segunda-feira, 4 de setembro de 2023

Quando tudo parece insuficiente...


Quando tudo parece insuficiente...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Nada mais impactante do que observar as forças que atuam sobre a desigualdade social atuarem sobre um país. A notícia de que o “Brasileiro mais escolarizado vê renda desabar e cai na informalidade” 1 exemplifica muito bem essa questão e abre espaço, ou pelo menos deveria, para uma reflexão mais objetiva a respeito.

O peso do ranço colonial sobre o Brasil se reflete em seu próprio enviesamento da estratificação social, entre dois grupos representativos bastante assimétricos. Como toda elite que se preze, a brasileira mantém a sua hegemonia com um perfil mínimo de componentes em contraponto com sua majoritária influência e poder decisório sobre os rumos do país.

Por outro lado, o restante da pirâmide permanece correndo atrás da mínima manutenção da sua dignidade, apesar de constitucionalmente prevista; mas, sem conquistar grandes êxitos na empreitada. De modo que o discurso em torno da escolarização como forma de ascensão social e salarial acaba por ser contrariado pela implacável realidade.

Mais do que qualquer distorção no campo tributário, a verdade em torno da má remuneração brasileira se dá pela imposição das elites, proprietárias dos meios de produção e árdua defensora do liberalismo econômico, sobre os governos. Seu objetivo primordial é que a sua estabilidade social histórica não sofra abalos indesejáveis. O que inclui, por exemplo, abrir caminhos para uma eventual mobilidade social, a partir de salários efetivamente compatíveis com a qualificação profissional.

Aliás, esse é um ponto que merece atenção. Há tempos que os veículos de comunicação e de informação se prestam ao papel de visibilizar a narrativa, fomentada pelas elites, quanto à ausência de mão de obra qualificada e preparada para atender às demandas do progresso nacional.

Entretanto, se por um lado, o que se vê é uma precarização e deterioração do ensino, cada vez mais acentuada, levando a níveis de evasão escolar consideráveis, os quais se somam sensivelmente à necessidade de trabalho para a mínima subsistência; por outro, quando diante de uma pequena parcela capaz de ultrapassar essa torrente de obstáculos e alçar voos maiores no campo educacional, não se identifica o devido respaldo salarial para justificar os seus esforços hercúleos. Os mais letrados, também, estão sendo lançados sumariamente às arenas da informalidade, para complementar a sua renda. 

O que reforça o pensamento da ineficácia do estudo, no país. Vejam só! Depois, ainda querem se escandalizar com a informação recente de que “O Brasil é o segundo país, de um total de 37 analisados, com maior proporção de jovens, com idade entre 18 e 24 anos, que não estudam e não trabalham” 2. Ora, mas a realidade está bem diante do nariz de qualquer um, basta querer ver.

Esse ciclo pernicioso, começa pelo fato de que o Brasil absorveu em sua história a ideia de que investimento é gasto; sobretudo, quando se trata de investimento público. As elites nacionais nunca apreciaram que os governos arcassem com suas responsabilidades em relação às camadas menos privilegiadas; por isso, os investimentos no campo das políticas públicas sempre foram questionados e minimamente cumpridos.

Manter essa imensa massa populacional à mercê da própria sorte sempre foi o ideal das elites brasileiras. Porque, nesse cenário, ela ficaria exposta a ter que aceitar as migalhas que lhes fossem oferecidas, incluindo, as condições de trabalho impostas pelos proprietários dos meios de produção.

Não é à toa que, em pleno século XXI, o “MTE resgatou 1.443 trabalhadores de condições análogas à escravidão em 2023” 3. Infelizmente, esse acaba sendo o fim de pessoas privadas de direitos como “a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados” (art. 6º da CF. de 1988), no Brasil.

Em nome dessa ignorância repugnante demonstrada pelas atitudes das elites e de certos governos é que se sustenta a total falta de compreensão quanto ao real significado de desenvolvimento e de progresso. Porque se soubessem, realmente, o que isso significa não agiriam dessa forma absurda com as pessoas que nutrem os veios do seu enriquecimento e poder. É, o Brasil poderia ser muito mais do que é, se não fosse esse pensamento tacanho colonial! Como disse Paulo Freire, “Lavar as mãos em face da opressão é reforçar o poder do opressor, é optar por ele”.

Tudo que o país precisaria era ter seus cidadãos vivendo a plenitude da sua dignidade, tendo muito mais condições de fazer em prol do país, porque dessa maneira teriam razões verdadeiramente concretas para fazê-lo. Haveria prazer no trabalho. Haveria empenho. Haveria motivação. Haveria alegria. Haveria consciência cidadã. Haveria a proporcionalidade na relação entre direitos e obrigações. E o futuro deixaria de ser uma promessa para se tornar uma realidade.

De modo que a análise que se deve elaborar a partir desse cenário, brevemente apresentado acima, deve ter como inspiração as seguintes palavras de Gonzalez Pecotche, “Conseguir que as gerações futuras sejam mais felizes que a nossa será o maior prêmio a que se possa aspirar. Não haverá valor comparável ao cumprimento desta grande missão que consiste em preparar para a humanidade futura um mundo melhor”.

É que elas, na sua delicada sutileza, nos instigam a perceber que "Impedir a disseminação do conhecimento é um instrumento de controle do poder, porque o conhecimento é saber ler, interpretar, verificar na pessoa e não confiar no que você diz. Conhecimento faz você duvidar. Especialmente do poder. De todo o poder" (Dario Fo, La Repubblica - 2004). O que nos faz ter uma outra leitura sobre o cotidiano brasileiro. A leitura de uma crônica insuficiência.