quinta-feira, 9 de novembro de 2023

Quando os argumentos se tornam frágeis demais


Quando os argumentos se tornam frágeis demais

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Desculpem-me a sinceridade; mas, não encontro outra razão, para que o pequeno grupo de brasileiros deixe Gaza, pela fronteira com o Egito, nesse momento, a não ser pelo fato de que isso fortalece, de diferentes maneiras, as falas radicais e extremistas do ultradireitismo global.

É de conhecimento público os laços estabelecidos entre a ultradireita brasileira e a ultradireita de Israel 1; bem como, o fato de que, desde o início do conflito, esse espectro ideológico tentou estabelecer um grau de simpatia do atual governo brasileiro com o grupo Hamas, cobrando insistentemente que este fosse denominado terrorista, contrariando o senso diplomático da própria Organização das Nações Unidas (ONU).

Acontece, que é muito frágil o argumento de que por ausência de determinadas palavras pelo atual governo brasileiro se possa reter esse pequeno grupo de pessoas. Não faz qualquer sentido! Talvez, mudando o viés para o fato de que o Brasil tem se empenhado, desde a deflagração do conflito, para encontrar uma solução diplomática pacífica, a lógica pudesse ser recomposta.

Porque essa sim, é uma razão que incomoda radicalmente o governo de Israel, no que diz respeito às suas pretensões expansionistas. Mas, ainda assim, falta consistência para essa obstaculização. De modo que, observando lá e cá, começa a ficar perceptível a questão da ultradireita.

Os ultradireitistas brasileiros se apropriaram desse conflito de uma maneira bizarra. Tecendo teorias e mais teorias, totalmente descabidas e absurdas, na tentativa de captar a atenção da sua bolha de simpatizantes e seguidores.

E fizeram isso na busca de capitalizar apoio da ultradireita de Israel, que está no poder, para tentar de alguma forma abafar a deterioração que acontece na ultradireita brasileira, por conta das inúmeras investigações sobre a sua atuação nas práxis antidemocráticas e anticidadãs ocorridas no país.

Pois é, a gratidão ao governo brasileiro pelo fato de o diplomata Oswaldo Aranha ter articulado pela aprovação da proposta de criação do Estado de Israel, em 1947 2, parece ter se esgarçado com o tempo.

A autossuficiência da ultradireita israelense sugere que os laços diplomáticos não passam de mera convenção protocolar e que seus interesses atuais preferem orbitar o universo das grandes potências democráticas globais, as quais se permitem alinhar, em alguns pontos, ao ideário da ultradireita de Israel.

O que subliminarmente deixa transparecer que se houvesse, por aqui, um alinhamento no mesmo sentido, o trâmite da situação crítica dos brasileiros, em Gaza, seria diferente. Mas, como não é ... O contexto trágico e cruel se transforma em munição para as redes de Fake News da ultradireita brasileira, que se serve da tragédia alheia para tentar se reerguer, despindo-se de qualquer vestígio de ética e de moral.

Deveríamos todos estar cientes de que há dois aspectos distintos em discussão. O primeiro diz respeito ao fato da retirada de cidadãos estrangeiros de uma zona de conflito, em franca ameaça de letalidade. Não se pode colocar em risco vidas humanas que nada têm a ver com a beligerância instalada. A sua retirada deveria ter sido prioridade, desde o início.

O segundo ponto é a resolução do cerne do conflito, ou seja, dar o devido trato aos motivos que levaram a explosão conflituosa. Portanto, um assunto para a mesa de discussão diplomática internacional. Um processo dialógico longo, exaustivo, e que, no contexto atual, não parece possível, tendo em vista o clamor de alguns players pela manutenção da guerra 3.

No entanto, o que o mundo tem assistido é uma amálgama desses dois aspectos, impedindo um arrefecimento da beligerância em nome da racionalidade. Algo que já ultrapassou os limites diplomáticos e ganhou força para uma escalada mortal sem precedentes.

A humanidade está colhendo os frutos amargos de assuntos históricos mal resolvidos, os quais, vez por outra, explodem e reverberam a sua necessidade de uma solução despida de parcialidades. A impressão que se tem é de que o abandono da dialogia tenta afunilar a solução para que a consolidação de uma limpeza étnica ponha fim à discussão.

Mas, valendo-nos minimamente da razão, sabemos através das páginas da história que isso não resolve. Porque se não há pelo o que brigar, ainda assim, o ser humano briga por alguma coisa. A sua insatisfação é algo intrínseco à sua personalidade e, de certo modo, é o impulso que movimenta a sua sede de poder.

Daí a razão de disputas por território, por religião, por costumes, por água, por petróleo, por gás, por ouro, ... Não é à toa, por exemplo, que as Américas foram palco do maior extermínio de povos originários do planeta, durante o Colonialismo (e o Imperialismo), entre os séculos XIV e XIX. Por isso não nos esqueçamos do que dizia Mahatma Gandhi, “Se queremos progredir, não devemos repetir a história, mas fazer uma história nova”.