabelece entre o senso libertário absoluto e o instinto de sobrevivência.

Por isso, cada minuto a mais é um minuto a menos nessa corrida antiapocalíptica. Não temos tempo a perder! Não temos vida a perder! Não sei se mais um elemento de autoridade, por si só, seria, então, capaz de reverter o histórico avassaladoramente destrutivo que impera sobre a contemporaneidade.   

quinta-feira, 12 de setembro de 2024

Quando o silêncio grita ...

Quando o silêncio grita ...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Os céus do Brasil cobertos por uma densa fumaça de queimadas. Biomas ardendo em chamas. Animais silvestres morrendo sedentos e queimados. Cidades ameaçadas pelo fogo. Grandes extensões agrícolas destruídas pelos incêndios. Rebanhos cercados pelas labaredas. ... Esse é o cenário nacional em 2024.

Que os eventos extremos do clima estão aí, a ciência não se cansou de avisar! Que a baixa umidade e a escassez hídrica para certas regiões brasileiras, nesse período anual, também, não é novidade para ninguém!

De modo que a incidência de focos de incêndio, de forma muito pontual e esporádica, poderia realmente acontecer. Mas, não é esse o caso. O país foi tomado pelo fogo, de forma simultânea e avassaladora, ou seja, criminosa.

É certo que toda a população vem sendo afetada, em diferentes formas. Mas, chama bastante atenção o fato de que o agronegócio, profundamente atingido por essa crise, não tenha se manifestado publicamente a respeito.

Bem, mesmo sabendo que muitos de seus integrantes são opositores ferrenhos às práxis sustentáveis da Economia Verde, a gravidade da situação impõe uma conduta mais pragmática e realista. Aliás, porque o silêncio, nessas horas, diz tanto quanto as palavras em si. O silêncio não fala, ele grita.

Por trás de toda ação há sempre uma intenção. No caso desses incêndios criminosos há sim, uma dose de tensionamento sobre a economia, desequilibrando a oferta e a procura de alimentos, impulsionando uma possível elevação inflacionária.

Mas, não fica nisso. Há, também, uma franca tentativa de desmoralização do protagonismo brasileiro em relação à defesa das pautas ambientais e de sustentabilidade, no cenário global. Afinal, há quem não queira que seus meios de produção estejam associados às preocupações de inclusão social, consumo consciente e preservação ambiental.

Lamentavelmente, as elites brasileiras do século XXI, em significativa parcela, pensam exatamente como seus antepassados do século XVI. Não enxergam um palmo a frente do nariz! Não se permitem acompanhar os avanços e as discussões científicas, quando essas não coadunam exatamente com o seu pensamento e/ou interesse. Mantendo-se arraigados às velhas práxis produtivas, totalmente desalinhadas às demandas contemporâneas.

Não importa se estão certos. Não importa o grau de limitação do seu conhecimento. Não importa a força da realidade a luz dos seus olhos. Não importa. ...

Essas pessoas estão presas à uma teia histórica de princípios e convicções retrógrados; já desconstruídos e reconstruídos pelo desenvolvimento científico. Mas, elas precisam manter o peso da sua opinião, a autoridade do seu poder, a força da sua supremacia.  

Acontece que dentro desse cenário todos perdem! Enganam-se ao pensar que estão arranhando e desqualificando isoladamente a imagem do governo.

Cada segmento social é responsável pela imagem que produz a partir das suas escolhas, das suas condutas, das suas decisões, dos seus discursos.

Governos vêm e vão. O país fica. A sociedade fica. Os problemas ficam. De modo que, no campo da diplomacia ou do comércio exterior, é esse entendimento que prevalece.

Olhando para os interesses do agro brasileiro, ardendo em chamas, posso imaginar como os concorrentes estrangeiros estão, no mínimo, satisfeitos. Perdas aqui. Lucros gigantescos aos que puderem suprir o Brasil.

Pagaremos caro, por isso? Sim. Mas, os grandes produtores também terão muito que pagar, considerando as dívidas de empréstimos com o governo, para uma safra que, de repente, virou fuligem, diante do fogaréu. Números que irão impactar diretamente no Produto Interno Bruto (PIB) em que suas produções figuram.

