Para o
bem ou para o mal ...
Por
Alessandra Leles Rocha
Sem essa de dizer que, isso ou
aquilo, foi criado para o bem. Tudo que passe pelo intelecto humano é via dupla,
pode ser usado para o bem; mas, também, para o mal. As intenções, os interesses,
os desejos, são os verdadeiros determinantes do processo, daí não se poder
cravar, com total exatidão, por quais rumos seguirá a história.
Ora, desde que mundo é mundo,
sempre foi assim. A descoberta do fogo trouxe o calor; mas, também a
destruição. A criação do avião encurtou as distâncias; mas, facilitou a beligerância
das guerras. A indústria química trouxe inúmeras novidades para o dia a dia dos
seres humanos; mas, contribuiu para o desenvolvimento de inúmeras doenças. ...
Mas, centrando foco no mundo contemporâneo,
no recorte do século XXI, tempos totalmente High Techs, em que o contexto
virtual passou a dominar o cotidiano dos mais de 8 bilhões de seres humanos no
planeta, discutir sobre os efeitos tóxicos e nocivos das inúmeras novas
tecnologias em uso, torna-se cada vez mais fundamental.
Por quê? Resposta fácil. Nos
bastidores das parafernálias tecnológicas está o intelecto humano comandando o
show. Portanto, para o bem ou para o mal, elas estão susceptíveis a ele. O que
significa que não há garantias de que o uso tecnológico transite apenas a favor
da humanidade, dentro de um contexto ético, moral, humanitário, empático,
fraterno.
Aliás, é exatamente o oposto
disso, por exemplo, os esforços empenhados pelas mídias sociais. Quanto mais
conflito, beligerância, ódio, preconceito, ... mais elas se sentem favorecidas
e menos dispostas a impedir a circulação desse tipo de conteúdo.
É preciso entender que as pessoas
são atraídas por esses traços primitivos do comportamento humano, porque eles
legitimam impulsos que elas têm dentro de si mesmas. Então, elas se conectam as
essas notícias e gastam seu tempo consumindo esses conteúdos.
Enquanto isso, os algoritmos
trabalham freneticamente mapeando os seus perfis a fim de oferecer-lhes mais
produtos que possam interessá-las. O que significa que todo assunto
potencialmente polêmico é uma porta aberta para o enriquecimento cada vez mais
rápido e voraz das mídias sociais e do universo tecnológico.
Razão pela qual, as Big Techs
trabalham tão arduamente contra as investidas de controle e punição às suas
atividades. Por mais clichê que possa parecer, em pleno século XXI, elas atuam
sob a premissa de que “os fins justificam os meios”, ou seja, se o
dinheiro está jorrando em profusão nas suas contas, não lhes importa qual seja
a forma com que chegaram até lá. Daí a sua constante leniência diante de diversos
comportamentos que infringem às leis.
Aliás, nesse sentido, elas fazem
questão de trabalhar sobre narrativas, as quais tentam fazer parecer que o mundo
virtual é um espaço à parte da realidade, regido por uma outra lógica ética e
moral. Só que não. O mundo virtual é uma extensão do mundo real e está sim,
submetido aos mesmos regramentos sociais e jurídicos. Não é uma arena livre
para se fazer o que quiser, quando quiser.
Contudo, a força de persuasão ideológica
das Big Techs é tão poderosa que, ainda, há quem acredite que essas são “terras
sem lei” e saem, por aí, promovendo tensões, criando dissonâncias, agindo de
maneira irresponsável e delinquente. Alguns acreditam na proteção desse
gigantesco e importante guarda-chuvas tecnológico. Outros apostam na morosidade
da justiça para identificá-los e puni-los. Enfim...
O que se pode deduzir desse fenômeno,
como sendo um hábil construtor de pseudocorajosos úteis. Pois é, enquanto suas
atitudes abjetas e inomináveis constroem fortunas de uns e outros, eles próprios
são a caricatura do corajoso contemporâneo. Sim, são aqueles indivíduos que não
se expõem a dizer o que pensam, ou a fazerem o que querem, dentro dos limites
do mundo real, sob o medo das consequências e punições; mas, se apropriam de
uma valentia descomunal no mundo virtual.
Fato é que, sem a devida
regulação e fiscalização das atividades cibernéticas pelos governos, ou de uma Tecnoética
aplicada com mais afinco, a presença desses indivíduos dispostos ao “tudo ou
nada”, nos espaços virtuais, acaba fazendo com que os conflitos, as beligerâncias,
os ódios e os preconceitos arrastem milhões de pessoas para a frente das telas,
por horas a fio, contabilizando cifras inimagináveis e levando a humanidade a
um triste cenário de deterioração de valores e de princípios.
Mas, não para por aí. É essencial
que o cidadão comum se perceba mergulhado nessa podridão, até a raiz do cabelo,
na medida em que a tecnologia faz parte do seu cotidiano. Seja você parte
integrante, ou não, das mídias sociais, a verdade é que todos nos tornamos a
bola da vez desse mundo virtual. Num piscar de olhos e você pode ser julgado,
cancelado, ofendido, humilhado, exposto ou ameaçado, como se uma nova ordem
social, garantidora desses absurdos, tivesse sido instituída.
É por essas e por outras, que a necessidade de se discutir o desprezível, o canalha, o indigno, o infame, o crime, no âmbito do mundo virtual, é urgente. Já dizia Bertolt Brecht, “[...] Como eu não me importei com ninguém, ninguém se importa comigo”. Afinal, todo silêncio tem em si um fundo de leniência, de tolerância, de condescendência, seja para o bem ou para o mal, segundo a perspectiva de quem silencia.