quinta-feira, 9 de novembro de 2023

A Democracia na corda bamba


A Democracia na corda bamba

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

No turbilhão dos acontecimentos, não devemos perder de vista o fato de que a Democracia não está totalmente a salvo. Observando a sanha do fisiologismo exercido pelo chamado Centrão, a partir das notícias publicadas pelos veículos de comunicação e informação, é impossível não perceber como as entrelinhas dos acontecimentos afetam a estabilidade democrática do Brasil, na medida em que servem aos interesses midiáticos da ultradireita nacional.

Daí a estranheza, quando, por exemplo, em meio aos inúmeros rumores públicos de insatisfação, disseminados por membros do Centrão, incluindo o próprio Presidente da Câmara dos Deputados, quanto à relação Legislativo/Executivo, tenha passado despercebida por eles a convocatória da Embaixada de Israel para uma reunião, no espaço da referida casa legislativa, com deputados da ultradireita e, também, com a presença do ex-presidente da República 1.

Enquanto muitos tratam essa reunião como uma afronta ao atual governo brasileiro, eu penso que é uma afronta à Democracia. Houve ali, um flagrante desrespeito ao princípio da neutralidade, que a diplomacia brasileira sempre defendeu. Nesse momento, não temos que polemizar apoios a ninguém. Vidas brasileiras estão à mercê da beligerância em Gaza, impedidas, apesar de todos os esforços diplomáticos do governo, de retornar ao Brasil.

Queiram ou não admitir, a soberania nacional, um dos princípios democráticos mais importantes, foi tratada com total desdém. Como se a Democracia brasileira, na representação maior da sua governança eleita pelo povo, não merecesse a cordialidade e o respeito de outras nações.

Pois é, a Democracia brasileira foi destratada dentro do seu território, dentro de uma de suas casas legislativas, considerando que houve uma flagrante intenção de diminuí-la, a tal ponto, de convencê-la a aceitar as determinações de outros que, em tese, se julgam maiores e mais importantes no cenário global.

Porém, não bastasse isso, diante da referida convocatória a ultradireita não só, não defendeu a Democracia, como deixou clara a sua posição sobre o assunto e não emitiu qualquer palavra de apelo em favor dos brasileiros retidos em Gaza. E parafraseando Martin Luther King Jr., a afronta à Democracia num lugar qualquer é uma ameaça à Democracia em todo lugar. Simplesmente, porque a Democracia começa a ser relativizada, segundo os interesses de uns em detrimento de outros.

Aliás, em se tratando de Democracia no Brasil; mas, dentro de um outro viés, a ultradireita, mais uma vez, se faz presente. A notícia do dia é que o “Governo de SC manda retirar livros de ficção de escolas públicas” 2.

Foi impossível, então, não me lembrar das palavras de Noam Chomsky, no documentário “Manufacturing Consent: Noam Chomsky and the Media”, de 1992, quando ele disse: “Se você acredita na liberdade de expressão, você acredita na liberdade para exprimir opiniões de que você não gosta. Quer dizer, Goebbels era a favor da liberdade de expressão para opiniões que ele gostava. Tal como Stalin. Se você é a favor da liberdade de expressão, isso significa que você é a favor da liberdade de exprimir precisamente as opiniões que você despreza. Caso contrário, você não é a favor da liberdade de expressão”.

De modo que os recorrentes ataques contra as mais diversas manifestações da cultura no Brasil, exemplificam bem essa ideia marcante do ideário ultradireitista. Tolher a liberdade de expressão faz parte do roteiro de arbitrariedades e autoritarismos que configuram a ultradireita. Ou está comigo ou está contra mim.

Contudo, eles se esquecem de que as expressões culturais estão aptas a receber avaliações para conduzir melhor sobre públicos, faixa etária, temática, interesse didático, ... Ninguém precisa proibir nada. Basta construir bons projetos, planejamentos, para direcionar os acervos de maneira mais adequada e produtiva. Bons professores conseguem resolver isso com habilidade e competência.

No entanto, o que deveria ser objeto de reflexão e medidas coibitivas passa despercebido. Em 2014, a mídia já trazia a seguinte informação: “Com um impressionante número de 45 mil pessoas, Santa Catarina é o estado brasileiro com a maior concentração de simpatizantes do nazismo. Somados os Estados do Rio Grande do Sul e Paraná, a região Sul soma hoje cerca de 100 mil pessoas que apoiam essas ideias. Os números estão em um estudo realizado pela antropóloga e pesquisadora Adriana Dias, da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) em 2013” 3. Algo que, em junho desse ano, é reafirmado em uma nova matéria “Grupos Neonazistas se multiplicam em um Brasil mais conservador” 4.

Pois é, enquanto se retiram livros das estantes, a violência é gestada nos submundos do mundo real e virtual, sem se saber, exatamente, quando eclodirá. As células neonazistas deveriam ser uma preocupação não só dos estados onde elas se concentram; mas, de todo o país, na medida em que não deixam de ser uma ameaça terrorista de proporções inimaginadas. Ora, esses grupos não se reúnem à toa, eles têm simpatia, têm apreço, por ideias que podem levá-los a cometer atos terríveis. Mas, paira um certo silêncio em torno do assunto.

De modo que, mais uma vez, a Democracia balança na corda bamba, sem redes de proteção. Afinal, seja a Democracia aqui ou acolá, o fato é que ela está ameaçada pelo radicalismo, pelo extremismo. Acontece que essas ameaças não cabem somente a esse ou aquele grupo, há muitos por aí. Diferentes bandeiras, diferentes plataformas ideológicas, diferentes métodos de ação, enfim. Por isso, “No manicômio global, entre um senhor que julga ser Maomé e outro que acredita ser Buffalo Bill, entre o terrorismo dos atentados e o terrorismo da guerra, a violência está nos arruinando” (Eduardo Galeano).