Já dizia a Fábula da Ratoeira, de Esopo, “Na próxima vez que você ouvir dizer que alguém está diante de um problema e acreditar que o problema não lhe diz respeito, lembre-se que quando há uma ratoeira na casa, toda fazenda corre risco. O problema de um é problema de todos”.   

terça-feira, 10 de setembro de 2024

10 de Setembro - Dia Mundial de Prevenção ao Suicídio


Anistiar...

Anistiar...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Precisei de algum tempo para organizar os pensamentos e formular uma reflexão que pudesse, de algum modo, agregar novos vieses. Anistiar 1 é uma palavra já conhecida na história brasileira. Aos que têm dúvidas a respeito, ela significa perdoar um ato ofensivo, desculpar, esquecer.

Bom, pelo menos é o que diz o dicionário. Na prática, o que se tem é a relativização da permissividade, segundo interesses, muitas vezes, nada republicanos.  A anistia chancela a possibilidade da reincidência, ela abre um precedente perigoso; sobretudo, no sentido de tentar desvirtuar os parâmetros éticos e morais da sociedade.

E quando se expande essa discussão para a seara político-partidária ou para as instituições, por exemplo, a situação se agrava ainda mais. Haja vista que não precisa se tratar do mesmo assunto, para que os reflexos e desdobramentos de uma anistia reverberem sobre outros.

Aliás, esse padrão comportamental é parte integrante da história nacional. Nesses pouco mais de 500 anos, a anistia esteve presente em diversas circunstâncias, o que favoreceu para que ela fosse trivializada, banalizada, dentro do cotidiano nacional. Um lamentável equívoco que já provou o conjunto dos seus prejuízos, em diferentes formas e conteúdos.

Começando pela fragilização da construção da verdadeira identidade nacional brasileira. Aquela despida das amarras da historicidade colonial e sustentada por uma consciência cidadã plena e pelo exercício democrático responsável. Ora, a anistia torna os cidadãos lacaios do seu fracasso civilizatório, apontando para uma incapacidade deles em arcar com as consequências de seus próprios atos.

Assim, o princípio constitucional da igualdade e da equidade se perde, na medida em que a anistia é condescendente com o desvirtuamento e a afronta do indivíduo em relação ao ordenamento jurídico do seu país.  Como se as leis, as regras, as normas, existissem; mas, pudessem ser descumpridas sem risco de responsabilização.

Aproveitando o momento em que o Brasil tem estado sob uma densa camada de fumaça e fuligem, provenientes de um movimento de queimadas criminosas, a qual se estende por todo o seu território, temos a materialização do que significa anistia. Porque em 2019, quando ocorreu o chamado “Dia do Fogo”, uma série de incêndios florestais no estado do Pará, a impunidade anistiou esse tipo de práxis.

Cientes das mudanças extremas do clima e do modo como tem afetado a dinâmica das estações, no país, a radicalização da seca em diversos estados já estava computada. No entanto, o que se tem é uma queimada por ação antrópica em um cenário totalmente desprovido de umidade, que favorece a propagação rápida e intensa do fogo. E assim, ardem em chamas os biomas, as cidades, os olhos, os pulmões, ...

Não é difícil entender! Cada anistia aplicada, seja em que situação for, se traduz em permissividade ilimitada, descompromissada com qualquer valor ou princípio ético e moral. Basta querer, para fazer. Movido por um pseudodireito de estar acima do Bem e do Mal.

Por essas e por outras é que nenhuma anistia pacifica. A indulgência não apaga o fato em si, nem o faz menor ou menos pior. Então, ele permanece ali, dormente, até que encontre condições novamente ideais para ressurgir. Anistiar é um ato de deseducação, um obstáculo no processo de aprimoramento humano, seja no campo individual ou coletivo. É, portanto, um sinal claro de anuência com o recrudescimento da incivilidade.


domingo, 8 de setembro de 2024

Paris. A festa. A reflexão.

Paris. A festa. A reflexão.

