A Democracia
na corda bamba
Por
Alessandra Leles Rocha
No turbilhão dos acontecimentos,
não devemos perder de vista o fato de que a Democracia não está totalmente a
salvo. Observando a sanha do fisiologismo exercido pelo chamado Centrão, a
partir das notícias publicadas pelos veículos de comunicação e informação, é
impossível não perceber como as entrelinhas dos acontecimentos afetam a
estabilidade democrática do Brasil, na medida em que servem aos interesses
midiáticos da ultradireita nacional.
Daí a estranheza, quando, por
exemplo, em meio aos inúmeros rumores públicos de insatisfação, disseminados
por membros do Centrão, incluindo o próprio Presidente da Câmara dos Deputados,
quanto à relação Legislativo/Executivo, tenha passado despercebida por eles a
convocatória da Embaixada de Israel para uma reunião, no espaço da referida
casa legislativa, com deputados da ultradireita e, também, com a presença do
ex-presidente da República 1.
Enquanto muitos tratam essa
reunião como uma afronta ao atual governo brasileiro, eu penso que é uma
afronta à Democracia. Houve ali, um flagrante desrespeito ao princípio da
neutralidade, que a diplomacia brasileira sempre defendeu. Nesse momento, não
temos que polemizar apoios a ninguém. Vidas brasileiras estão à mercê da beligerância
em Gaza, impedidas, apesar de todos os esforços diplomáticos do governo, de
retornar ao Brasil.
Queiram ou não admitir, a
soberania nacional, um dos princípios democráticos mais importantes, foi
tratada com total desdém. Como se a Democracia brasileira, na representação
maior da sua governança eleita pelo povo, não merecesse a cordialidade e o
respeito de outras nações.
Pois é, a Democracia brasileira
foi destratada dentro do seu território, dentro de uma de suas casas legislativas,
considerando que houve uma flagrante intenção de diminuí-la, a tal ponto, de
convencê-la a aceitar as determinações de outros que, em tese, se julgam
maiores e mais importantes no cenário global.
Porém, não bastasse isso, diante
da referida convocatória a ultradireita não só, não defendeu a Democracia, como
deixou clara a sua posição sobre o assunto e não emitiu qualquer palavra de
apelo em favor dos brasileiros retidos em Gaza. E parafraseando Martin Luther
King Jr., a afronta à Democracia num lugar qualquer é uma ameaça à Democracia
em todo lugar. Simplesmente, porque a Democracia começa a ser relativizada,
segundo os interesses de uns em detrimento de outros.
Aliás, em se tratando de
Democracia no Brasil; mas, dentro de um outro viés, a ultradireita, mais uma
vez, se faz presente. A notícia do dia é que o “Governo de SC manda retirar
livros de ficção de escolas públicas” 2.
Foi impossível, então, não me
lembrar das palavras de Noam Chomsky, no documentário “Manufacturing
Consent: Noam Chomsky and the Media”, de 1992, quando ele disse: “Se você
acredita na liberdade de expressão, você acredita na liberdade para exprimir
opiniões de que você não gosta. Quer dizer, Goebbels era a favor da liberdade
de expressão para opiniões que ele gostava. Tal como Stalin. Se você é a favor
da liberdade de expressão, isso significa que você é a favor da liberdade de
exprimir precisamente as opiniões que você despreza. Caso contrário, você não é
a favor da liberdade de expressão”.
De modo que os recorrentes ataques
contra as mais diversas manifestações da cultura no Brasil, exemplificam bem
essa ideia marcante do ideário ultradireitista. Tolher a liberdade de expressão
faz parte do roteiro de arbitrariedades e autoritarismos que configuram a
ultradireita. Ou está comigo ou está contra mim.
Contudo, eles se esquecem de que as
expressões culturais estão aptas a receber avaliações para conduzir melhor
sobre públicos, faixa etária, temática, interesse didático, ... Ninguém precisa
proibir nada. Basta construir bons projetos, planejamentos, para direcionar os
acervos de maneira mais adequada e produtiva. Bons professores conseguem resolver
isso com habilidade e competência.
No entanto, o que deveria ser
objeto de reflexão e medidas coibitivas passa despercebido. Em 2014, a mídia já
trazia a seguinte informação: “Com um impressionante número de 45 mil
pessoas, Santa Catarina é o estado brasileiro com a maior concentração de
simpatizantes do nazismo. Somados os Estados do Rio Grande do Sul e Paraná, a
região Sul soma hoje cerca de 100 mil pessoas que apoiam essas ideias. Os números
estão em um estudo realizado pela antropóloga e pesquisadora Adriana Dias, da
Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) em 2013” 3.
Algo que, em junho desse ano, é reafirmado em uma nova matéria “Grupos
Neonazistas se multiplicam em um Brasil mais conservador” 4.
Pois é, enquanto se retiram
livros das estantes, a violência é gestada nos submundos do mundo real e
virtual, sem se saber, exatamente, quando eclodirá. As células neonazistas deveriam
ser uma preocupação não só dos estados onde elas se concentram; mas, de todo o
país, na medida em que não deixam de ser uma ameaça terrorista de proporções
inimaginadas. Ora, esses grupos não se reúnem à toa, eles têm simpatia, têm
apreço, por ideias que podem levá-los a cometer atos terríveis. Mas, paira um
certo silêncio em torno do assunto.
De modo que, mais uma vez, a
Democracia balança na corda bamba, sem redes de proteção. Afinal, seja a
Democracia aqui ou acolá, o fato é que ela está ameaçada pelo radicalismo, pelo
extremismo. Acontece que essas ameaças não cabem somente a esse ou aquele
grupo, há muitos por aí. Diferentes bandeiras, diferentes plataformas ideológicas,
diferentes métodos de ação, enfim. Por isso, “No manicômio global, entre um
senhor que julga ser Maomé e outro que acredita ser Buffalo Bill, entre o
terrorismo dos atentados e o terrorismo da guerra, a violência está nos
arruinando” (Eduardo Galeano).
1 https://www.cartacapital.com.br/politica/embaixada-de-israel-convoca-reuniao-com-deputados-bolsonaristas-para-apresentar-imagens-exclusivas/
2 https://www.poder360.com.br/educacao/leia-lista-de-livros-que-o-governo-de-sc-proibe-em-escolas/#:~:text=O%20governo%20de%20Santa%20Catarina,enviadas%20%C3%A0s%20institui%C3%A7%C3%B5es%20de%20ensino.