Quando
tudo parece insuficiente...
Por
Alessandra Leles Rocha
Nada mais impactante do que
observar as forças que atuam sobre a desigualdade social atuarem sobre um país.
A notícia de que o “Brasileiro mais escolarizado vê renda desabar e cai na
informalidade” 1 exemplifica muito bem
essa questão e abre espaço, ou pelo menos deveria, para uma reflexão mais
objetiva a respeito.
O peso do ranço colonial sobre o
Brasil se reflete em seu próprio enviesamento da estratificação social, entre
dois grupos representativos bastante assimétricos. Como toda elite que se
preze, a brasileira mantém a sua hegemonia com um perfil mínimo de componentes
em contraponto com sua majoritária influência e poder decisório sobre os rumos
do país.
Por outro lado, o restante da
pirâmide permanece correndo atrás da mínima manutenção da sua dignidade, apesar
de constitucionalmente prevista; mas, sem conquistar grandes êxitos na
empreitada. De modo que o discurso em torno da escolarização como forma de
ascensão social e salarial acaba por ser contrariado pela implacável realidade.
Mais do que qualquer distorção no
campo tributário, a verdade em torno da má remuneração brasileira se dá pela
imposição das elites, proprietárias dos meios de produção e árdua defensora do
liberalismo econômico, sobre os governos. Seu objetivo primordial é que a sua
estabilidade social histórica não sofra abalos indesejáveis. O que inclui, por
exemplo, abrir caminhos para uma eventual mobilidade social, a partir de
salários efetivamente compatíveis com a qualificação profissional.
Aliás, esse é um ponto que merece
atenção. Há tempos que os veículos de comunicação e de informação se prestam ao
papel de visibilizar a narrativa, fomentada pelas elites, quanto à ausência de mão
de obra qualificada e preparada para atender às demandas do progresso nacional.
Entretanto, se por um lado, o que
se vê é uma precarização e deterioração do ensino, cada vez mais acentuada,
levando a níveis de evasão escolar consideráveis, os quais se somam sensivelmente
à necessidade de trabalho para a mínima subsistência; por outro, quando diante
de uma pequena parcela capaz de ultrapassar essa torrente de obstáculos e alçar
voos maiores no campo educacional, não se identifica o devido respaldo salarial
para justificar os seus esforços hercúleos. Os mais letrados, também, estão sendo
lançados sumariamente às arenas da informalidade, para complementar a sua renda.
O que reforça o pensamento da
ineficácia do estudo, no país. Vejam só! Depois, ainda querem se escandalizar
com a informação recente de que “O Brasil é o segundo país, de um total de
37 analisados, com maior proporção de jovens, com idade entre 18 e 24 anos, que
não estudam e não trabalham” 2. Ora,
mas a realidade está bem diante do nariz de qualquer um, basta querer ver.
Esse ciclo pernicioso, começa
pelo fato de que o Brasil absorveu em sua história a ideia de que investimento
é gasto; sobretudo, quando se trata de investimento público. As elites
nacionais nunca apreciaram que os governos arcassem com suas responsabilidades
em relação às camadas menos privilegiadas; por isso, os investimentos no campo
das políticas públicas sempre foram questionados e minimamente cumpridos.
Manter essa imensa massa
populacional à mercê da própria sorte sempre foi o ideal das elites brasileiras.
Porque, nesse cenário, ela ficaria exposta a ter que aceitar as migalhas que
lhes fossem oferecidas, incluindo, as condições de trabalho impostas pelos
proprietários dos meios de produção.
Não é à toa que, em pleno século
XXI, o “MTE resgatou 1.443 trabalhadores de condições análogas à escravidão
em 2023” 3. Infelizmente, esse
acaba sendo o fim de pessoas privadas de direitos como “a educação, a saúde,
a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a
previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos
desamparados” (art. 6º da CF. de 1988), no Brasil.
Em nome dessa ignorância
repugnante demonstrada pelas atitudes das elites e de certos governos é que se
sustenta a total falta de compreensão quanto ao real significado de
desenvolvimento e de progresso. Porque se soubessem, realmente, o que isso
significa não agiriam dessa forma absurda com as pessoas que nutrem os veios do
seu enriquecimento e poder. É, o Brasil poderia ser muito mais do que é, se não
fosse esse pensamento tacanho colonial! Como disse Paulo Freire, “Lavar as
mãos em face da opressão é reforçar o poder do opressor, é optar por ele”.
Tudo que o país precisaria era
ter seus cidadãos vivendo a plenitude da sua dignidade, tendo muito mais
condições de fazer em prol do país, porque dessa maneira teriam razões
verdadeiramente concretas para fazê-lo. Haveria prazer no trabalho. Haveria
empenho. Haveria motivação. Haveria alegria. Haveria consciência cidadã.
Haveria a proporcionalidade na relação entre direitos e obrigações. E o futuro
deixaria de ser uma promessa para se tornar uma realidade.
De modo que a análise que se deve
elaborar a partir desse cenário, brevemente apresentado acima, deve ter como
inspiração as seguintes palavras de Gonzalez Pecotche, “Conseguir que as
gerações futuras sejam mais felizes que a nossa será o maior prêmio a que se
possa aspirar. Não haverá valor comparável ao cumprimento desta grande missão
que consiste em preparar para a humanidade futura um mundo melhor”.
É que elas, na sua delicada sutileza, nos instigam a perceber que "Impedir a disseminação do conhecimento é um instrumento de controle do poder, porque o conhecimento é saber ler, interpretar, verificar na pessoa e não confiar no que você diz. Conhecimento faz você duvidar. Especialmente do poder. De todo o poder" (Dario Fo, La Repubblica - 2004). O que nos faz ter uma outra leitura sobre o cotidiano brasileiro. A leitura de uma crônica insuficiência.