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Durante pouco mais de 40 dias, Paris foi uma festa! Entre emoções e sentimentos diversos desencadeados pelo Jogos Olímpicos e Paralímpicos, a Cidade Luz e o mundo desfrutaram de momentos incríveis do esporte.

Mas, não é nesse viés que venho propor uma reflexão. Quero transcender as fronteiras das piscinas, dos ginásios, das arenas, das pistas, e focar naquilo que é de interesse de todo e qualquer ser humano, seja ele desportista ou não. Quero falar de acessibilidade e de inclusão.

Ao contrário dos jogos que se estabelecem em momentos distintos, dada a realidade de seus participantes, a vida acontece simultaneamente para todos os indivíduos. De modo que o mundo precisa estar apto para atender a pluralidade e a diversidade humana.

Houve uma reafirmação histórica em relação às deficiências, inclusive, com muitos momentos de segregação e banimento social. O que impediu a sociedade de construir um entendimento em relação à eficiência ao invés da deficiência. Criando rótulos e estereótipos incapacitantes, totalmente, infundados.

Cada ser humano é o conjunto das suas habilidades, competências e talentos. Ninguém é bom em tudo. Ninguém ruim em tudo. Podemos nos desenvolver, nos aprimorar. Mas, para isso, é preciso que haja ampla oferta de oportunidades, de investimentos em políticas públicas, dignidade cidadã em amplo espectro.

É aí que entra a questão da discussão sobre acessibilidade e inclusão. Enquanto sociedade, precisamos ir além da discussão sobre a acessibilidade arquitetônica, cuja ausência obstaculiza o ir e vir das pessoas na geografia das cidades.

Porque acessibilidade também é atitudinal, ou seja, a construção de um comportamento sem preconceitos, estereótipos, estigmas e discriminações. É metodológica e instrumental de ensino. É cultural. É de comunicação. É programática, ou seja, que traz ao conhecimento público todas as normas, leis e regulamentos que respeitam e atendem as pessoas com deficiência.

Em suma, ela cabe em qualquer discurso que venha gerar inclusão ao invés de exclusão. Ela aproxima. Ela agrega. Ela compreende o indivíduo na sua essência humana.

A festa em Paris, por exemplo, só foi possível porque a sociedade francesa se permitiu virar essa chave e debater o assunto. Afinal de contas, 16% da população mundial tem algum tipo de deficiência, 1 e só na capital francesa, vivem cerca de 185 mil pessoas com deficiência 2.

E se os jogos foram uma oportunidade de lançar luz sobre as camadas que compõem o tema, ficam claros, também, os desafios globais que se apresentam para se alcançar um êxito efetivo a respeito. Aspectos que esbarram não só em vultosos orçamentos; mas, em uma desconstrução narrativa profunda nas sociedades.

No entanto, é preciso agir. Especialmente, quando o mundo está em franco envelhecimento e impondo, de muitas formas, demandas já comuns aos indivíduos com deficiência. Teremos idosos que, por uma razão ou outra, dependerão de cadeiras de rodas, andadores, bengalas. Teremos idosos em diferentes níveis de surdez. Teremos idosos com redução da acuidade visual. Teremos idosos com perda cognitiva e intelectual.

Pois é, mais um viés da sociedade para nos confrontar com o significado da acessibilidade e da inclusão. Queiram ou não admitir, cada um de nós, independentemente da faixa etária, é uma pessoa com deficiência em potencial.

E aí, como é que vai ser, se isso, em algum momento, se concretizar? Como será viver em um mundo despreparado para as diferenças? Como será viver uma realidade impregnada por preconceitos, estereótipos, estigmas e discriminações?

Ao invés de nos preocuparmos com os cancelamentos, banimentos, narcisismos e afins da contemporaneidade, lançados através das mídias sociais, deveríamos nos atentar para o que é essencial, ou seja, a nossa fragilidade e vulnerabilidade existencial.

Para sobreviver às hostilidades e às adversidades cotidianas é fundamental encontrar condições eficientes e suficientes, segundo as nossas demandas pessoais. Não podemos nos permitir um pertencimento meramente de fachada. 

