segunda-feira, 23 de setembro de 2024

Quisera ter a vida do joão-de-barro!

Quisera ter a vida do joão-de-barro!

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Sempre que o mundo se depara com um obstáculo ou desafio nas relações sociais, logo aparece alguém para atribuir a culpa à ausência ou ineficiência das leis. Chega a ser interessante; sobretudo, quando a realidade contemporânea defende tão arduamente uma liberdade, total e irrestrita, algo bem distante das regras, das etiquetas, dos protocolos e afins.

Embora considere que sempre há espaço para melhorias e aprimoramentos, olhando especificamente para o Brasil, penso que dispomos sim, de uma legislação, sob muitos aspectos, satisfatória. No entanto, está no fato de retirá-la do papel para a prática a grande questão. Afinal, isso depende de uma disposição social, de um espírito coletivo cidadão, o qual carecemos historicamente.

Nos últimos anos, um dos exemplos mais reveladores, nesse sentido, advém da explosão da verticalização urbana, com o surgimento de grandes empreendimentos condominiais, país afora. A realidade limitante dos espaços geográficos levou a humanidade a ser obrigada a repartir o ambiente de maneiras que pudessem melhor alocar os indivíduos.

Contudo, construir uma harmonia espacial não é o mesmo para uma harmonia social.  Identidades, histórias, crenças, valores, ... formatam uma diversidade e uma pluralidade extremamente complexa para equacionar. É aí que entra a tal disposição em se alinhar ao que estabelecem as normas internas condominiais e a própria legislação nacional que trata do assunto. Tudo no intuito de zelar por uma convivência e coexistência equilibrada, saudável e respeitosa, distante das eventuais beligerâncias egóicas e sem qualquer propósito lógico.

Acontece que vivemos tempos judicializantes. O esgarçamento dialógico-comportamental tem demandado, cada vez mais, a intervenção arbitral da justiça, nos mais diferentes aspectos. E não bastasse toda a carga de desgastes embutidos nessas situações, o pior é constatar um distanciamento analítico das realidades condominiais, por parte do judiciário. Não, condomínios não são receitas de bolo. Cada um tem suas especificidades. Tem suas demandas próprias.

Há 15 anos, por exemplo, moro em um condomínio composto por 6 (seis) blocos, todos com 4 (quatro) pavimentos, totalizando 92 (noventa e duas) unidades autônomas. Localizado próximo a uma universidade, a maioria dos seus moradores são locatários (estudantes). Diante dessa realidade, raríssimas foram as vezes em que se conseguiu 1/3 de quórum, ou seja, aproximadamente 30 condôminos presentes às assembleias.

Considerando o fato de que, alguns condôminos, aproveitam para se valerem da possibilidade de outorgar uma procuração para não comparecer presencialmente, outros preferem apenas arcar com eventuais despesas aprovadas para não terem que participar diretamente das decisões. Como dizem, por aí, “pagam pela sua tranquilidade”! Bom, em algum momento, eles acabam descobrindo, da pior forma, que essa prática foi em vão.

Nessa toada, o que mais se vê é o flagrante desrespeito em relação ao que estabelece os parâmetros para quórum mínimo em assembleias condominiais, especialmente, no caso das obras voluptuárias, em que o artigo 1.341 do Código Civil determina 2/3 dos condôminos. Além disso, o artigo 1.352 estabelece que Salvo quando exigido quórum especial, as deliberações da assembleia serão tomadas, em primeira convocação, por maioria de votos dos condôminos presentes que representem pelo menos metade das frações ideais” e o artigo 1.353, “Em segunda convocação, a assembleia poderá deliberar por maioria dos votos dos presentes, salvo quando exigido quórum especial”.

Mas, não para por aí. Observando as pautas convocatórias, a realização das Assembleias e a redação das atas é possível verificar uma linguagem pouco detalhada dos assuntos, o que demonstra que eles são tratados com uma certa superficialidade, de modo que isso acaba por afetar uma tomada de decisão mais consciente, por parte dos condôminos.  Por essas e por outras é que muitas administrações se transformam em verdadeiras bolas de neve de problemas, alguns deles gravíssimos.

Questões como inadimplência, ausência de prestação de contas e apresentação de projetos deliberados em assembleia, aumentos recorrentes do valor da taxa ordinária e/ou a utilização do fundo de reserva para satisfazer eventuais insuficiências orçamentárias, desobedecendo critérios de prioridade, são comuns para consolidar uma escalada vertiginosa de custo para os condôminos e um caminho curto para a desvalorização imobiliária.  

Pois é, condomínios são apenas um recorte da sociedade. No entanto, o mesmo senso de cidadania que cada brasileiro tem que exercitar no seu cotidiano, é preciso ter, também, no seu ambiente habitacional. O péssimo hábito de outorgar a terceiros as suas próprias responsabilidades, obrigações e deveres pode ter um gosto amargo, que ultrapassa os prejuízos financeiros. Aqueles que já experimentaram o dissabor de perder a sua moradia por negligência, irresponsabilidade, desconhecimento técnico e/ou despreparo de gestão, entendem bem o que isso significa.

Portanto, além de conhecer bem a Convenção e o Regulamento (Regimento) Interno do condomínio onde você mora, pode ajudar na sua tarefa de acompanhar o trabalho da administração, cartilhas como o MANUAL DO SÍNDICO – Orientações para Reformas e Manutenções de Condomínios 1, elaborada pelo Conselho Regional de Engenharia e Agronomia de Minas Gerais (CREA-MG), ou o Manual das principais atividades das Empresas Administradoras de Condomínios 2, elaborada pelo Conselho Regional de Administração de São Paulo (CRA-SP).