sábado, 23 de março de 2024

Ah, o progresso!


Ah, o progresso!

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Ah, o progresso! A expressão dita por gente que revira os olhinhos de emoção, que traz a nítida sensação do dinheiro caindo na caixa registradora, que nutre os sonhos e delírios de uma sociedade de consumo, agora, representa cada vez mais um sopro de tensão no ar, diante da perspectiva catastrófica dos eventos extremos do clima.

Segundo os veículos de informação e comunicação, o “Nível do mar subiu devido ao El Niño e às mudanças climáticas, diz Nasa. A análise da agência espacial dos Estados Unidos se baseia em mais de 30 anos de observações por satélite, iniciadas com o primeiro lançamento de um satélite, em 1992” 1. Assim, países como o Brasil, cuja área costeira é bastante significativa, que coloquem, então, suas barbas de molho!

Pois é, todo o progresso e desenvolvimento desencadeado pela sociedade urbanoindustrial está manifestando suas devastadoras consequências, na medida em que foram rompidos os limites de equilíbrio com o meio ambiente. Nem era preciso ser cientista ou pesquisador da área, para saber que o planeta, cuja porção de terra representa 1/3 e os 2/3 restantes são água, já estava em franca desvantagem, nesse contexto.

Ora, estou me referindo ao que resultou de todas as práxis antrópicas, colocadas em curso ao longo de séculos, e que, agora, é sentido de maneira assustadora 2. Tempestades sem precedentes históricos. Enchentes e deslizamentos de encostas, em questão de poucas horas. Aumento da intensidade e recorrência das descargas elétricas, com episódios de vítimas fatais. Cidades inteiras sendo invadidas pela fúria dos oceanos, apesar das tentativas de contenção das águas. ...

Aí, eis que, de repente, chega a notícia de que muitas cidades “estão tirando concreto das ruas para que plantas cresçam de novo. [...] Os idealizadores do programa argumentam que a despavimentação permite algo muito simples: a água da chuva passa a ser absorvida pela terra e, desta forma, evitam-se inundações” 3.

Além disso, “O processo também permite que plantas silvestres cresçam no espaço urbano e, ao plantar mais árvores, é possível produzir mais sombra, o que, por sua vez, protege os moradores das cidades da radiação solar e das ondas de calor”4.

Quem diria! Anos e anos fazendo apologia do asfalto e, por consequência, endeusando os benefícios do petróleo, eis o choque da realidade contemporânea, obrigando a humanidade às mudanças de rota no curso da sua história, em nome da sobrevivência.  Afinal, diante de uma densa cobertura asfáltica promovida pela urbanização, os sistemas de drenagem pluviométrica vêm se mostrando insuficientes e ineficientes para conseguir oferecer os resultados necessários.

Mas, não pense que a ideia da despavimentação seja um retorno radical aos tempos do chão de terra batida! Trata-se de uma busca por pavimentos ambientalmente sustentáveis, tais como os bloquetes, por exemplo. Eles são, na maioria das vezes, resultado da reciclagem de resíduos da construção civil e de demolição (entulho) 5, cujo processo de seleção prévia dos materiais, garante qualidade e resistência para os diversos tipos de tráfegos.

O que significa que esse tipo de pavimentação traz em si a consciência em torno dos princípios fundamentais da sustentabilidade, ou seja, repensar, recusar, reduzir, reparar, reutilizar, reciclar e reintegrar. Algo que, no campo da sustentabilidade urbana constrói uma análise de métodos e ações que visam preservar, cuidar e equilibrar as relações socioambientais.

De modo que estes são tempos de descontruir a ideia de progresso, retirando-a desse pedestal rígido e inquestionável. Progresso fala de processo. Nada taxativo, imóvel, eterno. Porque sua necessidade primaz é satisfazer as conjunturas em que está inserido. Portanto, ele está submetido às revisões constantes, mudanças, idas e vindas.

Se, agora, em pleno século XXI, as demandas socioambientais impõem que se olhe para a despavimentação asfáltica, entendamos que isso também é progresso.  Como dizia Mahatma Gandhi, “Se queremos progredir, não devemos repetir a história, mas fazer uma história nova”. Enfim, precisamos ressignificar a ideia de progresso, porque “O significado das coisas não está nas coisas em si, mas sim em nossa atitude com relação a elas” (Antoine de Saint-Exupéry).



4 Idem 2.

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