Então, que o sopro de luz e festa, em Paris, tenha sido capaz de penetrar além da nossa retina e chegado ao profundo da nossa consciência, resgatando e nos movendo a empatia, a alteridade, a nossa humanidade, no melhor e mais verdadeiro que isso representa.  

sexta-feira, 6 de setembro de 2024

A realidade entre linhas

A realidade entre linhas

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

A incomum nota emitida pela Embaixada dos EUA sobre a suspensão de uma mídia social estadunidense, no Brasil, me parece um lamentável erro.

Ao tomar partido de seu proprietário, um multimilionário naturalizado estadunidense, o país escancara a reflexão sobre a imigração, apontando que há sim, diversos pesos e medidas para o assunto.

Ora, estamos falando de um tema que tem sido pauta central nas eleições à Presidência dos EUA. Embora, outros países também estejam às voltas com a mesma situação.

Mas, o que está em jogo não é a imigração por si só; mas, a existência de um perfil profundamente desigual socioeconomicamente, para analisar o processo migratório.

Lamentavelmente a imigração está sim, condicionada ao “vale quanto pesa”. Indivíduos estabilizados economicamente são recebidos de braços abertos em todo lugar. Mas, aqueles cujas condições são totalmente desfavoráveis para sobrevivência em seus países de origem, esses são rechaçados.

Cada vez mais, o mundo tenta ampliar sua bolha de regalias e privilégios, enquanto milhões de seres humanos são mantidos sob condições de extrema perversidade e crueldade social.

Majoritariamente, a imigração contemporânea é fruto dos deslocamentos forçados fomentados por diversas conjunturas, tais como, guerras, conflitos políticos, pobreza, situações climáticas extremas.

De modo que assuntos privados aos interesses econômicos de um cidadão naturalizado estadunidense são capazes de mover as instituições daquele país, com muito mais veemência, do que a construção de políticas humanitárias internacionais, visando contribuir para diminuição do fluxo migratório global.

Como se a triste realidade da imigração fosse incapaz de fazer frente aos interesses do poder capital. Como se vidas humanas estivessem fadadas a serem categorizadas em importantes e desimportantes. Segundo Adela Cortina, “Não rejeitamos realmente os estrangeiros se são turistas, cantores ou atletas famosos, rejeitamos se eles são pobres, imigrantes, mendigos, sem-teto, mesmo que sejam da própria família”.

É preciso entender que a questão migratória é diretamente proporcional à lógica do imperialismo dos países desenvolvidos. Portanto, quanto mais eles atuam nesse sentido, acirrando as desigualdades dentro dos mais diversos aspectos, mais a migração de pessoas oriundas dos países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento aumenta.  

Aliás, o próprio desenvolvimento científico e tecnológico estimulado pelos países desenvolvidos já acena com um futuro de desemprego e/ou precarização do trabalho, que levará a um empobrecimento global sistematizado. O que tende a ser mais um estopim para a intensificação migratória.

Durante décadas os EUA vendeu no cenário internacional o seu “American way of life”, como um símbolo de prosperidade e sucesso; mas, não contou com as reviravoltas do mundo e as consequências e desdobramentos que esse modelo lhe trariam.  Agora, eles não sabem o que fazer com milhares de pessoas cruzando suas fronteiras em busca de um oásis de esperança e sobrevivência.

Em pleno século XVIII, Adam Smith já dizia “Onde há grande propriedade, há grande desigualdade. Para um muito rico, há no mínimo quinhentos pobres, e a riqueza de poucos presume da indigência de muitos”. É sobre isso o que tratam as entrelinhas da nota da Embaixada dos EUA.

