segunda-feira, 29 de abril de 2024

Por uma escola aberta à pluralidade, à diversidade humana!


Por uma escola aberta à pluralidade, à diversidade humana!

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Não, não importa se a vítima de racismo, desta vez, é uma adolescente com visibilidade social 1. Racismo é crime 2. E racismo na escola merece uma discussão ainda mais aprofundada, tendo em vista que esse é um dos primeiros espaços sociais, depois da família, em que o indivíduo se estabelece coletivamente.

Assim, façamos uma reflexão franca e objetiva sobre o tema. Olhando especificamente para o contexto brasileiro, o racismo é uma herança colonial, uma consequência ideológica eurocêntrica, a qual reverbera por mais de 500 anos no país. O que significa já estar impregnado no inconsciente coletivo nacional por força das legitimações discursivas, institucionais e de poder.

Acontece que essa normalização, essa banalização, do racismo, a qual se tenta imprimir, é uma grande mentira. Como disse no início, racismo é crime. Aliás, muito antes de uma norma jurídica, assim o determinar, ele sempre foi uma prática criminosa.

Não foi à toa, por exemplo, que por conta de todas as arbitrariedades e violências cometidas pelos seres humanos, ao longo da história, decidiu-se reconhecer publicamente que “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade” (art. 1º, Declaração Universal dos Direitos Humanos, 1948).

No entanto, a gênese primitiva, bárbara e competitiva do Homo sapiens parece rechaçar veementemente o antirracismo e vem buscando manter acesa essa chama abjeta e degradante, de geração em geração. Sim, o racismo tornou-se estrutural na sociedade, em razão de sua legitimação secular  como comportamento normal dentro da dinâmica coletiva. Algo que se manifesta, muito claramente, pela hierarquização da importância e da desimportância social.

Desse modo, quando uma criança ou adolescente manifesta o racismo, seja na escola ou em qualquer outro espaço de convivência, ela está reproduzindo um padrão adquirido no ambiente familiar. Nessa faixa etária, o núcleo familiar tem um peso enorme sobre a formação de crenças, valores e princípios, do indivíduo. Há uma constante observação dos diálogos, dos comportamentos, das ideias.

Mesmo considerando o papel das mídias sociais e da internet, na contemporaneidade, é com base nessa construção identitária da criança ou adolescente, que se dá a sua afinidade e agregação tecnológica. Isso significa que as informações advindas do mundo virtual estão em consonância com o próprio padrão familiar do indivíduo. Ele transita pela bolha que ele reconhece como espaço de pertencimento.

Diante desse cenário, o que se observa é que a escola, especialmente no contexto da iniciativa privada, tem buscado minimizar os conflitos entre a formação acadêmica e a formação familiar, a fim de evitar, principalmente, a evasão dos alunos para outros estabelecimentos de ensino.

Acontece que essa é só uma pseudoneutralidade e de nada resolve as beligerâncias que já se fazem presentes dentro dos muros da escola. O corpo docente e diretivo das instituições de ensino está cada vez mais acuado no seu exercício profissional, tendo em vista o impacto causado pela ingerência das ideologias sustentadas no âmbito familiar dos alunos.

Bem, em outros tempos, uma roda de conversas poderia resolver as arestas com facilidade. Mas, os tempos são outros e não cabe o idealismo ingênuo de pensar que a dialogia pode resolver e colocar tudo no devido lugar, como em um passe de mágica. As pessoas têm ido, cada vez mais, aos extremos na defesa das suas ideias e convicções, o que demonstra uma baixa disposição para conversar e olhar a vida por outras perspectivas e vieses.

De modo que esse caminho me parece inócuo; embora, eu acredite piamente que é a educação, o único caminho para desconstruir e ressignificar os velhos paradigmas. Rubem Alves já dizia que “Para isso existem as escolas: não para ensinar as respostas, mas para ensinar as perguntas. As respostas nos permitem andar sobre a terra firme. Mas somente as perguntas nos permitem entrar pelo mar desconhecido”.

Aliás, vale ressaltar um ponto muito importante para essa reflexão. No âmbito educacional brasileiro existem duas leis – n.º 10.639/2003  3 e n.º 11.645/2008 4 – cujo desconhecimento por parte de uma imensa maioria da população acontece em razão de não serem efetivamente cumpridas nas escolas.  A invisibilização delas repercute na invisibilização da pluralidade social brasileira, da herança colonial miscigenada, reforçando a velha máxima eurocêntrica do século XVI.  

Deixando de lado as politizações, as polarizações contemporâneas, e colocando a discussão da diversidade e da pluralidade social no campo de construção do conhecimento, da intelectualidade, é que se pode finalmente iniciar um novo tempo para o país. Um tempo sem medo das diferenças, sem medo do outro.

A escritora Chimamanda Ngozi Adichie alerta que “A consequência da história única é esta: ela rouba a dignidade das pessoas. Torna difícil o reconhecimento da nossa humanidade em comum. Enfatiza como somos diferentes, e não como somos parecidos” 5. Colocar em prática essas duas legislações significaria, portanto, romper com a história única, a história que só pode ter um narrador.

O Brasil é de muitas cores, muitos saberes, muitas habilidades e talentos. O Brasil é o que é graças a uma riqueza humana extraordinária! Ora, essa grandeza não pode ser ofuscada, negligenciada, invisibilizada, começando da escola! Crianças e adolescentes precisam se sentir representados, estimulados, enaltecidos por serem quem são.

Então, temos que falar de Zumbi dos Palmares, de Machado de Assis, de Nilo Peçanha, de Milton Santos, de Carolina Maria de Jesus, de Marielle Franco, de Mário Juruna, de Cacique Raoni Metuktire, de Ailton Krenak, de Sônia Guajajara, de Daniel Munduruku, e tantos outros 6.

Para finalizar minhas breves considerações, deixo algumas palavras que caem com uma luva sobre esse assunto: “Vivemos durante séculos influenciados pela ilusão da miscigenação sem conflitos, mascarando uma realidade onde a dominação e a discriminação racial e social diminuem consideravelmente as possibilidades de realização cultural plena para uma enorme parcela da população. População, aliás, que nunca deixou de lutar pela formação de uma sociedade na qual os direitos de minorias sejam respeitados e incorporados a uma identidade nacional reconhecidamente plural. Como resultado dessa luta, vivemos hoje um importante processo de democratização das relações sociais no Brasil, e um cenário político que certamente irá exigir a incorporação de uma série de demandas reprimidas. Devemos aproveitar a oportunidade para promover o incentivo ao diálogo, ferramenta fundamental para a construção de uma cultura de paz, que se solidifica com base na interculturalidade” (COLL, 2002, p.16-17) 7.



2 Lei n.º 7.716/1989 – Define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor. - https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7716.htm

3 Altera a Lei n.º 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”, e dá outras providências. - https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.639.htm

4 Altera a Lei n.º 9.394, de 20 de dezembro de 1996, modificada pela Lei n.º 10.639, de 9 de janeiro de 2023, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”. - https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11645.htm

5 ADICHIE, C. N. O perigo de uma história única. São Paulo: Companhia das Letras, 2019. 64p.

7 COLL, A. N. Propostas para uma diversidade cultural intercultural na era da globalização. São Paulo, Instituto Pólis, 2002. 124p. (Cadernos de Proposições para o Século XXI, 2).   

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