Entretanto, não sei se por sorte ou azar deles, elas nos fazem pensar, inclusive, abrindo espaço para o que escreveu Robert Lee Frost, “Antes de construir um muro pergunto sempre quem estou murando e quem estou deixando de fora”. Porque isso diz muito a respeito dos valores e dos princípios que atravessam uma nação. 

quinta-feira, 5 de setembro de 2024

O Reino de Areia

O Reino de Areia

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Conta a história da humanidade que os grandes reinados e impérios construíram seus caminhos de ascensão, a partir das conquistas geográficas que pudessem lhes render riquezas diversas, e em abundância, a fim de consolidarem os seus poderes. Almejavam por regiões ricas em fontes de água, ungidas pela diversidade de fauna e de flora, beneficiadas por recursos minerais em quantidade, ...

É certo, que a maioria deles, usurpou demasiadamente desses recursos e levou à extinção muitos deles. Mas, façamos a ressalva, um tanto quanto óbvia, do completo desconhecimento em relação às ciências ambientais, no contexto de seus respectivos recortes temporais de ação. Eram tempos do poder pelo poder, de modo que os excessos, sob os mais diferentes vieses, ocorreram e marcaram a saga do planeta.   

Acontece que, olhando para a realidade do século XXI, com todo o seu aparato científico e tecnológico, é impossível não sentir um profundo desalento diante da involução que se observa no ser humano contemporâneo.

Apesar de dispor dos registros pregressos, que narram os absurdos e as imprevidências de outros tempos, do vasto conhecimento acumulado na diversidade de inúmeras áreas, mesmo assim, ele permanece estático na consciência do poder pelo poder.

Vejam o Brasil, de dimensões continentais, ardendo em chamas! Seus pseudomonarcas não se importam que essa geografia seja arrastada para a mais completa aridez. Um Reino de Areia. Um amontoado de espaços degradados, onde a vida em suas mais diversas formas sucumbiu, não resistiu a reincidência do fogo criminoso.

Mas, não para por aí. O mais estarrecedor não é abordar a proximidade da consolidação desse Reino de Areia ou o silêncio desses pseudomonarcas sobre esse assunto. O mais estarrecedor é perceber como o poder cega no mais absoluto da consciência humana, nas questões vitais à sobrevivência. O Reino de Areia é um reino sem água. Sem ar respirável. Sem temperatura suportável. Sem capacidade de produção de alimentos. ...

Então, o que significa o poder em um reino assim? Estamos assistindo à construção de montanhas de areia. Uma paisagem desértica, árida, em todos os sentidos. Geográfica. Ecossistêmica. Humana.

Sim, o Reino de Areia começa a ser formado nas bases ideológicas da sociedade. Na aridez da indiferença, do desrespeito, da violência, da desigualdade, ... E se o indivíduo está deteriorado na sua essência humana, ele acaba por refletir essa deterioração no seu entorno.

Quando se fala no individualismo exacerbado, no egoísmo, no narcisismo, na ausência de empatia e de alteridade, no mundo contemporâneo, há quem faça pouco disso e considere esse debate totalmente desimportante.

Só que não. Esse silêncio que traduz a ausência de interesse nessas discussões, na verdade, é um excelente catalisador para acelerar a formatação desse Reino de Areia.

Afinal, ele parte da negligência em relação ao elemento principal das relações, que é o ser humano. Quando não existe preocupação quanto à qualidade da nossa humanidade, ou seja, dos nossos valores, crenças, princípios, sentimentos e emoções, o desenrolar da história se torna temerário.

Fica patenteada uma permissividade que ultrapassa os limites do nosso próprio instinto de sobrevivência. Não há preocupação, quanto ao bem-estar, de uns com os outros. O que faz do adoecimento e da morte, por exemplo, fatos banalizados e de total irrelevância.

Dante Alighieri, em sua Divina Comédia, no século XIV, escreveu que “No inferno os lugares mais quentes são reservados àqueles que escolheram a neutralidade em tempo de crise”. Portanto, lamento informar, mas o Reino de Areia é sim, o nosso futuro comum.

Abstendo-nos pelo silêncio, referendamos esse caos democrático do fogo, essa dor sufocada pela fumaça, essa insuficiência emergente de água, essa desproteção desanimadora. Até o dia em que teremos um país begificado na sua homogeneização arenosa. 

quarta-feira, 4 de setembro de 2024

As regras do jogo ...

As regras do jogo ...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Enquanto as cabeças fervilham na tentativa de compreender o cabo de guerra que se estabeleceu entre um multimilionário, naturalizado estadunidense, e a Suprema Corte brasileira, a história deixa clara as intenções.

Alvo da disputa, a tal rede social, que pertence ao multimilionário e está suspensa no Brasil, por ordem do Supremo Tribunal Federal (STF), foi adquirida com o propósito de ser um instrumento de voz para a ultradireita global.

Não é à toa que, tão logo assumiu o controle da empresa, a qual havia banido a conta do ex-Presidente, e agora, candidato à Presidência dos EUA, não só fez o convite para que ele retornasse à rede social; mas, recentemente, demonstrou total apoio à sua candidatura, pelo Partido Republicano.

Mas, como é de conhecimento público, as eleições estadunidenses tiveram um verdadeiro plot twist, com a indicação da atual Vice-Presidente, como candidata à Presidência, pelo Partido Democrata. De modo que o protagonismo discursivo do processo eleitoral, desde então, passou a ser dela.

Considerando as visitas de congressistas da ultradireita brasileira aos EUA, em 2023, para apontar perseguição política, regime ditatorial e outros absurdos, em sessão no Congresso Americano; bem como, a explícita simpatia devotada ao referido multimilionário, não surpreende o que vem acontecendo.

O Brasil é o pretexto para construir uma cortina de fumaça monumental e desviar as atenções, em relação à candidata Democrata, na campanha eleitoral dos EUA.

Valendo-se do desserviço prestado pelos congressistas brasileiros, o multimilionário utiliza dessas informações para afrontar à soberania do Brasil. Fazendo com que, interna e externamente, os olhos se voltem para uma disputa de força.

Como resposta de agradecimento à ultradireita brasileira, o multimilionário acena com narrativas de apoio a uma manifestação convocada por ela, no 7 de setembro.

Uma demonstração clara da incapacidade de alguns brasileiros em entender o seu papel subserviente e de massa de manobra para interesses estadunidenses, mais uma vez.

O que se demonstra a partir desse episódio é que certos brasileiros aceitam sim, que qualquer um venha afrontar o seu país, desrespeitar as suas leis e instituições, dar pitacos aleatórios sobre o que quer que seja. Como se a dignidade nacional fosse rasa e demasiadamente flexível; sobretudo, diante do poder econômico do outro.

Mas, voltando ao cerne da questão, apesar de toda a bravata despejada nas redes sociais, não demorou muito para que o multimilionário se movimentasse alguns passos atrás, em relação à sua empresa de comunicação por satélite.

Por ordem do STF, ela não só teria seus bens bloqueados para pagamento de multas geradas pela tal rede social, como não poderia liberar o acesso dos usuários à mesma. Lembrando que as duas empresas pertencem ao mesmo conglomerado de negócios do referido multimilionário.

No entanto, não parece que foram esses os motivos da recuada. Segundo informações divulgadas à imprensa, o Tribunal de Contas da União (TCU) abriu investigação por suposta ilegalidade em licitação dessa empresa de comunicação por satélite, com o Comando Militar da Amazônia. Há indícios de um possível favorecimento no contrato firmado entre a empresa e o grupamento militar.

Além disso, é importante salientar que a promessa de oferecer internet para escolas desconectadas em áreas rurais da Amazônia Legal brasileira não se cumpriu, segundo informações do Ministério da Educação e Secretarias Estaduais.

E se a empresa já atende clientes privados em 697 municípios dessa região, também já se sabe que ela impulsiona atividades ilegais, como a mineração, levantando questões sobre segurança e soberania nacional 1.

Daí a necessidade de parar e refletir profundamente sobre o que está em jogo.  Em qualquer lugar do mundo que você chegue para se estabelecer, tem que cumprir o que determinam as leis, os protocolos, as etiquetas, daquele país.

Portanto, quando se decide deslocar para esse ou para aquele lugar social não se pode esquecer essas questões. Elas significam estar sob uma nova ordem social, com outras crenças, valores, princípios e convicções. Essas são as regras do jogo.